Aquele trágico acidente amplamente noticiado estaria previsto na vida de suas vítimas? E a morte resultante do furto que surpreendeu a pessoa? Alguns dizem que sim, outros que não. No vasto acervo oferecido pelo Espiritismo para nossa reflexão, existem diversos pontos relacionados a este assunto. O primeiro, na resposta à abordagem sobre ESCOLHA DAS PROVAS, questão 259 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, na qual Allan Kardec indaga às Entidades que o auxiliavam na composição do conteúdo da nova proposta que surgia, se “todas as tribulações da vida foram previstas e escolhidas por nós”, obtendo como resposta que “não se pode dizer que escolhestes e previstes tudo o que vos acontece no mundo, até as menores coisas. Escolhestes o gênero de provas; os detalhes são consequência de vossas próprias ações. (...) Os detalhes nascem das circunstâncias e da força das coisas. Só os grandes acontecimentos, que influem no destino, estão previstos. (...) Se ao passar por uma rua, uma telha te cair na cabeça, não penses que estava escrito, como vulgarmente se diz”. O complemento desta resposta talvez esteja nas questões 843 e 844, da mesma obra, onde tratando do LIVRE ARBÍTRIO, Kardec ouve dos Espíritos que “tendo a liberdade de pensar, o homem tem a de agir. Sem o livre arbítrio seria uma máquina”, ressalvando, porém, que “há a liberdade de agir, desde que haja liberdade de fazer”. Anos depois, desenvolvendo raciocínios n’O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO em torno da afirmação BEM AVENTURADOS OS AFLITOS, contida no belíssimo SERMÃO DA MONTANHA, proferido por Jesus em Cafarnaum e preservado no capítulo 5,6 e 7 do Evangelho de Matheus, Kardec explica existirem aflições derivadas de causas da vida atual e, as de vidas anteriores. Sobre as recentes, expõem em seu comentário: “- Quantas uniões infelizes, porque resultaram dos cálculos do interesse ou da vaidade, nada tendo isso com o coração! (...) Quantos pais infelizes com os filhos, por não terem combatido as suas más tendências desde o princípio. Por fraqueza ou indiferença, deixaram que se desenvolvessem neles os germes do orgulho, do egoísmo e da tola vaidade, que ressecam o coração. Mais tarde colhendo o que semearam, admiram-se e afligem-se com a sua falta de respeito e ingratidão. (...) A quem, portanto devem todas essas aflições, senão a si mesmos? O homem é, assim, num grande número de casos, o autor de seus próprios infortúnios”. Já no Século XX, o Espírito Emmanuel, através de Chico Xavier, ofereceria maiores subsídios ao jornalista Clementino de Alencar, enviado a Pedro Leopoldo, em 1935, pelo jornal O Globo, para saber quem era o “autor” das crônicas atribuídas ao famoso e querido escritor Humberto de Campos (morto em 12/1934), bem como daqueles poemas assinados por grandes intelectuais da literatura brasileira como Casto Alves, Olavo Bilac, Guerra Junqueiro, Cruz e Souza, entre outros. O repórter, indagando ao Instrutor de Chico se o homem está subordinado ao livre arbítrio ou à fatalidade, obteve como resposta que “o homem está subordinado ao seu livre arbítrio; mas sua existência está também submetida a determinadas circunstâncias de acordo com o mapa de seus serviços e provações na Terra, delineado pela individualidade em harmonia com as opiniões dos seus guias espirituais antes da reencarnação. As condições sociais, as doenças, os ambientes viciosos, o cerco das tentações, os dissabores, são circunstâncias da existência do homem. Entre elas, porém, está a sua vontade soberana. Pode nascer num ambiente de humildade e modéstia, procurando vencer pela perseverança no trabalho e triunfando das deficiências encontradas; pode suportar as enfermidades com serenidade de ânimo e resignação; pode ser tentado de todas as maneiras. Mas só se tornará um criminoso se quiser. Na esfera individual o livre arbítrio é, pois, o único elemento dominante. A existência de cada homem é resultante de seus atos e pensamentos. O que se faz necessário é intensificar cada um sua educação pessoal. Um dos grandes erros do homem é não se conformar com sua situação de simples hóspede de um mundo que não lhe pertence. Se reconhecesse o quanto é passageira sua permanência na Terra, evitaria a influência nefasta do egoísmo e não agrilhoaria o seu coração ao cárcere de desejos inconcebíveis, causas naturais de muitos de seus maiores sofrimentos”. Posteriormente, no livro O CONSOLADOR (feb), Emmanuel diria que “determinismo e livre arbítrio coexistem na vida, entrosando-se na estrada dos destinos, para a elevação e redenção dos Espíritos, sendo que o primeiro é absoluto nas mais baixas camadas evolutivas e o segundo amplia-se com os valores da educação (espiritual, naturalmente), reafirmando a resposta à questão 262, d’ O LIVRO DOS ESPÍRITOS, segundo a qual “à medida que seu livre arbítrio se desenvolve, o Espírito conquista maior liberdade de escolher”. Mais tarde, o Espírito André Luiz nos repassaria na obra NOSSO LAR, ponderações de sua mãe quando esta lhe explica o porque de ter pedido para reencarnar brevemente, dizendo que, “o devedor é escravo do compromisso assumido. Deus criou o livre arbítrio, nós criamos a fatalidade. É preciso quebrar, portanto, as algemas que fundimos para nós mesmos”. Posteriormente, aprofundando-se na questão, em conversa com o Ministro Druso em AÇÃO E REAÇÃO (Feb), aprende que “ cada alma cria na própria consciência os créditos e os débitos que lhe atrairão inelutavelmente as alegrias e as dores, as facilidades e os obstáculos do caminho. Quanto mais amplitude em nossos conhecimentos, mais responsabilidade em nossas ações. Através de nossos pensamentos, palavras e atos, que nos fluem, invariáveis, do coração, gastamos e transformamos constantemente as energias do Senhor, em nossa viagem evolutiva, nos setores da experiência, e, do quilate de nossas intenções e aplicações, nos sentimentos e práticas da marcha, a vida organiza, em nós mesmos, a nossa conta agradável ou desagradável ante as Leis do Destino”. Estabelecendo um paralelo entre a escalada da violência e os sofrimentos dela derivados, em entrevista coletiva concedida, em 1982, quando de sua indicação para o Premio Nobel da Paz, Chico Xavier disse que “a violência é qual se fosse a nossa agressividade exagerada trazida ao nosso consciente, quando estamos em carência de amor. Ela lavra, por isso, o desamor coletivo da atualidade. Se doarmos mais um tanto, se repartirmos um tanto mais, se houver um entendimento maior, estaremos contribuindo para a diminuição desta onda crescente de agressividade. À medida que a riqueza material aumenta, o conforto e a aquisição de bens também cresce. Com isso retornaremos à autodefesa exagerada, isolando-nos das criaturas humanas. A vacina é o amor de uns pelos outros, programa que Jesus nos deixou há dois mil anos”. Uma analise comparativa entre essa avaliação e as três décadas que se passaram do dia em foi emitida, talvez explique os elevados índices de violência observados na atualidade. Sobre se a ideia do “carma” não seria uma fórmula ‘masoquista’ considerando o ‘sofrer para aprender’, esclareceu que “temos necessidade de resgatar o carma ou a dívida que assumimos perante a Lei de Causa e Efeito. Temos de compreender o sofrimento e procurar aliviá-lo. Entendo o sofrimento como a didática da própria vida. (...) Desconhecedores voluntários de uma Lei que é benéfica, somos compelidos a aprender através do sofrimento, a fim de adquirirmos a paciência. Não falo do conformismo preguiçoso, mas devemos aceitar com resignação nossas provas. O sofrimento é sempre uma bênção. Não deve ser visto como um drama diante do qual devemos perder as forças ou desconfiar de Deus. Antes, devemos disciplinar o nosso livre arbítrio. Emmanuel considera que “há um trajeto enorme entre a sede do pensamento e os lábios e que intimamente somos livres para construir, através das palavras e de nossos atos, mas depois que exteriorizamos essas ações somos dependentes delas”. Se aquele que, aparentemente, não sofre estaria desprotegido, contrapôs uma pergunta: “Se uma pessoa está sensibilizada por anestésicos, por exemplo, nos processos obsessivos, como ela vai sofrer se está inconsciente?”. Na ocasião, presente, o médium Divaldo Pereira Franco acrescentou que “a pessoa nessa condição já estaria enferma porque o sofrimento das outras pessoas deve nos sensibilizar. O drama da miséria, da fome, das enfermidades diversas, a dor do próximo nos leva a sofrer. A pessoa que não sente deve estar doente”. Finalizando, destacamos parecer incluso no livro EMMANUEL (feb), o primeiro dos inúmeros que o Benfeitor Espiritual publicaria pelo médium Chico Xavier, nas décadas em que trabalharam juntos. Expondo seu ponto de vista, diz que “o porvir, sem estar rigorosamente determinado, está previsto nas suas linhas gerais. Imaginai um homem que fosse efetuar uma viagem. Todo o seu trajeto está previsto: dia de partida, caminhos, etapas, dia de chegada. Todas as atividades, contudo, no transcurso da viagem, estão afetas ao viajante, que se pode desviar ou não do roteiro traçado, segundo os ditames da sua vontade. Daí se infere que o livre arbítrio é lei irrevogável na esfera individual, perfeitamente separável das questões do destino, anteriormente preparados”.
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