Aproximava-se do fim o ano de 1982. A maratona dos candidatos às eleições legislativas e para governança estadual do Brasil era intensa, pois, as campanhas entravam na reta final. Depois de uma sexta-feira marcada por vários encontros políticos pelo interior do Paraná, o jovem parlamentar Heitor de Alencar Furtado, juntamente com um assessor que o acompanhava, após abastecerem o veículo em que viajavam num posto na cidade de Mandaguari, atendeu à sugestão do acompanhante, para que ali mesmo, estacionassem, procurando descansar, dormindo um pouco. A madrugada do dia 22 de outubro avançava e, a certa altura, uma viatura policial abordou-os, e Heitor, despertando, talvez, num movimento brusco, levou um dos soldados da patrulha a disparar um tiro que o atingiu fatalmente. A notícia teve ampla repercussão, provocando comoção em todo País, colocando em evidência e discussão, o despreparo policial. O inesperado da perda, a violência, a perplexidade e a dor, levaram, quarenta dias depois, a mãe, Miriam, advogada e professora, e o pai, José Alencar Furtado, deputado federal cassado, quando líder da oposição na Câmara, a se juntarem ao grande número de pessoas presentes numa das reuniões do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, Minas Gerais, muitos ansiosos e esperançosos por notícias de entes queridos dos quais se separaram pelo inesperado fenômeno da morte. Seus esforços foram compensados ao ouvir, entre outras psicografadas por Chico Xavier, naquela noite/madrugada, a emocionada e reveladora carta de Heitor. Hábil com as palavras, o político desencarnado aos 30 anos, diz no início de seu texto: “- Estamos na situação que, em verdade, não prevíamos. No plano físico a inteligência não se entrega a qualquer cuidado diante das ideias da morte. E é uma pena que não se tenha por aí alguma ponta de esclarecimento sobre o assunto tão grave, quão inevitável. As religiões nos deixaram quase sozinhos. Não fomos nós que as largamos desprevenidos e é muito difícil para o homem integrado nos seus próprios ideais refletir sobre os problemas da morte. Não posso queixar-me quando a complicação é de tantos. Aprendi, com meu pai, que ninguém nasce no mundo com o privilégio de uma estrela na testa”. O comentário/desabafo reveste-se de profundas verdades. As religiões, de maneira geral, demasiadamente preocupadas com as questões temporais, distanciaram-se das espirituais. No tocante à morte e seus desdobramentos, por sinal, não tem nada a dizer a não ser palavras vazias e evasivas, presas a dogmas e fantasias milenares. Heitor, prossegue: “- Deixemos as divagações e vamos ao que nos interessa objetivamente. A sexta-feira fora de muita atividade e a estafa provisória nos apanhou em caminho. Tão fatigado me via, que nosso Fábio me aconselhou o repouso rápido. Não resisti ao apelo. Desligamos o motor e, com naturalidade como se estivéssemos em nossa própria casa, curtimos a pausa, que nos apareceu necessária e oportuna. Acredito que o amigo velava, enquanto o sono me anestesiava a mente e os nervos cansados. Sinceramente, não conseguiria imaginar que alguém nos tomasse por malfeitores potenciais. Entretanto, de lado, conterrâneos ou amigos nossos espreitavam o carro parado com dois homens que não conhecíamos de imediato. O que se seguiu sabem todos. Os homens armados chegaram com vozes altas. Acordei surpreendido e notei, mais com a intuição do que com a lógica, que os recém-chegados eram pessoas inofensivas, tão inofensivas que um deles tocou a arma sem saber manejá-la. O projétil me alcançou sem meio termo e, embora o tumulto que se estabeleceu, guardei a convicção de que o tiro não fora intencional. O olhar ansioso daquele companheiro a desejar socorrer-me, sem qualquer possibilidade para isso, não me enganava”. Esse trecho da carta influenciou a decisão final do julgamento havido em 26 de setembro de 1984, no Fórum de Mandaguari, onde tramitou o processo contra o soldado responsável pelo tiro, já que a mensagem foi incluída como prova documental pela defesa. Reconhecida como autêntica pelo pai da vítima fê-lo desistir da assistência de acusação, resultando na condenação por homicídio simples, com pena reduzida por ser o réu primário. Detalhando suas percepções do dramático momento, Heitor escreveu: “- Refletimos, pais dedicados e amigos, em nossa querida Evelyn, mas isso foi por um instante rápido. A cabeça pendeu sem força para equilibrar-se nos ombros e os raciocínios se misturaram numa estranha gama de sofrimento e esperança, até que o sono me envolveu de todo. Pai, é preciso muita força, para que a gente se veja assim sem ideias para o controle próprio. Escutava os gritos e as reclamações em derredor, mas tudo se distanciou de mim e fiquei só com a minha sonolência a me mergulhar na inconsciência total. Sonhei que me carregavam para sítio diferente da paisagem de Paranavaí, no entanto estava inabilitado a formular perguntas. “-Seria aquilo a morte?” indagava a mim mesmo. Entretanto, o tempo não me proporcionou qualquer ensejo a novas perquirições e dormi profundamente até que despertei sob as atenções de um amigo que me seguia os movimentos. Depois do assombro natural, vim a saber que estava diante do vovô Heitor, nada mais que isso. E isso era o bastante, para que me certificasse quanto ao transplante real de que fora vítima, não alimentei qualquer dúvida. Era um morto-vivo naquele ambiente novo e devia ser um vivo morto no conceito da família e dos amigos”. Esses aspectos evocados por Heitor reafirmam informações disseminadas pelo Espiritismo sobre etapas naturais e comuns que marcam o processo decorrente da morte: o sono ou torpor irresistível, o despertar diante de personagens ligados à nossa ancestralidade, e, sempre, embora quase nunca lembrada, a recapitulação das informações gravadas pela memória ao longo da existência que se finda, comparada pelo pesquisador do assunto Hermínio Correia de Miranda, ao “rebobinar de uma fita VHS”, contendo esses dados e imagens. A carta incluída no livro A VIDA TRIUNFA (fe), continua reunindo outras informações importantes que atestam-lhe a veracidade, dentre as quais destacamos dois trechos para nossa reflexão: “- Não fomos habituados ao choro ou fraqueza e muito menos ao temor; busquei entrar em nível de entendimento como meu avô e a realidade se me fixou na cabeça: havia perdido a viagem, não colhera os votos que imaginava semear. Recebera o veto do destino e isso não devia me arrefecer o ânimo”. E, em outro momento: “Ouço aqui muitas preleções sobre princípios de causas remotas com efeito presente, mas, por enquanto, penso que ali estávamos sob uma força inexorável do destino”.
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