O fim de semana prometia ser de muita alegria para o casal Angélica e Alberto Fortunato e seus três filhos adolescentes José, Osmar e Jair, pois, por algumas horas, se afastariam da ainda não tão agitada capital paulista para a Fazenda Bela Vista, arrendada por um amigo e ex-vizinho japonês, na cidade de Mogi das Cruzes. O momento tornava-se mais especial porque Jair, o mais novo dos rapazes aniversariava naquele quatro de dezembro de 1961. O que era para ser apenas felicidade, porém, converteu-se em aflitivos, dolorosos e traumatizantes momentos. Isto porque, enquanto os casais se entretinham em conversas na sede da propriedade, os três jovens acompanhados pelo filho pequeno do anfitrião, se deslocaram para a piscina situada ao lado para brincar. Jair, o aniversariante, em meio às brincadeiras caiu na água, principiando a se afogar, pois não sabia nadar. Logo, seus dois irmãos, mergulharam para salvá-lo, debatendo-se desesperadamente, e, apesar da tentativa do garotinho japonês em ajuda-los com uma vara de bambu, os três acabaram morrendo. O choque emocional para as duas famílias foi violento, pela transformação do encontro festivo em terrível tragédia. Vinte e um anos se passaram, os desafortunados pais voltaram a morar em Ibitinga, interior de São Paulo, de onde saíram um dia para tentar a vida na cidade grande e, no dia 19 de fevereiro de 1982, estavam presentes à reunião do Grupo Espírita da Prece, em Uberaba (MG), na tentativa de, quem sabe, acalmar a profunda dor que não mais deixaram de sentir, desde aquele triste dia em Mogi. Horas antes, mantiveram rápido diálogo com Chico Xavier, ocasião em que, para surpresa e alegria de ambos, o médium visualizou ao lado deles, três entidades espirituais: Maria Justina, avó do senhor Alberto; Angélica, avó da senhora Angelina e, um senhor japonês, identificado como o anfitrião naquele fatídico dia. Vale comentar que, após o acidente, as duas famílias não mais tiveram contato, apesar da compreensão mútua do ocorrido. Mais tarde, os Fortunato souberam que o amigo que os hospedava, faleceu um ano após a fatalidade com os rapazes, ignorando, portanto, que tivesse sofrido tanto, não resistindo às consequências daquele impacto emocional. Sua presença espiritual no encontro de Uberaba, detectada por Chico, foi muito confortadora para eles. Na fase da reunião noturna consagrada à psicografia, José, o filho mais velho, escreveu pelo médium, elucidativa carta, contendo incríveis revelações das causas profundas do acidente coletivo que colocou os três irmãos no caminho da libertação de culpas trazidas do passado. Em relação ao derradeiros instantes que construíram a fatalidade, José explica: “- Nada posso detalhar quanto ao fim do corpo de que nos desvencilhamos, como quem se vê na contingência de trocar a veste estragada e de reajuste impossível. O sono compulsivo que nos empolgou foi algo inexplicável de que voltamos à forma da consciência, dias após o estranho desenlace”. A propósito do irresistível sono, Allan Kardec tratou no extraordinário O CÉU E O INFERNO – ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo, no capítulo referente ao PASSAMENTO. Revela ser etapa natural no início do processo de desligamento corpo espiritual / corpo físico. Trata-se, muitas vezes, de medida providencial a proteger o que desencarna, já que morrer e desencarnar é coisa diferente. Morrer consiste na interrupção da atividade dos órgãos vitais. Desencarnar implica no desligamento de todos os pontos que ligam ambos os corpos, consumindo, segundo Emmanuel, pelo menos 50 horas. O referido sono como que anestesia a consciência para que não se experimente os desconfortos, por exemplo, do acelerado processo de decomposição, iniciado logo após a cessação das atividades cerebrais. Seguindo em sua narrativa, José conta: “– Estávamos os três alarmados e infelizes no hospital a que fomos transportados, quando duas senhoras se destacaram dos serviços de enfermagem para nos endereçarem a palavra”. A referência a “hospitais” onde despertam os que se desligaram de nossa Dimensão é recorrente em inúmeras cartas psicografadas, confirmando a informação de que o chamado Mundo Espiritual é, em tudo, semelhante ao Mundo Material, onde nos achamos. Na verdade, o Material é que uma réplica imperfeita do Espiritual. Recordando o momento difícil, José diz: “- No fundo, queríamos apenas regressar a casa e retornar ao cotidiano, porque aquele debate com as águas fora de nós, naquele despertar parecia uma brincadeira de mau gosto, na qual supúnhamos haver desmaiado. As duas senhoras se declararam nossas avós Maria Justina e Angélica, e nos informaram, com naturalidade e sem qualquer inflexão de voz agressiva, que havíamos voltado ao Lar, ao Grande Lar de nossa família Espiritual. Os irmãos e eu choramos, como não podia deixar de acontecer”. Comenta na sequência, que foram levados várias vezes a visitar os pais e, entre outras, a mais surpreendente e espantosa das revelações: “- Dois anos passados, fomos visitados por um amigo de nossa família que se deu a conhecer por Miguel Pereira Landim, respeitado e admirado por nossos familiares da Espiritualidade. Nossa avó Maria Justina nos permitiu endereçar-lhe perguntas e todos indagamos da causa do sucedido em nossa ida a Mogi das Cruzes. Ele sorriu e marcou o dia em que nos facultaria o conhecimento do acontecido em suas causas primordiais. Na ocasião prevista, conduziu-nos os três à Matriz do Senhor Bom Jesus, em Ibitinga. Entramos curiosos e inquietos. A Igreja estava repleta de militares desencarnados. Muitos traziam as medalhas conquistadas, outros ostentavam bandeiras. Em meu coração passou a surgir a recordação que eu não estava conseguindo esconder. De repente, vi-me na farda de que não me lembrava, junto de irmãos igualmente transformados em homens de guerra e o nosso olhar se voltou inexplicavelmente para as cenas que se nos desenrolaram diante dos olhos. Envergonho-me de confessar, mas a consciência não me permite recuos. Vi-me com os dois irmãos numa batalha naval, na Guerra do Paraguai, quando, na condição de brasileiros, lutamos com os irmãos de República vizinha. Afundamos criaturas sem nenhuma ligação com as ordens belicistas nas águas do grande rio, criaturas que, em vão, nos pediam misericórdia e vida. Replicávamos que em guerra, tudo resulta em guerra...Trazendo-nos à realidade, o Chefe Landim apontou para uma antiga imagem de Jesus, do Senhor Bom Jesus, e falou em voz alta que aquela figura do Cristo viera do Forte de Itapura com destino à nossa cidade e que, perante Jesus, havíamos os três resgatado uma dívida que nos atormentava, desde muito tempo(...). O que choramos, num misto de alegria e sofrimento, não sabemos contar”...
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