Certo que a natureza não dá saltos, mas para quem já, aos 27 anos tinha acabado de se tornar viúvo com quatro filhos pequenos, ouvir o diagnóstico que estava com lepra e destinado ao isolamento numa das Colônias existentes no Brasil dos anos 30, era motivo mais que suficiente para não crer em Deus. Pois foi essa a reação de Jésus Gonçalves. Não fosse por um jovem pesquisador e escritor, Eduardo Carvalho Monteiro, talvez nem soubéssemos de sua existência, terminada em 1947, aos 45 anos. Integrando um grupo que, em nome da caridade, iniciou trabalho de assistência no Hospital-Colônia de Pirapitingui, nas imediações de Itu (SP), Eduardo impressionou-se ao encontrar um marco da presença de Jésus naquela instituição, a Sociedade Espírita Santo Agostinho, por ele idealizada e fundada, dois anos antes de morrer. Próximo de Chico Xavier, tomou conhecimento também que Jésus – poeta que tivera seus trabalhos publicados na obra FLORES DE OUTONO (lake) -, desde sua morte, havia psicografado vários poemas e trovas através dele, distribuídos em inúmeros livros do médium. Idealista empolgado, Eduardo partiu para minuciosa pesquisa que resultou em 1980, na obra A ESTRAORDINÁRIA VIDA DE JÉSUS GONÇALVES (correio fraterno) e, 1998, no JÉSUS GONÇALVES, O POETA DAS CHAGAS REDENTORAS (eme). No primeiro, demonstrando grande inspiração, Eduardo encadeia fatos históricos e revelações espirituais, mostrando que o desventurado Jésus de hoje, percorria, na verdade, o caminho de sua libertação de grandes equívocos do passado, onde, ostentando o poder, transformou a própria ambição no tormento de milhares de pessoas, não apenas numa, mas, por várias encarnações. Intui ainda o porquê da homenagem a Santo Agostinho na atribuição do nome à Sociedade Espírita que fundou na Colônia. Na verdade, atavicamente, extravasava memórias profundas do marcante encontro em que, na personalidade Alarico, bárbaro conquistador dos primeiros séculos da Era Cristã, tendo sitiado Roma no dia 24 de agosto de 410, nega-se a atender apelo feito, por Agostinho, Bispo de Hipona, para que se apiedasse da população da outrora poderosa sede do Império Romano, comandando invasão que resultou em milhares de mortes. Ele, incorporando a ilusória arrogância; o pedinte, a humildade. A cena e o contraste do diálogo gravaram-se indelevelmente em seu Ser, refluindo na existência atual. Em belíssima síntese poética, Jésus fez através de Chico, um retrospecto de sua escalada na transitória glória do mundo e do êxito alcançado na difícil jornada cumprida no século 20. A Eduardo, Chico identificou os diferentes momentos resumidos pelo talentoso poeta, confirmando que depois da encarnação como Alarico, renasce no mesmo século como Alarico II, oitavo rei dos visigodos, sucedendo ao pai Eurico, perdendo a vida física no ano 507. A próxima encarnação, que se conhece dele, passa-se na França, em meados do segundo milênio da Era Cristã, na personalidade de Armand Jean du Plessis Richelieu, mais conhecido como Cardeal Richelieu, historicamente, por longos dezoito anos, um dos mais notáveis estadistas do regime monárquico francês, odiado e temido por todas as camadas sociais, durante o reinado de Luiz XIII. Renascendo na pequenina Borebi, em 12 de julho de 1902, perde a mãe aos cinco anos, muda-se aos 14 anos, com seus tutores para Agudos, emprega-se aos 16, como beneficiador de café e algodão; aos 17, transfere-se para Bauru; aos 19, casa-se pela primeira vez; aos 27, perde a esposa para a tuberculose, descobrindo-se, em seguida, portador da lepra. Dois anos depois, casa-se pela segunda vez e, aos 31 de idade, em face da evolução da doença, interna-se no Asilo Colônia Aymorés, vendo um de seus filhos também internado pela manifestação da mesma moléstia. Pouco depois, é transferido para o Hospital de Pirapitingui, acompanhado pela segunda esposa, por sinal não portadora de lepra. Quase seis anos depois, um câncer de útero rouba-lhe a companheira, testemunhando no velório, uma manifestação de seu Espírito, mencionando fatos somente do conhecimento do casal. É o suficiente para iniciar sua conversão que resultaria em dezembro de 1945, na fundação, por inciativa sua, da Sociedade Espírita Santo Agostinho, já citada. Em fevereiro de 1947, no dia 16, por volta das onze da manhã, retorna ao Mundo Espiritual. O médium Chico Xavier não o conheceu pessoalmente, a não ser por correspondência, em que afirmou, muitas vezes, que, “ao partir da Terra, pretendia ir vê-lo em Espírito”. Na última carta recebida, havia uma foto, na qual aparecia com algumas alterações na face e numa das pernas. Semanas passaram sem novas notícias - conforme relatado na obra NO MUNDO DE CHICO XAVIER (ide) -, até que “numa noite do mês de março de 1947, chegaram a Pedro Leopoldo, Francisco de Paula Cardoso, de Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e o Doutor Raul Soares, de São Manoel (SP). Era uma terça-feira, dia que não tínhamos tarefa no Centro Espírita Luiz Gonzaga. Junto aos amigos, fomos à sede do grupo, a fim de orarmos juntos. Sentei-me entre os dois, o Doutor Raul fez a prece e, daí a minutos, Emmanuel comunicava-se conosco. Terminada a manifestação, me achando em profunda concentração mental, vi a porta de entrada iluminar-se de suave clarão. Um homem-espírito apareceu aos meus olhos, mas em condições admiráveis. Além da aura de brilho pálido que o circundava, trazia luz não ofuscante, mas clara e bela, a envolver-lhe certa parte do rosto e da cabeça, ao mesmo tempo em que uma das pernas surgia vestida igualmente de luz. Profunda simpatia me ligou o coração à entidade que nos buscava, assim de improviso, e indaguei, mentalmente, se eu podia saber de quem se tratava. O visitante aproximou-se mais de mim, dizendo: “- Chico, eu sou Jésus Gonçalves! Cumpro a minha promessa... Vim ver você!” As lágrimas me subiram do coração aos olhos. Percebi que o inolvidável amigo mostrava mais intensa luz nas regiões em que a moléstia mais o supliciara no corpo físico, e quis dizer-lhe algo de minha admiração e alegria. Entretanto, não pude articular palavra alguma, nem mesmo em pensamento. Ele, porém, continuou: “- Se possível, Chico, quero escrever por você, dar minhas notícias aos irmãos que deixei à distância e agradecer a Deus as dádivas que tenho recebido”. A custo, perguntei, ainda mentalmente, o que pretendia escrever, querendo, de minha parte, falar alguma coisa, porque ignorava que ele houvesse desencarnado e não conseguia esconder meu jubiloso espanto. Ele abraçou-me. Em seguida, colocando-se no meio da pequena sala recitou um poema que eu ouvia, mas não guardava na memória. Ao terminar, pareceu-me mais belo, mais brilhante. Notando a preocupação dos irmãos encarnados presentes ante o pranto que não conseguia conter, indaguei se tinham notícias da morte do companheiro, que, confirmando seu desconhecimento, sugeriram que tomasse o lápis e Jésus debruçando-se sobre meu braço, escreveu em lágrimas os versos que recitara para mim, momentos antes: “- PALAVRAS DO COMPANHEIRO (aos meus irmãos de Pirapitingui) – Irmãos, cheguei contente ao Novo Dia / E ainda em pleno assombro de estrangeiro, / Jubiloso, saltei de meu veleiro / No porto da Verdade e da Harmonia. / Bendizei, com Jesus, a dor sombria / Na romagem de pranto e cativeiro,/ Nele achareis o Doce Companheiro / Para as rudes tormentas da agonia... / Não desdenheis a chaga que depura, / Nossas horas de amarga desventura / São dádivas da Lei que nos governa!... / As escuras feridas torturantes / São adornos nas vestes deslumbrantes / Que envergamos ao sol da Vida Eterna ! / Ave, maravilhosa madrugada / Que desdobras a luz no céu aberto / Além das trevas, longe do deserto / Onde a esperança geme incontentada! / Salve, resplandecente e excelsa estrada / Sobre o mundo brumoso , estranho e incerto / Que acolhe, em paz, o espírito liberto / Na vastidão da abóboda estrelada / Oh! Meu Jesus, que fiz na noite densa, / Por merecer tamanha recompensa / Se confundido e fraco me demoro?! / Recebe, ante a visão do Espaço Eleito, / A alegria que vaza de meu peito / Nas venturosas lágrimas que choro....”
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