“O grande poeta humorista visitou-nos em diversas ocasiões, em Pedro Leopoldo, e habitualmente profetizava que me daria notícias depois da morte. Quando o vi, pela derradeira vez, neste mundo, em 1945, estava abatido, fatigado... Informou-me que não se sentia longe da desencarnação e que eu lhe aguardasse em Espírito. Depois de desencarnado, lembrava-me habitualmente dele, em minhas orações”. O depoimento está em NO MUNDO DE CHICO XAVIER (ide) falando sobre Cornélio Pires, entidade Espiritual muito presente nas tarefas desenvolvidas pelo médium, sobretudo a partir dos anos 60, até seus derradeiros dias em nossa Dimensão. Trovas, quadras, versos, sonetos, foram traços marcantes dessa participação que resultou inclusive na publicação de livros cujo conteúdo reúne produções dele. Cornélio Pires, em sua existência encerrada em fevereiro de 1958 e iniciada 73 anos antes na cidade de Tietê (SP), foi um dos precursores das pesquisas e divulgação do folclore brasileiro, sobretudo nos Estados de São Paulo e parte de Minas Gerais. Embora poucos saibam é autor da letra de “Jorginho do Sertão”, a primeira moda caipira – hoje, música de raiz - gravada no Brasil, em outubro de 1929, pela Columbia. Publicou 23 livros, o primeiro dos quais em 1910. De modestas atividades no jornal “O Comércio de São Paulo”, após passar por vários outros veículos, foi revisor de “O Estado de São Paulo”, encerrando sua carreira n’ “O Pirralho”. A bondade foi o traço característico de sua individualidade, sublinhada com o desprendimento material. Alma simples, coração maior que o corpo, vivia sempre preocupado com a felicidade dos outros. Coração aberto, sempre pronto a servir a todos que dele se aproximassem. Impressionava pelo calor humano que inspirava. Nunca negou nada a ninguém. Seu jeito, sua fala mansa, sua fisionomia bonacheirona, revelavam bondade, irradiavam simpatia, infundiam confiança. Influenciado por uma tia protestante, leu os Evangelhos, e, mesmo não tendo lhes alcançado o espírito, ficou encantado com os ensinamentos de Jesus. Preso, porém, à ‘letra’, começou a encontrar contradições nas escrituras. Em suas andanças pelo interior apresentando seus shows de piadas, trovas e versos, fenômenos inusitados começaram a intriga-lo e desafiá-lo, até que, vencendo o preconceito, comprou algumas obras espíritas, entre as quais NO INVISÍVEL (feb), de Léon Denis. Um dia, superando o medo, pegou e abriu ao acaso um exemplar d’O LIVRO DOS ESPÍRITOS, lendo uma frase que o motivou a comprar e ler outras obras de Kardec e outros autores consagrados. Numa de suas passagens por Uberlândia (MG), teve a felicidade de conversar através de um médium com o Espírito Bezerra de Menezes que adivinhando-lhe dúvidas intimamente acalentadas, as dissipa com argumentos lógicos. Converteu-se, passando a divulgar a Doutrina Espírita onde quer que se apresentasse. Assim, em meio aos livros preservando a memória caipira de nosso país, anedotas, aventuras de Joaquim Bentinho - personagem roceiro por ele criado -, publica em 1944, COISAS D’OUTRO MUNDO e, em 1947, ONDE ESTÁ Ó MORTE? encerrando exclusivamente assuntos de Espiritismo. Naquilo que escreveu através de Chico, fica evidente a preocupação em demonstrar a realidade da reencarnação, e, em segundo plano, o continuísmo da vida após o túmulo, as sensações experimentadas pelos Espíritos, felizes ou menos felizes, após a travessia das barreiras da morte, quase sempre fazendo rir ou pensar”, como mostrado pelo médico Elias Barbosa, no estudo crítico que resultou na obra ‘O ESPÍRITO DE CORNÉLIO PIRES (feb,1965). Testemunhando interessante experiência vivida nos tempos em que era delegado de policia na cidade de Aguas da Prata (SP), o escritor espírita Rafael Ranieri conta em CHICO XAVIER E OS GRANDES GÊNIOS que, “certa vez, através do dono do hotel em que residia, inteirou-se que Cornélio Pires, então uma celebridade, proferiria naquela noite uma conferência na cidade. Pensou que seria no salão de cinema ali existente, contudo, lá chegando descobriu estar programado um filme. Informado pelo porteiro que a apresentação seria na praça em frente ao hotel, para lá se dirigiu, não vendo ninguém a não ser um homem – cara cheia, redonda, paletó e gravata -, lendo um jornal debaixo do poste central, por sinal, mal iluminado. Mais ninguém. Pois não era outro senão Cornélio Pires. Puxando conversa, se apresentando, soube que ali estava em transito, vindo Minas, seguindo para a capital paulista no dia seguinte. Pediu licença, meio sem graça, afastou-se, comentando com soldado que o acompanhava, achar difícil haver conferência sem público nenhum. “O tal orador deve ser doido!”, pensou consigo mesmo. De repente, passou distraidamente um caboclo pelo Cornélio. Mais à frente, parecendo surpreendido, deu pela coisa e voltou alegre. “-Oh, seu Cornélio! O senhor aqui? Há quanto tempo não via o senhor, disse, abrindo um grande sorriso de satisfação. Trocaram algumas palavras e Cornélio falou-lhe: “-Lembra-se daquela?”, começando a contar para o caipira uma piada muito antiga. No entanto, nos lábios do Cornélio Pires a piada ganhava nova expressão, vestia-se de colorido e de graça e o caipira ria a não mais poder. Também rimos, meio sem jeito, ficando a observá-lo de longe. Logo apareceu o guarda-chaves da Estação de trem e dizendo, “-Soube agora que o senhor estava aqui e vim”. Pouco a pouco, o grupo foi aumentando e o Cornélio ia contando suas histórias, suas anedotas, fazendo suas graças, de modo que às oito horas, horário marcado para a conferência, já havia uma enorme multidão na pequena praça. Assombrado, pasmo, vi que aquele homem que chegara de repente, não anunciara conferência alguma, limitando-se a ir para o meio da rua ler jornal, já podia iniciar sua palestra porque, com um sorriso nos lábios e algumas piadas, organizara em pouco tempo o mais simpático auditório do mundo. Nunca havíamos visto nada igual. Aquele era Cornélio Pires”. Concluindo o relato com que iniciamos esta postagem, Chico Xavier acrescenta: “- Anos passaram, até que numa reunião pública na cidade de Sacramento (MG), no Lar de Eurípides, ele surgiu diante de mim e escreveu o primeiro dos seus sonetos mediúnicos por meu intermédio: DESPEDIDA DE VITAL / Lua cheia...Na choça a que se apega, / Morre Vital, velhinho, olhando o morro... / Por prece, escuta a arenga do cachorro, / Ganindo nas touceiras da macega. / Pobre amigo!...Agoniza sem socorro, / Chora lembrando o milho na moega.../ Oitenta anos de lágrimas carrega / Na carcaça jogada ao chão sem forro. / Suando, enxerga um moço na soleira. / -“Eu sou leproso...” – avisa em voz rasteira, / Mas diz o moço, envolto em luz dourada: / -“Vital, eu sou Jesus! Venha comigo!...” / E o velho sai das chagas de mendigo / Para um carro de estrelas da alvorada.
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