Tentando mostrar aos pais como cresceu, a criança pega na
faca para cortar um pedaço de pão e, acidentalmente, fere o
próprio dedo. Outra, desafiando a ordem de sua mãe, põe a mão no ferro de
passar roupa aquecido e se queima. Compondo sua memória periférica da
personalidade atual, tanto uma quanto a outra, descobriram o significado da dor física. Premida pelas necessidades
financeiras, terminada a licença maternidade, a mãe deve retornar ao trabalho,
precisando deixar sua criança no berçário, testemunhando a reação desesperada
da mesma ante a pressentida primeira provisória separação. Os pais, como num
ritual, repetem brigas diárias ignorando a presença da criança no ambiente
doméstico, por vezes, envolvendo ou usando-a como instrumento de mútua
agressão. Ante esses fatos, a criança começa a experienciar outro tipo de dor: a emocional. Confinada no apartamento
da família, a criança desconhece o significado da palavra disciplina, seja
alimentar, comportamental ou social, transformando-se no adolescente obeso,
deslocado, sendo discriminado na escola, no condomínio em que vive, vivenciando
outro tipo de dor: a psicológica.
Educadores, especialistas na saúde mental, naturalmente possuem teses e
conhecimentos capazes de tipificar ou colorir esses quadros com suas próprias
cores e tintas, provavelmente concordando em um único ponto: são situações
muito comuns no desenvolvimento do Ser humano que desde o nascimento caminha
para a fase adulta de sua existência em nossa Dimensão. Na formação da
personalidade que o identificará na sociedade, além da impressão digital ou o
mapa genético, como vemos, a dor constitui-se em elemento importante na
definição do indivíduo que se inserirá no meio em que atuará. Personalidade -
como qualquer um de nós pode dizer -, derivada mais do senso de observação
individual que de orientações verbais ou exemplos oferecidos. E o pior é que
centrada exclusivamente nessa realidade em que nos reconhecemos, ignorando - ou
preferindo ignorar- outras pretéritas ou futuras. Aqui, o fim chega para todos,
mais dia, menos dia. A prova pode ser feita contemplando nossa imagem refletida
no espelho hoje e a fotografia de dez ou vinte anos atrás. Não temos como nos
enganar. Nem em relação ao antes e o depois. Absorvidos na visão de curto
prazo, desdenhamos a de médio ou longo prazo. Se prestarmos atenção, por exemplo, em
famílias de vários irmãos, oriundos dos mesmos pais, evidenciam-se sugestivas
diferenças. Tendências, gostos e preferências absolutamente diferentes, apesar
da origem e influência comuns, sugerindo características desenvolvidas pela
individualidade antes do berço. Para os desprovidos de preconceitos,
efetivamente interessados em refletir sobre os “porquês?”, o Espiritismo
e vários Instrutores Espirituais têm muito a oferecer. No tópico da dor, por
exemplo, apresentam-nos uma visão bastante ampla. Precedendo em alguns anos a
extraordinária obra vertida para nossa Dimensão pelo Espírito conhecido como
André Luiz, o Orientador Espiritual de Chico Xavier, por seu intermédio
construiu o livro O CONSOLADOR
(feb). Organizando de forma muito didática as 411 respostas que dá à
equivalente número de perguntas, variando de temas focalizando a visão do
Espiritismo sobre Ciência, Filosofia e Religião, no tópico EVOLUÇÃO, tratando da dor, opina: “- Podemos classificar o
sofrimento humano do Espírito como a dor-realidade e o tormento físico, de
qualquer natureza, como a dor-ilusão. Em verdade, toda dor física colima o
despertar da alma para seus grandiosos deveres, seja como expressão expiatória,
como consequência dos abusos humanos, ou como advertência da natureza material
ao dono do organismo. Mas, toda dor física é um fenômeno, enquanto que a dor
moral é essência. Daí a razão porque a primeira vem e passa, ainda que se faça
acompanhar das transições de morte dos órgãos materiais, e só a DOR ESPIRITUAL é bastante grande e profunda para promover o luminoso trabalho do
aperfeiçoamento e da redenção”. Anos depois, o benfeitor Clarêncio,
explicaria ao recém-chegado André Luiz em NOSSO
LAR (feb): “-Dor, para nós, significa possibilidade de enriquecer a alma; a luta
constitui caminho para a divina realização”. Na convivência com a mãe
de Lísias, registra: “- Na Terra temos sempre a ilusão de que não há
dor maior que a nossa. Pura cegueira: há milhões de criaturas afrontando
situações verdadeiramente cruéis, comparadas às nossas experiências”.
Posteriormente, em MISSIONÁRIOS DA LUZ
(feb), acompanhando as apreciações dum Espírito apresentado como Irmão
Francisco, colhe interessante observação: “- No leito de morte, as criaturas
são mais humanas e mais dóceis. Dir-se-ia que a moléstia intransigente enfraquece
os instintos mais baixos, atenua as labaredas mais vivas das paixões
interiores, desanimaliza a alma, abrindo-lhe, em torno, interstícios abençoados
por onde penetra infinita luz. E a dor vai derrubando as pesadas muralhas da
indiferença, do egoísmo cristalizado e do amor-próprio excessivo. Então, é
possível o grande entendimento”. N’ OBREIROS
DA VIDA ETERNA (feb), o Instrutor Jerônimo, em certo diálogo com André
Luiz, observa que “a dor desenha a tela da lógica no fundo da consciência, com muito mais
nitidez que todos os compêndios do mundo”. Em ENTRE A TERRA E O CÉU (feb), Clarêncio, ouvido por André Luiz em NOSSO LAR (feb), considera “a dor
e a luta, a provação e o sofrimento, únicos elementos reparadores, suscetíveis
de produzir em nós o reajuste necessário, quando nos pomos em desacordo com a
Lei”, enquanto em LIBERTAÇÃO
(feb), a entidade de nome Matilde afirma
que “somos
diamantes brutos, revestidos pelo duro cascalho de nossas milenárias
imperfeiçoes, localizados pela magnanimidade do Senhor na ouriversaria da
Terra. A dor, o obstáculo e o conflito são bem-aventuradas ferramentas de
melhoria em nosso favor”. Mas, a mais reveladora das informações disponibilizadas
pela repórter André Luiz, reproduz comentário do Instrutor Druso na obra AÇÃO E REAÇÃO. Diz o seguinte: “-
A dor é ingrediente dos mais importantes na economia em expansão. O ferro sob o
malho, a semente na cova, o animal em sacrifício, tanto quanto a criança
chorando, irresponsável ou semiconsciente, para desenvolver os próprios órgãos,
sofrem a DOR-EVOLUÇÃO, que atua de fora para dentro, aprimorando o Ser, sem a
qual não existiria progresso (...). Há a DOR-EXPIAÇÃO, que vem de dentro para
fora, marcando a criatura no caminho dos séculos, detendo-a em complicados
labirintos de aflição, para regenerá-la, perante a Justiça (...). Como temos
ainda a DOR-AUXÍLIO, na qual, pela intercessão de amigos devotados à nossa
felicidade e vitória, recebemos a bênção de prolongadas e dolorosas
enfermidades no envoltório físico, seja para evitar-nos a queda no abismo da
criminalidade, seja, mais frequentemente, para o serviço preparatório da
desencarnação, a fim de que não sejamos colhidos por surpresas arrasadoras, na
transição da morte. O enfarte, a trombose, a hemiplegia, o câncer penosamente
suportado, a senilidade prematura e outras calamidades da
vida orgânica constituem, por vezes, DORES-AUXÍLIO, para que a alma se recupere
de certos enganos em que haja incorrido na existência do corpo denso,
habilitando-se, através de longas reflexões e benéficas disciplinas, para o
ingresso na Vida Espiritual”.
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