faça sua pesquisa

domingo, 23 de setembro de 2012

Quem Foi (6) - a primeira mensagem


“–Olha, você quer saber de uma coisa? Eu vou escrever o que puder, pois a sua cabeça não aguenta mesmo”. O irritado desabafo foi manifestado ao jovem Chico Xavier, próximo de completar 21 anos, pelo poeta Augusto dos Anjos que tentava ditar ao médium um poema, enquanto ele regava os canteiros de alho existentes nos fundos da venda do senhor José Felizardo, como fazia todos os dias, após as seis da tarde. Lembrava Chico ser um momento de grande prazer tal atividade, porque ele se isolava de todo serviço no modesto armazém, ficando plenamente à disposição dos Espíritos amigos, enquanto as mãos despejavam água na plantação. Augusto dos Anjos, registrado Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos, nasceu em Engenho do Pau D’ Arco, na Paraíba, em 20 de abril de 1884, desencarnando 30 anos depois de pneumonia, em 12 de novembro de 1914, na cidade de Leopoldina, Minas Gerais, onde era diretor de Colégio. Formado advogado em 1907, pela Faculdade de Direito do Recife, não exerceu a profissão, dedicando-se ao magistério na Paraíba, lecionando português, até que após uma briga com o Governador em exercício, mudou-se para o Rio de Janeiro, passando a residir na casa de uma irmã, que desconfiava de sua sanidade mental pelo fato de falar em voz alta enquanto compunha seus versos no quintal de sua anfitriã. A propósito, um amigo contava que Augusto compunha ‘de cabeça’, gesticulando e pronunciando os versos de forma excêntrica, só depois transcrevendo o poema para o papel. Chico, por sinal, em resposta no primeiro programa PINGA FOGO a que compareceu, disse que o Espírito Augusto dos Anjos lhe dissera que gostava de escrever no campo e que aquela era uma hora - o final de tarde já citado – em que ele queria ditar para que, ouvindo, pudesse compreender com mais facilidade na hora de escrever. Augusto casou-se em 1910, perdendo prematuramente o primeiro filho dessa união, em 1911. Poeta precoce já que aos sete anos tinha escrito seu primeiro trabalho, teve seu único livro publicado em 1912, sob o sugestivo título EU, não se perdendo outros trabalhos por iniciativa de um amigo que os reuniu na obra, OUTRAS POESIAS. Com estilo oscilando entre o simbolismo e o parnasianismo, é considerado pelo conhecido poeta Ferreira Gullar, como um expoente do pré-modernismo. Materialista, grande crítico do seu tempo, influenciou-se fortemente por pensadores céticos, como Spencer, Haeckel e Schopenhauer. Sua poesia chocou a muitos, por romper o modelo formal clássico, preocupando-se em utilizar um conteúdo que a subverte através de uma tensão que repudia e é atraída pela ciência. Ciência que marca fortemente seu trabalho, através de termos e conceitos científicos. As imagens de sua poesia se caracterizam pela teratologia exacerbada por imagens de dor, horror e morte. Trinta e um anos depois de sua morte e catorze depois do primeiro encontro com Chico citado há pouco, na noite de 17 de junho de 1945, o médium após atender as obrigações profissionais junto ao seu chefe envolvido numa exposição agropecuária em Leopoldina, foi visitar o Centro Espírita Amor ao Próximo, daquela cidade. Um dos presentes à reunião pública que congregava algumas dezenas de pessoas, meio que descrente, comentou que “se os Espíritos se comunicam conosco, seria interessante que o Augusto dos Anjos viesse contar, em versos, com foi seu enterro já que morrera naquela localidade”. E o poeta veio mesmo, psicografando através de Chico, que se postara concentrado junto à mesa de trabalho, a descrição, em versos, de suas primeiras impressões após a morte sob o título RECORDAÇÕES EM LEOPOLDINA, onde, em 15 estrofes, começa contando: “-À sombra amiga destes montes calmos,  /  Meu pobre coração de anacoreta,  /  Amortalhado em fina roupa preta    /   Desceu à escuridão dos sete palmos”. Pede, a certa altura: “-Oh! Que ninguém perturbe os meus destroços,  /  Nem arranque meu corpo à última furna,  /  É Leopoldina, a generosa urna,  /  Que, acolhedora, me resguarda os ossos”. Por fim, após tecer ilações curiosas em torno das suas observações e percepções da substancial mudança de forma de vida, Augusto dos Anjos termina dizendo: “- Bendita seja a Terra, augusta e forte,  /  Onde, através das vascas da agonia,  /  Encontrei a mim mesmo, em novo dia,  /  Pelas revelações de luz da morte”. Retornando ao canteiro de alho em que se deu o singular diálogo com que abrimos este comentário, rememorando o, até certo ponto cômico desfecho, Chico disse que a poesia intitula-se VOZES DE UMA SOMBRA – talvez, para contrastar com MONÓLOGO DE UMA SOMBRA, escrito quando ainda estava encarnado. Inserida no livro PARNASO DO ALÉM TÚMULO (feb), a poesia contém “só o que conseguiu filtrar por mim, mas era muito mais bonita. Falava de fótons, cores, de mundos, galáxias”. Admite: “-Quem era eu para entender aquilo, eu que estava regando canteiros de alho?”. Por ser extensa, composta de vinte estrofes de cinco versos, por limitações de espaço, a reproduziremos parcialmente demonstrando o porquê das dificuldades do moço de baixa escolaridade de um vilarejo inexpressivo. “-Donde venho? Das eras remotíssimas  /  Das substâncias elementaríssimas,  /  Emergindo das cósmicas matérias.  /  Venho dos invisíveis protozoários,  /  Da confusão dos seres embrionários,  /  Das células primevas, das bactérias.     /     Venho da fonte eterna das origens,  /  No turbilhão de todas as vertigens,  /  Em mil transmutações, fundas e enormes;  /  Do silêncio da mônada invisivel,  /  Do tetro e fundo abismo, negro e horrível,  /  Vitalizando corpos multiformes.     /     Sei que evolvi e sei que sou oriundo  /  Do trabalho telúrico do mundo,  /  Da Terra no vultoso e imenso abdômen;  /  Sofri, desde as intensas torpitudes  /  Das larvas microscópicas e rudes,  / À infinita desgraça de ser homem”. Mais adiante, diz: “-E vejo os meus incógnitos problemas  /  Iguais a horrendos e fatais dilemas,  /  Enigmas insolúveis e profundos;  /  Sombra egressa de lousa dura e fria,  /  Grito ao mundo o meu grito que se alia  /  A todos os anseios gemebundos:     /     “-Homem! Por mais que gastes teus fosfatos  /  Não saberás, analisando os fatos,  /  Inda que desintegres energias,  /  A razão do completo e do incompleto,  /  Como  é que em homem se transforma o feto  /  Entre os duzentos e setenta dias.     /     A flor de laranjeira, a asa do inseto,  /  Um estafermo e um Tales de Mileto,  /  Como existiram, não perceberás:  /  E nem compreenderás como se opera  /  A mutação do inverno em primavera,  /  E a transubstanciação da guerra em paz”. Finalizando, conclui: “-Os fenômenos todos geológicos,  /  Psíquicos, científicos, sociológicos,  /  Que inspiram pavor e inspiram medo;  /  Homem! Por mais que a ideia tua gastes,  /  Na solução de todos os contrastes, Não saberás o cósmico segredo.     /     E apesar da teoria mais abstrusa  /  Dessa ciência inicial, confusa,  /  A que se acolhem míseros ateus,  /  Caminharás lutando além da cova,  /  Para a Vida que eterna se renova,  /  Buscando as perfeições do Amor em Deus”.
                 

Nenhum comentário:

Postar um comentário