“-Chico permanecia silencioso e cabisbaixo,
sentado à grande mesa, dando a impressão de que aquelas palavras o incomodavam,
ferindo sua humildade e simplicidade de espírito. Comovido, fitava aquele moço
simpático, o jovem médium daquele PARNASO que eu tanto amava... Sentia, na
indigência dos meus raciocínios sinceros e na ebulição silenciosa de
sentimentos desconhecidos, que laços misteriosos e indefiníveis me uniam, em
espírito, ao coração daquele servidor do Cristo, daquele moço que eu tanto
valorizava e amava no meu mundo interior de quietude e de
distância...Permanecia perplexo(...) Submergia-me em pensamentos e emoções de
vibração desconhecida, quando foi feita a oração inicial. Em seguida, o moço de
Minas Gerais começou a escrever. Escrever celeremente. Páginas e mais páginas
se sucediam sob o lápis ligeiro... Tudo aquilo era para mim um quadro
absolutamente insólito. Inédito, maravilhoso, admirável. Ainda me recordo de
que ouvi, com os olhos molhados de lágrimas, como tantos outros que não puderam
dominar as emoções daquela noite memorável, o magnífico soneto que o grande
poeta português João de Deus ofertou aos nossos corações através do lápis
prodigioso de Chico Xavier(...). Terminada a leitura de outra mensagem recebida
– de Emmanuel -, o presidente da abençoada sessão transmite carinhosas palavras
de agradecimento de Chico aos presentes e o confrade Luiz Barreto encerra, com
uma sentida oração, a noite memorável. Muitos se aproximam, então, da grande
mesa do Templo de Ismael. Todos queriam cumprimentar o moço – Chico estava com
25 anos -, de Pedro Leopoldo, que no dia seguinte retornaria ao lar humilde, na
terra mineira. Formaram-se filas dos que queriam despedir-se do jovem
médium(...). Chegou minha vez. Estendi-lhe a mão. Abracei-o, comovido, demorando-me
um instante a contemplar seus olhos tranquilos e luminosos. Recordo-me muito
bem de que não pude articular uma palavra sequer. Só havia júbilo e gratidão
dentro de minha alma, mas meus lábios não se abriram... Tinha os olhos
úmidos...O coração se me estremecia dentro do peito”. Assim, o então
jovem estudante de direito Clóvis Tavares, descreve no livro TRINTA ANOS COM CHICO XAVIER (ide), o
inesperado primeiro encontro com o velho amigo de outras Eras, na memorável
noite de 12 de junho de 1936, nas dependências do recinto dedicado às palestras
públicas na sede da Federação Espírita Brasileira, no Rio de Janeiro, então
capital da República. Aos 20 anos, Clóvis concluía seu curso jurídico e ainda
se recuperando da perda de sua noiva Nina Arueira, confortado pelas leituras do
PARNASO DE ALÉM TUMULO, habituara-se
a assistir à palestra das sextas-feiras na Federação. “-Quem calculasse uma
assistência de mil pessoas não teria errado”, recorda. Desde então, a amizade
se estreitou, com Clóvis visitando Chico, sempre que as atividades no magistério
como Professor de História e Direito Internacional Público permitiam, em Pedro Leopoldo, mantendo com o amigo regular troca de correspondências.
Clóvis fundou em 1935, em Campos (RJ), a Escola
Jesus Cristo – Instituição Espírita de Cultura e Caridade,
responsabilizando-se pela direção doutrinária da entidade. Colaborou com vários
periódicos espíritas, deixando na literatura importantes obras como VIDA DE ALLAN KARDEC PARA CRIANÇAS, AMOR E SABEDORIA DE EMMANUEL,
MEDIUNIDADE DOS SANTOS, além da citada acima, de onde destacamos parte de
seu depoimento. Clóvis teve vivencias marcantes com Chico, especialmente as
envolvendo seu primeiro filho Carlos Vitor, o Carlinhos, desencarnado em
fevereiro de 1973, aos 17 anos, tendo vivido a maior parte de sua vida na condição de tetraplégico,
desde que sofreu um acidente ao cair do carrinho de bebe. Cinco meses depois,
nas habituais visitas de julho, por ocasião das férias escolares, Carlinhos dá sua
primeira mensagem aos pais, em forma de versos com que exalta a importância da
família que o recebeu para sua curta existência recente em nossa dimensão.
Sessenta e cinco anos depois de ter reencarnado, vitimado por uma parada cardíaca,
em meio aos preparativos para um raio x, após um mal súbito, Clóvis desencarna
deixando para trás invejável folha de serviços prestados à causa da caridade
moral e material aos seus irmãos em Humanidade. Sete meses transcorridos, em
reunião na residência do amigo de tantas emoções, Clóvis psicografa por Chico a
primeira de suas mensagens aos familiares presentes. Extensa, dela destacaremos
alguns trechos evidenciando a continuidade da vida e detalhes de interesse
geral: “-Querida Hilda, o Senhor nos inspire e abençoe! É uma experiência nova.
Falar de uma vida para outra. Desejo esvaziar o coração, exteriorizando as
saudades que me povoam a alma convalescente, mas as expressões me fogem da lembrança.
Quero retomar a memória; no entanto, sinto-me na condição do cego devolvido à
luz, ainda hesitando entre a sombra e a claridade. Perdoem-me se falo assim,
mas não posso manifestar-me de outro modo. Rearticulo as estruturas de minhas
reminiscências do passado ainda presente, no hoje ligado ao ontem, e noto as
diferenças que se operam adentro de mim. Torno a ver você pálida e espantada, a
receber-me em seu colo, para que a minha cabeça repousasse. Refletia a
consternação do ambiente e procurei em seus olhos e nos olhos do Flavinho algum
esclarecimento que me habilitasse a compreensão para a realidade. Não
esperávamos que uma radiografia considerada simples pudesse estar próxima da
parada que me fibrilou o coração. Buscava em você e no Flávio algo que me
falasse ao coração, conquanto em silêncio, mas o corpo se via na condição de
máquina cujo motor esmorecera. Compreendi, na oração muda que consegui
formular, que o tempo me demitia da sua própria movimentação, entregando-me ao
tempo de outro nível(...). Meu sono foi rápido. Quando me vi em outro recinto,
notei que um rapaz me sustentava a cabeça, qual se lhe imitasse o carinho.
Quando reconheci que me achava nos braços forte de nosso Carlinhos, agora um
homem vigoroso, senti que reencontrara não o nosso filho que aprendemos a amar
tanto, e sim o aconchego da dedicação de um pai que houvesse retirado de sua
ternura de companheira para encaminhar-me com segurança. O pranto me sufocou a
garganta e não pude senão dizer: -Ah! Meu filho! Ele me colou mais
intensivamente ao peito viril, na ideia manifesta de fortalecer-me para a vida
nova e observei que em nossa Escola querida encontráramos um novo berço de paz
e amor(...). Querida Hildinha, sofro a nossa separação temporária, mas peço-lhe
coragem e fé imbatível na Divina Misericórdia. Saudades tê-las-emos sempre. Aí
chorava pelos que me precederam e aqui me aflijo pelos que ficaram. Creio que a
saudade é o metro do amor, determinando os valores da evolução, já assimilados
na vida de cada um de nós, e só pelo trabalho com a oração, venceremos”.
A mensagem repleta de outros detalhes merecedores de nossa reflexão, foi
preservada no livro CARAVANA DO AMOR
(ide).
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