“- Conheci pessoalmente Dona Maria
Lacerda de Moura, em 1937. Nesse tempo ela estudava com grande interesse os
fenômenos mediúnicos, num grupo consagrado a diversos instrutores do mundo
indiano. As reuniões obedeciam às instruções deles e apresentavam resultados
admiráveis do ponto de vista medianímico. Ela convidou-nos, ao Dr. Rômulo
Joviano que era então meu chefe no serviço, e a mim, para assistirmos a algumas
reuniões. Com a permissão de Emmanuel, compareci, por algumas vezes, às tarefas
do grupo mencionado e pude ver, através da clarividência, as entidades que
operavam, todas elas dignas do maior respeito, pelo sentido altamente religioso
que davam às próprias manifestações”. O depoimento pertence à Chico Xavier no livro NO MUNDO DE CHICO XAVIER (ide).Recordando um desses momentos
inesquecíveis, o Dr Rômulo contou ao amigo Clóvis Tavares que “assistindo
em Barbacena (MG), a uma dessas reuniões de estudos
orientalistas, após Maria Lacerda ter escrito no quadro-negro algumas palavras
em português, possivelmente um “mantra”, para meditação dos presentes, Chico
recebe, através da psicofonia sonambúlica, uma mensagem em idioma hindu,
havendo a entidade comunicante, conduzido o médium até o mesmo quadro-negro,
traçando diversas expressões ininteligíveis para os presentes, posteriormente
reconhecidas como mantras grafados em caracteres sânscritos”. Segundo
seus biógrafos, “Maria Lacerda de Moura é considerada
uma das pioneiras do feminismo em Brasil, e certamente foi uma das poucas que
observaram a condição feminina dentro da perspectiva da luta de classes. Anticlerical, escreveu numerosos artigos e livros criticando tenazmente a moral
sexual burguesa, denunciando a opressão exercida sobre todas
mulheres, e em especial as das camadas mais pobres. Entre os temas eleitos pela
escritora, nós encontramos a educação sexual dos jovens, a virgindade, o amor
livre, o direito ao prazer sexual, o divórcio, a maternidade consciente e a prostituição, assuntos considerados tabu naquela época.
Seus artigos foram publicados na imprensa brasileira, uruguaia, argentina e
espanhola. A autora fundou também a revista Renascença, cujo foco foi a
formação intelectual e moral das mulheres. Em seu livro "Religião do amor
e da beleza", Maria Lacerda de Moura defende o amor livre. Para ela, o amor só seria livre quando as mulheres não fossem mais
compelidas aos braços dos homens por estarem submetidas a constrangimentos
financeiros (seja pelo casamento, pela prostituição ou pela "escravidão do
salário"), nem
estivesse atada a preconceitos religiosos de qualquer natureza”. Formou-se na Escola
Normal de Barbacena, trabalhou como educadora, adotando a pedagogia de Francisco Ferrer e lecionando em Escolas Modernas. Em 1920,
no Rio de Janeiro, fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da
Mulher, que combateria a favor do sufrágio
feminino.
Após mudar-se para São Paulo em 1921,
se tornou ativa colaboradora da imprensa operária, publicando em jornais como A Plebe e O
Combate.
Em 1923,
desagradou outros anarquistas por se referir positivamente às reformas
educacionais promovidas pelos bolcheviques na URSS,
mesmo após a perseguição política que os anarquistas russos sofreram durante e
após a Revolução
Russa de 1917 ter se tornado pública. Entretanto, também
recusou convites para ingressar no recém-formado Partido
Comunista Brasileiro.
Entre 1928 e 1937,
viveu numa comunidade agrícola autogestionária em Guararema, formada principalmente por anarquistas e
desertores espanhóis, franceses e italianos da Primeira
Guerra Mundial, "livre
de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de
muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais".
A repressão política durante o governo de Getúlio Vargas forçou a comunidade a se desfazer,
levando-a a fugir para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na Rádio
Mayrink Veiga lendo horóscopos. Fez parte da maçonaria e da Rosa Cruz, mas se distanciou desta publicamente,
após saber que sua sede em Berlim havia sido cedida aos nazistas,
e desautorizou seu filho adotivo a reconhecê-la, após este ter se associado aos integralistas. Sua última conferência (O Silêncio) foi
realizada no Centro Rosa Cruz, ao qual voltou a se ligar ao final de sua vida.
Deixou dezesseis livros publicados, desencarnando em 1945. Concluindo seu depoimento, Chico Xavier
recorda que ela declarou-lhe estar convencida, quanto à sobrevivência da alma
depois da morte. E, por várias vezes, disse que se partisse para o Mundo
Espiritual, antes dele, viria se pudesse, ao seu encontro para escrever o que
lhe fosse possível. Desencarnada em 1945, voltou a vê-lo em Espírito e grafou,
por suas mãos a mensagem que consta do livro FALANDO À TERRA (feb,1951). Indagado se ela teria conversado com
ele assuntos que não constam da mensagem, disse: “-Dona Maria que teve uma fase de
livros combativos, em sua existência de escritora e mentora da mocidade, me
disse que o azedume não constrói e que eu pedisse à Providência Divina para que
inteligências desencarnadas com a vocação da censura violenta, não viessem
escrever por meu intermédio criando problemas
na seara de amor que o Espiritismo Cristão nos oferece”. Na belíssima carta por ela escrita, Maria
Lacerda de Moura revela ter revisto sua própria postura no que se refere à
forma como abordou e tratou os temas com que se envolveu na sua condição de
líder e formadora de opinião. Por ser extensa, destacamos alguns pontos: “- A
morte não é o milagroso Pais do Sonho...É novo passo na jornada do Grande
Ideal. E, da eminência do monte a que somos conduzidos pela Verdade,
contemplamos o apagado Lilliput em que os homens se agitam. Desenrola-se o
panorama terrestre aos nossos olhos, mas não é a sátira ou o desprezo que provoca:
é a piedade com o remorsos dilacerante de não haver compreendido os pigmeus do
orgulho e da vaidade, enquanto nos hospedamos em seu reino prodigioso de
paixões e de brinquedos. Quando passei do proscênio aos bastidores, e pude
repetir a mim mesma as palavras “está representada a peça”, fino estilete de
amargura se me cravou no coração. Desapontara a plateia sem ajuda-la.
Frisara-lhe em cores vivas o destempero, a maldade e a ignorância e a
ferroteara com o aguilhão candente da crítica exacerbada. Ante a grotesca
figura dos heróis de mentira, dei asas livres à revolta e perdi a oportunidade
de serviço construtivo, zurzindo os pavões e as gralhas, os abutres e os
chacais, que comigo representavam, fantasiados em autêntica pele humana. Ah! Se
eu fosse um palhaço ou um bufão! – pensei. O riso, porém, dificilmente me
aflorava à face. Confrangeu-me, desde muito cedo, a tragédia da alma no
purgatório humano, pus-me a indagar de mim mesma a causa de tanta desgraça, e
ante essa realidade terrena o pessimismo ressecou-me a fonte de alegria(...).
Usando as fortes lentes da investigação, tateei as chagas do organismo social,
assombrando-me o espetáculo da miséria de todos os tempos....Descobri a
imoralidade, a depravação, a baixeza, a libertinagem, o despudor, o vício sob
todas as formas; entretanto, à maneira de Freud, que fez a diagnose espiritual
da Humanidade, catalogando-lhe os complexos enervantes e sombrios, sem contudo,
lhe oferecer remédio providencial, igualmente indiquei o pântano e o
espinheiro, sem traçar, por mim mesma, sólidas diretrizes para a sua extinção”.
Nossa irmã, como talvez aconteça com muitos de nós, enquadrou-se na profunda
frase com que Chico Xavier adornou a soleira de uma das portas internas da sua
modesta casa: “Muito tarde é que se vê que não
se amou o bastante”.
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