As questões de ordem mental não estavam entre as prioridades
da Medicina em meados do século 19. Os portadores de distúrbios nesta área eram, por sinal, tratados de forma desumana. N’ O LIVRO
DOS ESPÍRITOS, questões 371 a 374, Allan Kardec argui a Espiritualidade
sobre o assunto, obtendo informações interessantes a respeito da chamada idiotia,
hoje classificada pela Psiquiatria como tríade oligofrênica que é
caracterizada pelo menor grau de desenvolvimento intelectual, sendo incapaz de
articular palavras; assimilar noções de higiene ou mesmo desenvolver pudor. O
século 20 abriu campo para evoluções no conhecimento e tratamento dos
portadores do chamado - durante bom tempo - excepcional, substituído hoje, pelo termo especial. Mas, por traz do corpo limitado por várias
restrições, nem sempre somente mentais, como se encontra o Espírito dele
prisioneiro? Está inconsciente? Na REVISTA ESPÍRITA de junho
de 1860, seu editor Allan Kardec incluiu interessante material em torno de uma
abordagem havida na reunião da Sociedade Espírita de Paris, de 25 de maio passado. Como campo de estudo, Charles de Saint-G..., um jovem idiota de treze anos, encarnado, e cujas faculdades intelectuais eram tais que nem
conhecia os pais e apenas podia alimentar-se. Havia nele uma parada completa do
desenvolvimento em todo o sistema orgânico. Pensou-se que poderia ser assunto
interessante de estudo psicológico. Consultado, o Espírito São Luiz,
responsável pelas atividades da Sociedade
Espírita de Paris, respondeu afirmativamente, explicando que isso “poderia
ser feito a qualquer momento, pelo fato de sua alma se ligar ao corpo por laços
materiais, mas não espirituais, podendo sempre desprender-se”.
Cumpridos os procedimentos habituais, o comunicante começou sua
manifestação dizendo ser “um pobre Espírito ligado a Terra, como uma
ave por um pé”. Indagado se tinha consciência de sua nulidade no mundo,
responde: -“Certamente:
sinto bem meu cativeiro”. Perguntado se quando seu corpo dormia
e seu Espírito se desprendia, tinha ideias tão lúcidas quanto se estivesse em
estado normal, informou que “estava um pouco mais livre para se elevar ao
Céu a que aspirava”. Questionado se como Espírito experimentava um
sentimento penoso quanto ao seu estado corporal, respondeu que sim, “por se tratar de uma punição”.
Quanto a se lembrar de sua existência anterior, disse que “sim, por ser ela a causa de seu exílio atual”. Revelou na
entrevista conduzida por Allan Kardec que a encarnação onde se desencadeou sua desventura na
presente existência, ocorreu ao tempo em que reinava Henrique III;
que a forma como se processava seu reajuste não resultara de uma decisão sua,
mas uma imposição como forma de punição; que embora parecesse nula pelas
limitações em que vivia, tal existência perante as Leis de Deus tem sua
utilidade; que não viveria muitos anos mais; que da existência em que gerou a desarmonia atual trezentos anos antes até
a reencarnação recém-terminada, permaneceu no Plano Espiritual. Sobre se no
estado de vigília tinha consciência do que se passava ao seu redor, a despeito
da imperfeição dos órgãos de seu corpo físico, disse: -“Vejo, entendo, mas o corpo não compreende nem vê”.
Se algo de útil poderia ser-lhe feito, afirmou que “nada”. Finalizando a
entrevista, Kardec procurou ouvir de São Luiz se as preces poderiam ter a mesma
eficácia que por um Espírito errante, que explicou: -“As preces são sempre boas e agradáveis a Deus. Na
posição deste pobre Espírito, elas não lhe podem servir; servirão mais tarde”. Comentando a
experiência daquela reunião, Kardec acrescentou: -“Ninguém desconhecerá o alto
ensinamento moral que decorre desta evocação. Além disso, ela confirma o que
sempre foi dito sobre os idiotas. Sua nulidade moral não significa nulidade do Espírito, que, abstração
feita dos órgãos, goza de todas as faculdades. A imperfeição dos órgãos é apenas
um obstáculo à livre manifestação das faculdades; não as aniquila. É o caso de
um homem vigoroso, cujos membros fossem comprimidos por laços. Sabe-se que, em
certas regiões, longe de serem objeto de desprezo, os cretinos são cercados de
cuidados benevolentes. Este sentimento não brotaria de uma intuição do
verdadeiro estado desses infelizes, tanto mais dignos de atenções quanto seu
Espírito, que compreende sua posição, deve sofrer por se ver como um refugo da
sociedade?”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário