-“Nasci na Terra para cumprir determinada tarefa no socorro aos
doentes, sob o signo da solidão individual, para que mais eficiente se tornasse
meu concurso a benefício dos outros, porém, em chegando aos trinta de idade, e
vendo-me pobre e sozinho, apesar dos múltiplos trabalhos de enfermagem que me
angariavam larga soma de afetos, entreguei-me, acovardado, ao desespero e, com
um tiro no coração, aniquilei meu corpo”. Assim começa seu depoimento, o
enfermeiro Luís Alves, ex- profissional de um Hospital de Belo Horizonte
(MG), Espírito que se serviu da mediunidade psicofônica de Chico Xavier, em manifestação gravada na noite de primeiro de
dezembro de 1955. Embora mais coerente na abordagem sobre o suicídio, o
Espiritismo o considera transgressão grave em relação às Leis
a que estamos submetidos na nossa caminhada evolutiva. O desgosto pela vida, se resolveria pela
consagração ao trabalho, orienta a questão 944 d’ O LIVRO DOS ESPÍRITOS. As
misérias e decepções da vida se explicam pelo conhecimento das
provas e expiações, acrescentam eles. A vergonha por faltas cometidas, o
suicídio não apaga. Enfim, catorze situações são analisadas por Allan
Kardec, no primeiro capítulo do livro quatro - ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES – do principal livro da Codificação. E Luís
Alves no seu testemunho, confirma tudo isso no seu surpreendente
testemunho. Embora se saiba que cada um, após a morte, terá sua própria forma
despertar além dessa vida, interessante e importante o conhecimento do seu
relato. Após o disparo fatal, lembra ele, “começou a minha odisseia singular, porque
me reconheci muito mais vivo do que antes, continuando ligado à minha carcaça
inerte. Não dispunha de parentes ou de amigos que me solicitassem os despojos.
Entregue a uma escola de Medicina, chumbado ao meu corpo, passei a servir em
demonstrações anatômicas. Completamente anestesiado, ignorava as dores físicas,
não obstante cortado de mil modos; contudo, se tentava afastar-me da múmia que
passara a ser minha sombra, o terrível sofrimentos a expressar-se por
inigualável angústia, me constringia o peito, compelindo-me a voltar. Dezenas
de médicos jovens estudavam em minhas vísceras os problemas operatórios que
lhes inquietavam a mente indecisa, alegando que meus tecidos cadavéricos eram
sempre mais vivos e consistentes, mal sabendo que a minha presença constante
lhes mantinha a coesão. Ninguém na Terra, enquanto no corpo denso, pode
calcular o martírio de um Espírito desencarnado, indefinidamente jungido aos
próprios restos. Minha aflição parecia não ter fim. Chorava, gritava,
reclamava...mas, por respostas da vida, era objeto diário da atenção dos
estudantes de cirurgia, que procuravam em mim o auxílio indireto para a solução
de enigmas profissionais, a favor de numerosos doentes. Ouvia a meu respeito
interessantes observações que variavam do carinho ao sarcasmo e do ridículo à
compaixão. Muitos me fitavam com piedoso olhar, mas muitos outros me sacudiam
de vergonha e de sofrimento, através dos pensamentos e das palavras com que me
feriam e ofendiam a dolorosa nudez. Com o transcurso do tempo, desgastou-se-me a
vestimenta de carne nas atividades de cobaia, mas, ainda assim, professores e
médicos afeiçoaram-se-me ao esqueleto, que diziam original e bem posto, e
prossegui em meu cárcere oculto. Habitualmente assediado por aprendizes e
estudiosos diversos, suportava, além disso, constante visitação de almas
desencarnadas, viciosas e vagabundas, que me atiravam em rosto gargalhadas
estridentes e frases vis. Vinte e seis anos decorreram sobre meu inominável
infortúnio, quando, certo dia, a desfazer-me em pranto, recordei velho amigo –
o nosso Mitter. Bastou isso e ele me apareceu eufórico e juvenil, como nos
tempos da mocidade primeira. Compadecido, ouviu-me a horrenda história e,
aplicando as mãos sobre mim, conseguiu libertar-me dos ossos (...). Respirei
aliviado”. Seguindo, revela ter sido levado ao local onde recebeu os
primeiros socorros espirituais, ponderou que “tão triste quão bizarra, sua
história provoca impressões diversas, desde a agonia ao riso franco, fazendo
dele um sofredor e um truão. Muitas almas aparecem no berço, a fim de lutar. E
muitas se escondem no sepulcro, para aprender”.
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