Em artigo com que abre a
REVISTA ESPÍRITA de
fevereiro de 1863, Allan
Kardec oferece excelentes elementos para nos orientar diante de uma prática
polêmica para muitos praticantes da mediunidade:
a evocação de Espíritos. Parte de um fato relatado pelo médico Dr.
Chaigneau
correspondente da
Sociedade Espírita de
Paris, ligado à instituição congênere do interior da França. Conta sobre
“uma
família que fazia
evocações com um ardor desenfreado, arrastada por um Espírito que se
mostrou muito perigoso. Era um de seus parentes, morto depois de uma vida
desregrada, terminada por vários anos de alienação mental. Sob nome suposto,
por surpreendentes provas mecânicas, belas promessas e conselhos de uma
moralidade sem reservas. Tinha conseguido de tal modo fascinar aquela gente
muito crédula, que submetia todos às suas exigências e os obrigava aos atos
mais excêntricos. Não podendo mais satisfazer todos os seus desejos, pediram
nosso conselho e tivemos muito trabalho para os dissuadir e lhes provar que
tratavam com um Espírito da pior espécie. Conseguimo-lo, entretanto, e pudemos
obter que, ao menos por algum tempo se abstivessem. Desde então a obsessão
tomou outro caráter: o Espírito se apoderava completamente do filho mais moço, de
quatorze anos, o reduzia ao estado de catalepsia e, por sua boca, solicitava
entretenimentos, dava ordens, fazia ameaças. Aconselhamos o mais completo
mutismo, que foi observado rigorosamente. Os pais entregaram-se às preces e
vinham procurar um de nós para os assistir(...) Praticamente, hoje, tudo
cessou. Esperamos que na casa a ordem dê lugar à desordem. Longe de se
desgostarem do Espiritismo, creem mais do que nunca, mas creem mais seriamente.
Agora compreendem seu fim e as consequências morais; todos compreendem que
receberam uma lição; alguns uma punição, talvez merecida”. Comenta
Kardec:-“
Este exemplo prova, mais uma vez, o inconveniente de nos entregarmos às
evocações sem conhecimento de causa e sem objetivo sério. Graças aos conselhos
da experiência, que aquelas pessoas escutaram, puderam desembaraçar-se de um
inimigo, talvez terrível. Ressalta outro ensinamento não menos importante. Aos
olhos dos desconhecedores do Espiritismo, o rapaz teria passado por um louco;
não deixariam de lhe dar o tratamento correspondente e talvez desenvolvendo uma
loucura real. Com a assistência de um médico espírita, o mal foi atacado em sua
verdadeira causa e não teve consequências.
Já o mesmo não se deu no fato
seguinte. Um senhor de nosso conhecimento, residente numa cidade provinciana
muito hostil às ideias espíritas, de súbito foi tomado de uma espécie de
delírio, no qual dizia coisas absurdas. Como se ocupasse de Espiritismo,
naturalmente falava de Espíritos. Sem aprofundar as coisas, e alarmados, os que
o cercavam trataram de chamar médicos, que o declararam atacado de loucura, com
muita satisfação dos inimigos do Espiritismo., e já falavam em interna-lo numa
casa de saúde. Tudo quanto coligimos em relação àquele senhor prova que ele se
achou, de repente, sob o império de uma subjugação momentânea, talvez
favorecida por certas condições físicas. Foi a ideia que ele teve. Escreveu-nos
e nós lhe respondemos. Infelizmente nossa carta não lhe chegou a tempo e dela
só teve conhecimento muito mais tarde”. Lamentando o ocorrido, o
destinatário, relatou o fato a Kardec, dizendo do quanto teria sido importante
receber suas palavras que confirmaria suas suspeitas de
“estar sendo joguete de uma
obsessão, tranquilizando-o, pois de tanto ouvir que estava louco, acabou
acreditando, ideia que o torturava a ponto que se o fato tivesse continuado não
sabe o que teria acontecido”. Acrescenta
Kardec: -“
Consultado a respeito, um Espírito respondeu: -‘
Esse
senhor não é louco; mas a maneira por que o tratam poderá torna-lo louco. Mais
ainda: poderiam mata-lo. O remédio para o seu mal está no próprio Espiritismo,
e o consideram erroneamente’. Perguntado se seria possível, à
distância, agir sobre ele, afirmou que
“sem dúvida, sim; mas sua ação é paralisada pela
má vontade dos que o cercam”. Conclui Kardec dizendo que
“casos
análogos ocorreram em todas as épocas; e muitos foram presos como loucos, sem o
serem. Só um observador experimentado nestes assuntos os pode apreciar. E como
hoje se encontram muitos médicos espíritas, em casos semelhantes convém a estes
recorrer. Um dia a obsessão será colocada entre as causas patológicas, como o é
hoje a ação de animais microscópicos, de cuja existência não se suspeitava
antes da invenção do microscópio. Mas então reconhecer-se-á que nem as duchas
nem as sangrias poderão curá-la. O médico que não admite nem busca senão causas
puramente materiais é tão impróprio a compreender e tratar tais afecções,
quanto um cego o é para distinguir cores”.
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