O
médium Chico Xavier comentou com amigos que “no Mundo
Espiritual, muita gente vai se surpreender. Lá não seremos identificados pela
importância, ou melhor, pela nossa suposta importância no mundo. Os Espíritos
nem ligam para a gente: estão ocupados, cuidando da sua própria evolução” e, em outra
ocasião que “gente há que desencarna imaginando que as portas do Mundo
Espiritual irão se lhes escancarar. Ledo engano!. Ninguém quer saber o que
fomos, o que possuíamos, que cargo ocupávamos no mundo. O que conta é a luz que
cada um já tenha conseguido fazer brilhar em si mesmo. Esse negócio de ter sido
“fulano de tal” interessa à consciência de quem foi e, na maioria das vezes, se
complicou. Os Espíritos são indiferentes
a essa coisas, quase frios aos rótulos que supervalorizamos e ao
convencionalismo – coisas que nos fazem supor o que não somos”. A
história que contaremos a seguir exemplifica bem isso. Revelou-se através dele
mesmo, em depoimento do próprio protagonista. Identificado apenas pelas
iniciais A.C., inicia sua narrativa numa reflexão/desabafo
dizendo: -“Espiritismo... Sou espírita... Fora da caridade não há
salvação... Maravilhosas palavras! Contudo, quase sempre chegamos a aperceber-lhes
o divino significado depois da morte, com o desapontamento de uma pessoa que
perdeu o trem para uma viagem importante, guardando, inutilmente, o bilhete na
mão”. Construindo um auto
retrato lembra: -“Utilizei-me de um corpo físico durante cinquenta e
cinco anos, na derradeira romagem física. Era casado, residia no Rio de
Janeiro, mantinha a esposa e duas filhas, desempenhando a função de operoso
corretor de imóveis. E era espírita à maneira de tantos... Nunca me interessei
por qualquer meditação evangélica. Não cheguei a conhecer patavina da obra de
Allan Kardec. Entretanto, intitulava-me espírita... Frequentava sessões.
Aplaudia conferencistas. Acompanhava as orações dos encarnados e as preleções
dos desencarnados, com a cabeça pendida em reverência. Todavia, encerrados os
serviços espirituais, tinha sempre afeiçoados no recinto, a quem oferecer
terras e casas, a quem vender as terras.... E o tempo foi passando. Cuidava
devotadamente do meu conforto doméstico. Meu rico dinheiro era muito bem
empregado. Casa bem posta, mesa farta, tudo de bom e do melhor.... Às vezes, um
companheiro mais persistente na fé convidava-me a atenção para o culto do
Evangelho no lar. Mas eu queria lá saber disso?... A meu ver, isso daria imenso
trabalho. Minha mulher dedicava-se a vida que lhe era própria. Minhas filhas
deveriam crescer tão livremente como desejassem, e qualquer reunião de ordem
moral, em minha casa, era indiscutivelmente um tropeço ao meu bem-estar. E o
tempo foi passando... Fui detentor de uma bronquite que me recebia a melhor
enfermagem. Era o dodói de meus dias. Se chamado a qualquer atividade de
beneficência, era ela o meu grande escolho. No verão, estimava a sombra e a
água fresca. No inverno, preferia o colchão de molas e o cobertor macio. E o
tempo foi passando.. Sessões semanais bem frequentadas... Orações bem
ouvidas... Negócios bem feitos... Aos cinquenta e cinco anos, porém, um edema
do pulmão arrebatou-me o corpo. Francamente, a surpresa foi grande. Apavorado,
compreendi que não merecia o interesse de quem quer que fosse, a não ser das entidades
galhofeiras que me solicitaram a presença em atividades criminosas que não
condiziam com a minha vocação. Entre o Centro Espírita e o lar, minha mente
conturbada passou a viver uma experiência demasiado estranha. Em casa, outros
assuntos não surgiam a meu respeito que não fossem o inventário para a
indispensável partilha dos bens. E, no Centro, as entidades elevadas e amigas
surgiam tão intensivamente ocupadas aos meus olhos que de todo não me era
possível qualquer interferência, nem mesmo para insignificante petitório. Para
ser verdadeiro, não havia cultivado a oração com sentimento e, por isso mesmo,
passei a ser uma espécie de estrangeiro em mim próprio, ilhado no meu grande
egoísmo”. O testemunho de A.C., incluído no livro VOZES
DO GRANDE ALÉM feb,1957), prossegue expondo como o “seu lar
transformou-se num refúgio e, ao mesmo tempo, num local de suplício, visto que
nos desdobramentos naturais do sono da esposa, suas tentativas de contato
resultara em reações descontroladas dela, e, quanto às, além de não registrarem
sua presença, nem em pensamento, se encontravam profundamente engolfadas na
ideia da herança”. Termina
sua dolorosa e simples experiência, com ele reafirmando “o imperativo
de sermos espíritas pelo coração e pela alma, pela vida e pelo entendimento,
pela teoria e pela prática, porque em verdade, como espíritas, à luz do
Espiritismo Cristão, podemos e devemos fazer muito na construção do sublime Bem”.
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