No número de março
de 1858 da REVISTA ESPÍRITA,
Allan
Kardec inclui interessante matéria elaborada a partir da carta de um
correspondente sobrevivente a naufrágio de que foi vitima ao ser surpreendido com mais
sete tripulantes por temporal que, durante a noite, virou o barco em que
navegavam causando a morte de quatro deles, enquanto ele e mais três se
salvaram mantendo-se sobre a quilha da embarcação até o raiar do dia. O vento
empurrou então o barco para a costa, possibilitando ganhar a terra a nado.
Indaga porque, nesse perigo, igual para todos, apenas quatro sucumbiram,
destacando que, no caso dele, era a sexta ou sétima vez que escapava de risco
iminente, mais ou menos nas mesmas condições? Kardec explica ter
formulado oito perguntas a São Luiz, o dirigente
espiritual das reuniões da Sociedade
Espírita de Paris, esclarecendo em breve nota complementar ater-se apenas à
fatalidade
dos acontecimentos materiais, visto a fatalidade moral ter sido
tratada de maneira completa n’ O LIVRO
DOS ESPÍRITOS. Vamos às perguntas e respectivas respostas: 1- Um perigo iminente que
ameaça alguém é dirigido por um Espírito e a não consumação do mesmo
dever-se-ia à ação de outro? Quando um Espírito se encarna, escolhe uma
prova; escolhendo-a, cria-se uma espécie de destino que não pode evitar, desde
que se submeteu. Falo das provas físicas. Conservando seu livre arbítrio
sobre o Bem e o mal, o Espírito é sempre livre de suportar ou repelir a prova.
Vendo-o fraquejar, um bom Espírito pode vir em seu auxílio, mas não pode
influir sobre ele de modo a dominar sua vontade. Um Espírito mau, isto é,
inferior, mostrando-lhe e exagerando o perigo físico, pode abalá-lo e
apavorá-lo, mas nem por isso a vontade do Espírito encarnado fica menos livre
de qualquer entrave. 2- Na iminência de um acidente, o livre arbítrio
parece nada valer para a potencial vítima. Poderia ter sido causado ou evitado
por um Espírito? Os bons ou maus Espírito não podem
sugerir senão pensamentos bons ou maus, conforme sua natureza. O acidente
está marcado no destino do homem. Quando tua vida é posta em perigo, é sinal
que tu mesmo o desejaste, a fim de te desviares do mal e te tornares melhor.
Quando escapas ao perigo, ainda sobre a influência do perigo que correste,
pensas mais ou menos fortemente, conforme a ação, mais ou menos forte, dos bons
Espíritos, em te tornares melhor. 3- A fatalidade que parece presidir aos destinos
materiais da vida, ainda seria, então, um efeito de nosso livre arbítrio? Tu
mesmo escolheste a tua prova; quanto mais rude for e melhor a suportares, tanto
mais te elevas. Os que passam a vida na abundância e na felicidade humana são
Espíritos fracos, que ficam estacionários. Assim, o número dos infortunados
ultrapassa de muito o dos felizes deste mundo, de vez que em geral os Espíritos
escolhem a prova que lhes dê mais frutos. Eles veem muito bem a futilidade de
grandezas e prazeres. Aliás, a vida mais feliz é sempre agitada, sempre
perturbada, mesmo quando não o seja por meio da dor. 4- Ainda não ficou claro
se certos Espíritos tem ação direta sobre a causa material do acidente.
Suponhamos que no momento em que um homem passa por uma ponte, esta desmorona.
Quem levou o homem a passar por ela? Quando
um homem passa por uma ponte que deve cair não é um Espírito que o impele, é o
instinto de seu destino que o leva para ela. 5- Quem fez a ponte
desmoronar? As circunstâncias naturais. A matéria tem em si as causas da
destruição. No caso vertente, se o Espírito tiver necessidade de recorrer a um
elemento estranho à sua natureza para mover as forças materiais, recorrerá
antes à intuição espiritual. (...). O Espírito, digamos, insinuará antes ao
homem que passe por esta ponte. 6- Noutro caso, imaginemos um homem mal intencionado
dá-me um tiro, cuja bala passa apenas de raspão. Teria sido desviada por um
Espírito bom? Não. 7- Podem os Espíritos advertir-nos diretamente de um
perigo, como no caso de uma senhora que sai de caso, seguindo por uma avenida,
ouvindo uma voz íntima lhe dizendo para voltar para casa e, apesar de vacilar,
volta, mas, refazendo-se, crendo ser fruto da imaginação, retorna ao caminho,
sendo atingida por uma viga, mal dados alguns passos, o que a deixa desacordada.
Não era um pressentimento? Era o instinto, visto que nenhum
pressentimento tem essas características, sendo sempre vagos. 8- Que entendeis por voz
do instinto? Entendo que, antes de encarnar-se, o Espírito tem conhecimento de todas
as fases de sua existência; quando estas tem um caráter saliente, ele conserva
uma espécie de impressão em seu íntimo e, tal impressão, despertando ao
aproximar-se o instante, torna-se pressentimento.
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