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terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

ESQUECIMENTO DO PASSADO: ONDE A LÓGICA DISTO?


-“Não compreendo como o homem pode aproveitar a experiência adquirida em suas experiências anteriores, se não lembra delas, pois, desde que ele não se recorda, cada existência é como se fosse a primeira, e é assim sempre, ao recomeçar. Suponhamos que cada dia, ao acordarmos, perdêssemos a memória do que fizemos na véspera. Não estaríamos mais avançados aos setenta do que aos dez anos; ao passo que, lembrando-nos de nossos erros, nossas inépcias, e as punições em que incorremos, procuramos não recomeçar. Para servir-me da comparação do homem na Terra, com o aluno de um colégio, eu não compreenderia como esse aluno pudesse aproveitar as lições do quarto ano, por exemplo, se não se recordasse do que aprendeu no terceiro. Essas soluções de continuidade, na vida do Espírito, interrompeu todas as relações, e fazem dele, de certo modo, um novo Ser. Donde se pode dizer que a nossa mente morre em cada existência para renascer sem consciência do que fomos. Isso é uma espécie de negação”. O argumento bastante lógico foi apresentado a Allan Kardec que, também de forma lógica, respondeu: -No Espiritismo tudo se encadeia, e quando estudamos o conjunto, vemos que os princípios decorrem uns dos outros, servindo-se mutuamente de apoio. E então o que parecia uma anomalia contrária à justiça e à sabedoria de Deus, parece completamente natural, vindo confirmar esta justiça e esta sabedoria. Tal é o problema do esquecimento, que está ligado a outras questões de igual importância. Eis porque o tratarei apenas superficialmente aqui. Se, em cada existência, é lançado um véu sobre o passado, o Espírito nada perde do que adquiriu no passado: só esquece a maneira como o adquiriu. Para servir-me da comparação do estudante, diria que pouco lhe importa saber onde, como, e com quais professores ele fez o terceiro ano, se chegando ao quarto sabe o que se ensinou no terceiro. Que lhe importa saber se foi castigado por sua preguiça ou sua insubordinação, se esses castigos tornaram-no trabalhador e dócil? É assim que, ao reencarnar, o homem traz, por intuição e como ideias inatas, o que adquiriu em ciência e moralidade. Digo em moralidade, pois se, durante uma existência ele melhorou, se aproveitou as lições da experiência, quando voltar será instintivamente melhor. Seu Espírito, amadurecido na escola do sofrimento e do trabalho, terá mais solidez. Longe de ter tudo a recomeçar, ele possui um capital cada vez mais rico, sobre o qual se apoia para adquirir mais. (...) O esquecimento temporário é um benefício da Providência. A experiência é muitas vezes adquirida por rudes provas e terríveis expiações, cuja lembrança seria muito penosa e viria somar-se às angústias das tribulações da vida presente. Se os sofrimentos da vida parecem longos, o que seria então se sua duração aumentasse com a lembrança dos sofrimentos do passado? O senhor, por exemplo, é hoje um homem honesto, mas o deve talvez a rudes castigos que suportou por crimes que agora repugnariam sua consciência. Ser-lhe-ia agradável recordar-se de haver sido enforcado pelo que fez? Não o perseguiria a vergonha ao pensar que o mundo soubesse o mal que cometeu? Que lhe importa o que tenha podido fazer e sofrer para expiá-lo, se agora é um homem respeitável? Aos olhos do mundo é um novo homem e aos olhos de Deus um Espírito reabilitado. Liberto da lembrança de um passado inoportuno, age com mais facilidade. É um novo ponto de partida; suas dívidas anteriores estão pagas, está em si não contrair novas. (...). Suponhamos ainda um caso muito comum, que nas suas relações, em seu próprio lar, encontra-se um Ser contra o qual tinha queixas, que talvez o tivesse arruinado ou desonrado em outra existência, e que, Espírito arrependido, venha a encarnar em seu meio, unir-se ao senhor por laços de família para reparar seus erros pelo devotamento e a afeição. Não estariam ambos na mais dificil situação, se os dois se recordassem de sua inimizade? Em lugar de se apaziguarem, eternizariam o ódio. Conclua daí que a lembrança do passado traria perturbações às relações sociais e seria um entrave ao progresso. Deseja uma prova atual disso? Se um homem condenado à prisão tomasse a firme resolução de tornar-se honesto, que aconteceria quando saísse? Seria repelido pela sociedade, e esta repulsa, quase sempre o mergulharia novamente no vício. Suponhamos, ao contrário, que todos ignorem seus antecedentes. Seria bem acolhido. Se ele próprio os pudesse esquecer não seria menos honesto e andaria de cabeça erguida, em lugar de curvá-la sobre a vergonha das recordações.

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