-“Não compreendo
como o homem pode aproveitar a experiência adquirida em suas experiências
anteriores, se não lembra delas, pois, desde que ele não se recorda, cada
existência é como se fosse a primeira, e é assim sempre, ao recomeçar.
Suponhamos que cada dia, ao acordarmos, perdêssemos a memória do que fizemos na
véspera. Não estaríamos mais avançados aos setenta do que aos dez anos; ao
passo que, lembrando-nos de nossos erros, nossas inépcias, e as punições em que
incorremos, procuramos não recomeçar. Para servir-me da comparação do homem na
Terra, com o aluno de um colégio, eu não compreenderia como esse aluno pudesse
aproveitar as lições do quarto ano, por exemplo, se não se recordasse do que
aprendeu no terceiro. Essas soluções de continuidade, na vida do Espírito,
interrompeu todas as relações, e fazem dele, de certo modo, um novo Ser. Donde
se pode dizer que a nossa mente morre em cada existência para renascer sem
consciência do que fomos. Isso é uma espécie de negação”. O argumento bastante lógico foi apresentado a Allan
Kardec que, também de forma lógica, respondeu: -No Espiritismo tudo se encadeia,
e quando estudamos o conjunto, vemos que os princípios decorrem uns dos outros,
servindo-se mutuamente de apoio. E então o que parecia uma anomalia contrária à
justiça e à sabedoria de Deus, parece completamente natural, vindo confirmar
esta justiça e esta sabedoria. Tal é o problema do esquecimento, que está
ligado a outras questões de igual importância. Eis porque o tratarei apenas
superficialmente aqui. Se, em cada existência, é lançado um véu sobre o
passado, o Espírito nada perde do que adquiriu no passado: só esquece a maneira
como o adquiriu. Para servir-me da comparação do estudante, diria que pouco lhe
importa saber onde, como, e com quais professores ele fez o terceiro ano, se
chegando ao quarto sabe o que se ensinou no terceiro. Que lhe importa saber se
foi castigado por sua preguiça ou sua insubordinação, se esses castigos
tornaram-no trabalhador e dócil? É assim que, ao reencarnar, o homem traz, por
intuição e como ideias inatas, o que adquiriu em ciência e moralidade. Digo em
moralidade, pois se, durante uma existência ele melhorou, se aproveitou as
lições da experiência, quando voltar será instintivamente melhor. Seu Espírito,
amadurecido na escola do sofrimento e do trabalho, terá mais solidez. Longe de
ter tudo a recomeçar, ele possui um capital cada vez mais rico, sobre o qual se
apoia para adquirir mais. (...) O esquecimento temporário é um benefício da
Providência. A experiência é muitas vezes adquirida por rudes provas e
terríveis expiações, cuja lembrança seria muito penosa e viria somar-se às
angústias das tribulações da vida presente. Se os sofrimentos da vida parecem
longos, o que seria então se sua duração aumentasse com a lembrança dos
sofrimentos do passado? O senhor, por exemplo, é hoje um homem honesto, mas o
deve talvez a rudes castigos que suportou por crimes que agora repugnariam sua
consciência. Ser-lhe-ia agradável recordar-se de haver sido enforcado pelo que
fez? Não o perseguiria a vergonha ao pensar que o mundo soubesse o mal que
cometeu? Que lhe importa o que tenha podido fazer e sofrer para expiá-lo, se
agora é um homem respeitável? Aos olhos do mundo é um novo homem e aos olhos de
Deus um Espírito reabilitado. Liberto da lembrança de um passado inoportuno,
age com mais facilidade. É um novo ponto de partida; suas dívidas anteriores
estão pagas, está em si não contrair novas. (...). Suponhamos ainda um caso
muito comum, que nas suas relações, em seu próprio lar, encontra-se um Ser
contra o qual tinha queixas, que talvez o tivesse arruinado ou desonrado em
outra existência, e que, Espírito arrependido, venha a encarnar em seu meio,
unir-se ao senhor por laços de família para reparar seus erros pelo devotamento
e a afeição. Não estariam ambos na mais dificil situação, se os dois se
recordassem de sua inimizade? Em lugar de se apaziguarem, eternizariam o ódio.
Conclua daí que a lembrança do passado traria perturbações às relações sociais
e seria um entrave ao progresso. Deseja uma prova atual disso? Se um homem
condenado à prisão tomasse a firme resolução de tornar-se honesto, que
aconteceria quando saísse? Seria repelido pela sociedade, e esta repulsa, quase
sempre o mergulharia novamente no vício. Suponhamos, ao contrário, que todos
ignorem seus antecedentes. Seria bem acolhido. Se ele próprio os pudesse
esquecer não seria menos honesto e andaria de cabeça erguida, em lugar de
curvá-la sobre a vergonha das recordações.
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