-“Quando a sociedade humana não tem
outro objetivo de atividade senão a prosperidade material e o prazer dos
sentidos, ela mergulha no materialismo egoísta, aprecia todas as ações segundo
o Bem que delas retira, renuncia a todos os esforços que não levam a uma
vantagem palpável, não estima senão aqueles que possuem, e não respeita senão a
força que se impõe. Quando os homens não se preocupam senão com os sucessos
imediatos e lucrativos, perdem o senso de honestidade, renunciam à escolha dos
meios, calcam aos pés a felicidade íntima, as virtudes privadas, e cessam de se
guiar segundo os princípios de justiça e de equidade. Numa sociedade lançada
nessa direção imoral, o rico leva uma vida de ociosidade ignóbil,
embrutecedora, e o deserdado nela arrasta uma existência dolorosa e monótona,
da qual o suicídio parece ser a última consolação!”. Essa avaliação não se
constitui num verdadeiro retrato falado, um diagnóstico perfeito da realidade
observada na atualidade do mundo? Ocorre que ela foi publicada na abertura do
número de setembro de 1863 da REVISTA
ESPÍRITA. O editor, Allan Kardec a reproduz pela
qualidade dos argumentos elaborados pelo autor, identificado como F.
Herrenschneider, sobre a necessidade da aliança entre a Filosofia e o
Espiritismo. Diante do quadro desenhado pelas palavras iniciais, acrescenta que
“contra
semelhante disposição moral, pública e privada, a filosofia é impotente. Não
que os argumentos lhe façam falta para provar a necessidade social de
princípios puros e generosos, não que ela não possa demonstrar a iminência da
responsabilidade final, e estabelecer a perpetuidade de nossa existência, mas
os homens não têm, geralmente, nem o tempo, nem o gosto, nem o espírito
bastante refletido, para prestar atenção à voz de suas consciências e às
observações da razão. As vicissitudes da vida, aliás, frequentemente, são muito
imperiosas para que se decida ao exercício da virtude pelo simples amor ao Bem.
Quando mesmo que a filosofia tivesse sido, verdadeiramente, o que deveria ser:
uma doutrina completa e certa, jamais teria podido provocar, só pelo seu
ensino, a regeneração social de maneira eficaz, uma vez que até este dia não
pôde dar, à autoridade de sua doutrina, de outra sanção senão do amor abstrato
do ideal e da perfeição. É que aos homens é preciso, para convencê-los da
necessidade de se consagrarem ao bem, fatos que falem aos sentidos. Preciso
lhes é o quadro impressionante de suas dores futuras, para que consintam em
subir novamente a rampa funesta onde seus vícios os arrastam; é-lhes preciso
tocar com o dedo as infelicidades eternas que se preparam por seu desleixo
moral, para que compreendam que a vida atual não é o objetivo de sua
existência, mas o meio que o Criador lhes deu de trabalhar pessoalmente no
cumprimento de seus destinos finais. Também é por esse motivo que todas as
religiões apoiaram seus mandamentos sobre o terror do inferno e sobre as
seduções das alegrias celestes. Mas, desde que, sob o império da incredulidade
e da indiferença religiosa, as populações se tranquilizaram sobre as
consequências últimas de seus pecados, uma filosofia fácil e inconsequente
ajudando o culto dos sentidos, dos interesses temporais e das doutrinas
egoístas, acabou por prevalecer. Hoje os homens esclarecidos, inteligentes e
fortes se afastam da Igreja e seguem suas próprias inspirações; a autoridade
necessária lhe faz falta para recobrar sua influência vinte vezes secular.
Pode-se, pois, dizer que a Igreja é tão impotente quanto a filosofia, e que
nenhuma nem outra exercerão influência salutar sujeitando-se, cada uma em seu
gênero, a uma reforma radical. (...). É, pois, o Espiritismo que nos
revela nossos destinos futuros, e, quanto mais for conhecido, mais a regeneração
moral e religiosa ganhará em impulso e em extensão. A união do Espiritismo com
as ciências filosóficas nos parece, com efeito, de uma alta necessidade para a
felicidade da Humanidade e para o progresso moral, intelectual e religioso da
sociedade moderna; porque não estamos mais no tempo em que se podia afastar a
ciência humana e preferir-lhe a fé cega. A ciência moderna é muito sábia, muito
segura de si mesma, e muito avançada no conhecimento das leis que Deus impôs à
inteligência e à Natureza, para que a transformação religiosa possa ter lugar
sem seu concurso. Conhece-se muito exatamente a exiguidade relativa de nosso Globo
para conceder à Humanidade um lugar privilegiado nos desígnios providenciais.
Aos olhos de todos, não somos mais do que um grão de pó na imensidade dos
mundos, e sabe-se que as leis que regem essa multidão indefinida de existências
são simples, imutáveis e universais”.
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