Artigo
reproduzido na edição de abril de 1862 da REVISTA ESPÍRITA reflete a opinião de
Allan Kardec sobre a relação entre a proposta espírita e os
questionamentos naturais no estágio evolutivo de muitos habitantes do Planeta a
respeito da incompreendida visão da reencarnação e a Verdade. Diz ele: -“O Espiritismo
vem, (...) não como uma religião, mas como doutrina filosófica, trazer a sua
teoria, apoiada no fato das manifestações. Ele não se impõe; não exige
confiança cega; entra no número dos concorrentes e diz: Examinai, comparai e
julgai; se achardes algo melhor do que isto que vos dou, tomai-o. Ele não diz:
Venho destruir os fundamentos da religião e substituí-la por um culto novo.
Diz: Não me dirijo aos que creem e se acham satisfeitos com suas crenças, mas
aos que abandonam as vossas fileiras pela incredulidade e que não os soubestes
ou pudestes reter. Venho dar-lhes, sobre as verdades que repelem, uma
interpretação capaz de satisfazer sua razão e que os leva a aceitá-la. E a
prova de que o consigo é o número dos que tiro do atoleiro da incredulidade.
Todos vos dirão: Se me tivessem ensinado essas coisas assim desde a infância,
jamais teria duvidado; agora creio, porque compreendo. Deveis repeli-los,
porque aceitam o espírito e não a letra? o princípio, e não a forma? Sois
livres; se vossa consciência faz disto um dever, ninguém pensará em
violentá-la; mas não digo apenas que isto seria um erro; digo mais: seria uma
imprudência. Como dissemos, a vida futura é o objetivo essencial de toda
doutrina moral. Sem a vida futura, a moral carece de base. O triunfo do
Espiritismo está precisamente na maneira pela qual apresenta o futuro; além das
provas que oferece, o quadro que apresenta é tão claro, tão simples, tão lógico,
tão conforme a justiça e à bondade de Deus, que involuntariamente dizemos: Sim,
é bem assim que deve ser; é assim que eu imaginava; e, se não havia acreditado,
é porque me tinham mostrado a vida futura de outro modo. Mas, o que é que dá à
teoria do futuro um tal poder? o que é que lhe granjeia tantas simpatias? É,
dizemos nós, a sua lógica inflexível, que resolve todas as dificuldades até
então insolúveis; e isto ela o deve ao princípio da pluralidade das
existências. Com efeito, suprimi este princípio e milhares de problemas, cada
qual mais insolúveis, se apresentarão imediatamente. A cada passo nos
chocaremos contra inúmeras objeções. Essas objeções não eram suscitadas
antigamente, isto é, ninguém pensava nelas. Mas hoje, que a criança se fez
homem, quer ir ao fundo das coisas; quer ver claro o caminho por onde é
conduzido; sonda e pesa o valor dos argumentos que lhe apresentam e, se estes
não lhe satisfazem à razão ou o deixam no vago e na incerta, rejeita-os,
aguardando coisa melhor. A pluralidade das existências é uma chave que
descortina horizontes novos, que dá uma razão de ser a uma multidão de coisas
incompreendidas e que explica o inexplicável. Ela concilia todos os
acontecimentos da vida com a justiça e a bondade de Deus. Daí por que os que haviam
chegado a duvidar dessa justiça e dessa bondade agora reconhecem o dedo da
Providência onde o tinham ignorado. Efetivamente, sem a reencarnação, a que
atribuir as ideias inatas? como justificar o idiotismo, o cretinismo, a
selvageria, ao lado do gênio e da civilização? a profunda miséria de uns, ao
lado da felicidade de outros? as mortes prematuras e tantas outras coisas? Do
ponto de vista religioso, certos dogmas, como o do pecado original, o da queda
dos anjos, a eternidade das penas, a ressurreição da carne, etc., encontram
neste princípio uma interpretação racional, levando à aceitação do seu espírito
justamente por aqueles que repeliam a letra. Em resumo, o homem atual quer
compreender. O princípio da reencarnação ilumina o que estava obscuro. Eis por
que dizemos que este princípio é uma das causas que faz com que o Espiritismo
seja acolhido favoravelmente. Dir-se-á que a reencarnação não é necessária para
crer nos Espíritos e em suas manifestações; e a prova disto é que há crentes
que não a admitem. É verdade. Também não dissemos que não se possa ser bom
espírita sem crer na reencarnação. Não somos daqueles que atiram pedras aos que
não pensam como nós. Apenas dizemos que eles não abordaram todos os problemas
levantados pelo sistema unitário, sem o que teriam reconhecido a
impossibilidade de lhes dar uma solução satisfatória. A ideia da pluralidade
das existências a princípio foi acolhida com assombro, com desconfiança;
depois, pouco a pouco as pessoas se familiarizaram com ela, à medida que
reconheciam a impossibilidade de, sem ela, saírem das inúmeras dificuldades
suscitadas pela psicologia e pela vida futura. Uma coisa é certa: esse sistema
ganha terreno diariamente, enquanto o outro o perde.
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