Acompanhando o trabalho de Allan
Kardec através da REVISTA
ESPÍRITA, vai se percebendo que suas páginas serviram também para o
desenvolvimento de temas que não ficaram totalmente compreensíveis nas Obras
Básicas. Descobre-se ainda que correspondentes da publicação forneciam conteúdos
importantes ao aprofundamento da Doutrina. No número de maio de 1861, na seção QUESTÕES E PROBLEMAS, encontramos um
exemplo disso. Um leitor escreve: -“Após
haver dissipado uma a uma as minhas dúvidas e reafirmado minha fé na sua base,
o Espiritismo me deixa uma questão não resolvida; ei-la: Como os Espíritos
novos, que Deus cria, e que se destinam um dia tornar-se Espíritos puros,
depois de terem passado pela peneira de uma multidão de existências e de
provas, saem tão imperfeitos das mãos do Criador, que é a fonte de toda
perfeição, e não se melhoram gradualmente senão se afastando de sua origem?
Resp. – Esse é um mistério que o Eterno não nos permite penetrar, antes que
nós, Espíritos errantes ou encarnados, tenhamos atingido a perfeição que nos é
indicada, graças à bondade divina, perfeição que novamente nos aproximará de
nossa origem e fechará o círculo da eternidade. Allan Kardec observa: -“Nosso correspondente não nos diz qual o
Espírito que lhe respondeu, mas a sabedoria de suas respostas prova que não é
um Espírito vulgar. Eis o essencial, porquanto, como se sabe, o nome pouco
importa. Nada temos a dizer quanto às suas primeiras respostas, que concordam em
todos os pontos com o que nos foi ensinado, provando que a teoria que demos dos
fenômenos espíritas não é produto de nossa imaginação, visto ser dada por
outros Espíritos, em tempos e lugares diversos e fora de nossa influência
pessoal. Apenas a última resposta não resolve a pergunta feita. Vamos tentar
remediá-la. Digamos, primeiramente, que a solução pode ser facilmente deduzida
do que está dito, com alguns desenvolvimentos, em O LIVRO DOS ESPÍRITOS, sobre
a progressão dos Espíritos, pergunta 114 e seguintes. Teremos pouca coisa a
acrescentar. Os Espíritos saem das mãos do Criador simples e ignorantes, mas
nem são bons, nem maus: do contrário, desde a sua origem teria Deus votado uns
ao bem e à felicidade, e outros ao mal e à desgraça, o que não estaria nem conforme
à sua bondade, nem de acordo com a sua justiça. No momento de sua criação, os
Espíritos não são imperfeitos senão do ponto de vista do desenvolvimento
intelectual e moral, como a criança ao nascer, como o germe contido na semente
da árvore; mas não são maus por natureza. Ao mesmo tempo, neles se desenvolve a
razão, o livre-arbítrio, em virtude do qual escolhem, uns o bom caminho, outros
o mau, fazendo que uns cheguem ao objetivo mais cedo que outros. Mas todos, sem
exceção, devem passar pelas vicissitudes da vida corporal, a fim de adquirir
experiência e ter o mérito da luta. Ora, nessa luta uns triunfam, outros
sucumbem, conquanto os vencidos possam sempre se erguer e resgatar os seus
fracassos. Esta questão levanta outra, mais grave, que muitas vezes nos tem
sido apresentada. É a seguinte: Deus,
que tudo sabe, o passado, o presente e o futuro, deve saber que tal Espírito
seguirá o mau caminho, sucumbirá e será infeliz. Neste caso, por que o criou? Ora, por certo sabe Deus perfeitamente a
linha que seguirá um Espírito, pois, de outro modo, não teria a ciência
soberana. Se o mau caminho no qual se aventura o Espírito devesse fatalmente
conduzi-lo a uma Eternidade absoluta de penas e sofrimentos; se, porque tivesse
falido, lhe fosse sempre negado reabilitar-se, a objeção acima teria uma força
de lógica incontestável, e talvez aí residisse o mais poderoso argumento contra
o dogma dos suplícios eternos. Neste caso, impossível é sair do dilema: ou Deus
não conhece a sorte reservada à sua criatura, e então não tem a soberana
ciência; ou, se a conhece, Ele a criou para ser eternamente infeliz e,
portanto, não tem a soberana bondade. Com a Doutrina Espírita, tudo concorda
perfeitamente e não há mais contradição: Deus sabe que um Espírito tomará um
mau caminho; conhece todos os perigos de que este se acha semeado, mas sabe,
também, que dele sairá, e que não haverá para ele senão um atraso. E, em sua
bondade e para lhe facilitar, multiplica em sua rota as advertências salutares,
das quais infelizmente nem sempre ele aproveita. É a história de dois viajantes
que querem alcançar um belo País, onde viverão felizes; um sabe evitar os
obstáculos, as tentações que o fariam parar no caminho; o outro, por
imprudência, choca-se contra os mesmos obstáculos, leva quedas que o atrasam,
mas chegará por sua vez. Se, no caminho, pessoas caridosas o previnem dos
perigos que corre e se, por presunção, não as escuta, mais repreensível será
por isso”.
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