Num
dos artigos da REVISTA ESPÍRITA de janeiro
de 1863, um questionamento interessante dirigido ao editor é proposto: -“Li numa de vossas obras: ‘O Espiritismo não se dirige àqueles que têm
uma fé religiosa qualquer, com vista a dissuadi-los, e aos quais essa fé basta
à sua razão e à sua consciência, mas à numerosa categoria dos indecisos, dos
incrédulos, etc.’ “E por que não? O Espiritismo, que é a verdade, não deveria
dirigir-se a todos? a todos os que estão em erro? Ora, os que creem numa
religião qualquer, protestante, judaica, católica ou outra qualquer, não estão
em erro? Indubitavelmente, porque as diversas religiões hoje professadas apregoam
verdades incontestáveis e nos obrigam a crer em coisas completamente falsas ou,
pelo menos, em coisas que podem até vir de fontes verdadeiras, mas falseadas em
sua interpretação. Se está provado que as penas são apenas temporárias – e Deus
sabe se é um leve erro confundir o temporário com o eterno – que o fogo do
inferno é uma ficção e que, se em vez de uma criação em seis dias, trata-se de
milhões de séculos, etc.; se tudo isto está provado, digo eu, partindo do
princípio de que a verdade é una, as crenças oriundas de uma interpretação tão
falsa desses dogmas não são nem mais nem menos do que falsas, pois uma coisa é
ou não é; não há meio termo. “Por que, então, o Espiritismo não se dirige
também a todos os que acreditam em absurdos, para os dissuadir, como aos que em
nada creem ou que duvidam, etc?”
Avaliando o argumento, Allan Kardec argumenta: -“Aproveitamos
a oportunidade da carta, da qual extraímos as passagens acima, para lembrar,
uma vez mais, o objetivo essencial do Espiritismo, sobre o qual o autor da
carta não parece bastante edificado. Pelas provas patentes que dá da existência
da alma e da vida futura, base de todas as religiões, o Espiritismo é a negação
do materialismo e, por conseguinte, se dirige aos que negam ou duvidam. É bem
evidente que os que não creem em Deus e na alma não são católicos, nem judeus,
nem protestantes, seja qual for a religião em que tiverem nascido; não seriam,
sequer, maometanos ou budistas. Ora, pela evidência dos fatos, são levados a crer
na vida futura, com todas as suas consequências morais; são livres para adotar,
mais tarde, o culto que melhor lhes convenha à razão ou à consciência. Mas aí
se detém o papel do Espiritismo; ele é o responsável por três quartos do
caminho; ajuda a transpor o passo mais difícil – o da incredulidade. Compete
aos outros fazer o resto. “Mas” – poderá dizer o autor da carta – “e se nenhum
culto me convier?” Muito bem! ficai então como estais. Aí o Espiritismo nada
pode. Ele não se encarrega de vos fazer abraçar um culto à força, nem de
discutir para vós o valor intrínseco dos dogmas de cada um: deixa isto à vossa
consciência. Se o que o Espiritismo dá não vos basta, buscai, entre todas as
filosofias existentes, uma doutrina que melhor satisfaça às vossas aspirações.
Os incrédulos e os indecisos formam uma categoria muito numerosa. Quando o
Espiritismo diz que não se dirige aos que têm uma fé qualquer, e aos quais esta
é bastante, quer significar que não se impõe a ninguém e não violenta
consciência alguma. Dirigindo-se aos incrédulos, chega a convencê-los por meios
próprios, pelos raciocínios que sabe terem acesso à sua razão, porquanto os
outros foram impotentes. Numa palavra, tem o seu método, com o qual obtém,
diariamente, belíssimos resultados; mas não tem uma doutrina secreta. Não diz a
uns: abri os ouvidos, e a outros: fechai-os. A todos fala pelos seus escritos e
cada um é livre de adotar ou rejeitar sua maneira de encarar as coisas. Desse
modo, faz crentes fervorosos dos que eram incrédulos. É tudo o que ele quer.
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