Abrindo
a edição de maio de 1866 da REVISTA ESPÍRITA, Allan
Kardec publica interessante matéria com que procura responder a
pergunta feita por muitos: Como é que Deus, tão grande, tão poderoso,
tão superior a tudo, pode imiscuir-se em detalhes ínfimos, preocupar-se com os
menores atos e os menores pensamentos de cada indivíduo? Como sempre, o
pesquisador e educador oculto no pseudônimo Allan Kardec desenvolve
uma série de argumentos extremamente sensatos e lógicos. Escreve: -“Em
seu estado atual de inferioridade, só dificilmente os homens podem compreender
Deus infinito, porque eles próprios são finitos, limitados, razão por que o
imaginam finito e limitado como eles mesmos; representando-o como um ser
circunscrito, dele fazem uma imagem à sua semelhança. Pintando-o com traços
humanos, nossos quadros não contribuem pouco para alimentar este erro no
espírito das massas, que nele mais adoram a forma que o pensamento. É para o
maior número um soberano poderoso, sobre um trono inacessível, perdido na
imensidade dos céus, e porque suas faculdades e percepções são restritas não
compreendem que Deus possa ou haja por bem intervir diretamente nas menores
coisas. Na incapacidade em que se acha o homem de compreender a essência mesma
da Divindade, desta não pode fazer senão uma ideia aproximada, auxiliado por
comparações necessariamente muito imperfeitas, mas que podem, ao menos,
mostrar-lhe a possibilidade do que, à primeira vista, lhe parece impossível.
Suponhamos um fluido bastante sutil para penetrar todos os corpos. É evidente
que cada molécula desse fluido produzirá sobre cada molécula da matéria com a
qual está em contato uma ação idêntica à que produziria a totalidade do fluido.
É o que a Química nos mostra a cada passo. Sendo ininteligente, esse fluido age
mecanicamente apenas pelas forças materiais. Mas se supusermos esse fluido
dotado de inteligência, de faculdades perceptivas e sensitivas, ele agirá, não
mais cegamente, mas com discernimento, com vontade e liberdade; verá, ouvirá e
sentirá. As propriedades do fluido perispiritual dele podem dar-nos uma ideia.
Ele não é inteligente por si mesmo, desde que é matéria, mas é o veículo do
pensamento, das sensações e das percepções do Espírito. É em consequência da
sutileza desse fluido que os Espíritos penetram em toda parte, perscrutam os
nossos pensamentos, veem e agem a distância; é a esse fluido, chegado a um
certo grau de depuração, que os Espíritos superiores devem o dom da ubiquidade;
basta um raio de seu pensamento dirigido para diversos pontos para que eles
possam aí manifestar sua presença simultaneamente. A extensão dessa faculdade
está subordinada ao grau de elevação e de depuração do Espírito. Mas sendo os
Espíritos, por mais elevados que sejam, criaturas limitadas em suas faculdades,
seu poder e a extensão de suas percepções não poderiam, sob esse aspecto,
aproximar-se de Deus. Contudo, eles nos podem servir de ponto de comparação. O
que o Espírito não pode realizar senão num limite restrito, Deus, que é
infinito, o realiza em proporções infinitas. Há, ainda, esta diferença: a ação
do Espírito é momentânea e subordinada às circunstâncias, enquanto a de Deus é
permanente; o pensamento do Espírito só abarca um tempo e um espaço
circunscritos, ao passo que o de Deus abarca o Universo e a eternidade. Numa
palavra, entre os Espíritos e Deus há a distância do finito ao infinito. O
fluido perispiritual não é o pensamento do Espírito, mas o agente e o
intermediário desse pensamento. Como é o fluido que o transmite, dele está, de
certo modo, impregnado; e na impossibilidade em que nos achamos de isolar o
pensamento, ele não parece fazer senão um com o fluido, assim como o som parece
ser um com o ar, de sorte que podemos, a bem dizer, materializa-lo. Do mesmo modo
que dizemos que o ar se torna sonoro, poderíamos, tomando o efeito pela causa,
dizer que o fluido torna-se inteligente. Seja ou não seja assim o pensamento de
Deus, isto é, quer ele aja diretamente ou por intermédio de um fluido, para
facilitar a nossa compreensão vamos representar este pensamento sob a forma
concreta de um fluido inteligente, enchendo o Universo infinito, penetrando
todas as partes da Criação: a Natureza inteira está mergulhada no fluido
divino; tudo está submetido à sua ação inteligente, à sua Previdência, à sua
solicitude; nenhum Ser, por mais ínfimo que seja, que dele não esteja, de certo
modo, saturado. Assim, estamos constantemente em presença da Divindade. Não há
uma só de nossas ações que possamos subtrair ao seu olhar; nosso pensamento
está em contato com o seu pensamento e é com razão que se diz que Deus lê nos
mais profundos recônditos do nosso coração; estamos nele como ele está em nós,
segundo a palavra do Cristo. Para entender sua solicitude sobre as menores
criaturas, ele não tem necessidade de mergulhar seu olhar do alto da
imensidade, nem deixar sua morada de glória, pois essa morada está em toda
parte. Para serem ouvidas por ele, nossas preces não precisam transpor o
espaço, nem serem ditas com voz retumbante, porque, incessantemente penetrados
por ele, nossos pensamentos nele repercutem. A imagem de um fluido inteligente
universal evidentemente não passa de uma comparação, mais própria a dar uma ideia
mais justa de Deus que os quadros que o representam sob a figura de um velho de
longas barbas, envolto num manto”.
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