No
numero de julho de 1860 da REVISTA
ESPÍRITA, Allan Kardec inclui interessante matéria relatando o
desdobrando da análise de carta recebida de um assinante na qual um amigo lhe
confidencia ter vívida em si a lembrança de uma vida passada. Tal reminiscência
rica em detalhes surgiu-lhe ainda na infância. Conta ele: “Por mais ridículo que pareça,
direi que guardo a sincera convicção de ter sido assassinado durante os
massacres de São Bartolomeu. Eu era muito criança quando tal lembrança veio
ferir a minha imaginação. Mais tarde, ao ler essa triste página de nossa
História, pareceu que muitos detalhes me eram conhecidos, e ainda creio que, se
a velha Paris pudesse ser reconstruída, eu reconheceria aquela alameda sombria,
onde, fugindo, senti o frio de três punhaladas nas costas. Há detalhes desta
cena sangrenta que se conservam na minha memória e que jamais desapareceram.
Por que tinha eu essa convicção antes de saber o que tinha sido a noite de São
Bartolomeu? Por que, ao ler o relato desse massacre, perguntei a mim mesmo: é
meu sonho, esse sonho desagradável que tive em criança, cuja lembrança me ficou
tão viva? Por que, quando quis consultar a memória, forçar o pensamento, fiquei
como um pobre louco ao qual surge uma ideia e que parece lutar para lhe
descobrir a razão? Por quê? Nada sei. Por certo me achareis ridículo, mas nem
por isso guardarei menos a lembrança, a convicção. “Se vos dissesse que eu
tinha sete anos quando tive um sonho assim: Eu tinha vinte anos, era jovial,
bem-posto, e penso que rico. Vim bater-me em duelo e fui morto. Se dissesse que
a saudação feita com a arma, antes de me bater, eu a fiz pela primeira vez que
tive um florete na mão; se dissesse que cada preliminar mais ou menos graciosa
que a educação ou a civilização pôs na arte de se matar me era desconhecida
antes de minha educação nas armas, diríeis, sem dúvida, que sou louco ou
maníaco. Bem pode ser; mas às vezes me parece que um clarão penetra nesse
nevoeiro e tenho a convicção de que a lembrança do passado se restabelece em
minha alma”. O remetente acrescenta ainda: -“O Sr. V..., autor desta carta,
é oficial da marinha e atualmente em viagem. Poderia ser interessante ver se,
evocando-o, confirmaria as suas lembranças; mas haveria a impossibilidade de o
prevenir de nossa intenção e, por outro lado, considerando-se a sua profissão,
poderia ser difícil encontrar o momento propício. Todavia, disseram-nos que
chamássemos o seu anjo-da-guarda, quando quiséssemos evocá-lo, e ele nos diria
se poderíamos fazê-lo. (...) Assim procederam e o resultado foi
interessante entrevista da qual destacamos algumas questões e respostas: 1- Por
que motivo essa lembrança lhe é mais precisa do que para outros? Há nisso uma
causa fisiológica ou uma utilidade particular para ele? – Essas lembranças vivazes são
muito raras. Dependem um pouco do gênero de morte, que de tal modo o
impressionou que está, por assim dizer, encarnado em sua alma. Entretanto,
muitas outras criaturas tiveram mortes igualmente terríveis, mas a lembrança
não lhes ficou. Só raramente Deus o permite. 2- Depois dessa morte,
ocorrida na noite de São Bartolomeu, teve ele outras existências? –
Não. 3- Que idade tinha quando morreu? – Uns trinta anos. 4- Pode-se
saber o que ele era? – Era ligado à casa de Coligny. 5- Se tivéssemos podido
evocá-lo, ter-lhe-íamos perguntado se recorda o nome da rua onde foi
assassinado, a fim de ver se, indo a esse local, quando voltar a Paris, a
lembrança da cena lhe será ainda mais precisa. – Foi no cruzamento de Bucy. 6- A
casa onde foi morto ainda existe? – Não; foi reconstruída. 7- Com o
mesmo objetivo teríamos perguntado se recorda o nome que tinha. –
Seu nome não é conhecido na História, pois era simples soldado. Chamava-se
Gaston Vincent.
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