Vivemos
uma época prodigiosa pela liberdade que oferece ao pensamento humano. Claro que há países onde a intolerância
religiosa ou política não concedem esse direito básico aos seus seguidores ou
governados. A questão da origem da
espécie humana estar assentada no mito de Adão, hoje não se sustenta mais. No
número de janeiro de 1862 da REVISTA
ESPÍRTA, Allan Kardec desenvolve interessantes raciocínios sobre a
questão. Diz ele: -“Do presente, como ponto conhecido, procuremos deduzir o desconhecido,
ao menos por analogia, se não tivermos a certeza de uma demonstração
matemática. A questão de Adão, como tronco único da espécie humana na Terra é,
como se sabe, muito controvertida, porque as leis antropológicas lhe demonstram
a impossibilidade, sem falar dos documentos autênticos da história chinesa, que
provam que a população do globo remonta a uma época muito anterior à atribuída
a Adão pela cronologia bíblica. Então a história de Adão é pura invencionice?
Não é provável; é uma imagem que, como todas as alegorias, deve encerrar uma
grande verdade, cuja chave só poderá ser dada pelo Espiritismo. Em nossa
opinião, a questão principal não é saber se a personagem de Adão realmente
existiu, nem em que época viveu, mas se a raça humana, designada como sua
posteridade, é uma raça decaída. A solução dessa questão não é destituída de
conteúdo moral, porque, esclarecendo-nos quanto ao passado, pode orientar a
nossa conduta para o futuro. Antes de mais, notemos que, aplicada ao homem, a
ideia da queda, sem a reencarnação, é um contra-senso, assim como a
responsabilidade que carregássemos pela falta de nosso primeiro pai. Se a alma
de cada homem é criada ao nascer, é que não existia antes; não terá, desse
modo, nenhuma relação, nem direta, nem indireta, com a que cometeu a primeira
falta, o que nos leva a indagar como poderia ser responsável por sua própria
queda. A dúvida sobre este ponto conduz naturalmente à dúvida ou, mesmo, à
incredulidade sobre muitos outros, porquanto, se falso o ponto de partida,
igualmente falsas devem ser as consequências. Tal o raciocínio de muita gente.
Pois bem! esse raciocínio cairá se considerarmos o espírito, e não a letra do
texto bíblico, e se nos reportarmos aos princípios mesmos da Doutrina Espírita,
destinados, conforme já foi dito, a reavivar a fé que se extingue. Notemos,
ainda, que a ideia dos anjos rebeldes, dos anjos decaídos e do paraíso perdido
se acha em quase todas as religiões e, como tradição, entre quase todos os
povos. Deve, pois, fundamentar-se numa verdade. Para compreender o verdadeiro
sentido que se deve ligar à qualificação de anjos rebeldes, não é necessário
supor uma luta real entre Deus e os anjos, ou Espíritos, desde que o vocábulo
anjo é aqui tomado numa acepção geral. Admitindo-se sejam os homens Espíritos
encarnados, o que são os materialistas e os ateus senão anjos ou Espíritos em
revolta contra a Divindade, pois que negam a sua existência e não reconhecem
seu poder, nem suas leis? Não é por orgulho que pretendem que tudo aquilo de
que são capazes vem deles mesmos, e não de Deus? Não é o cúmulo da rebelião
pregar o nada depois da morte? Não são muito culpados os que se servem da
inteligência, de que se ufanam, para arrastar os semelhantes ao precipício da
incredulidade? Até certo ponto não praticam também um ato de revolta os que,
sem negar a Divindade, desconhecem os verdadeiros atributos de sua essência? Os
que se cobrem com a máscara da piedade para cometer más ações? Os que a fé no
futuro não os desliga dos bens deste mundo? Os que em nome de um Deus de paz
violentam a primeira de suas leis: a lei de caridade? Os que semeiam
perturbação e ódio pela calúnia e pela maledicência? Enfim aqueles, cuja vida,
voluntariamente inútil, se escoa na ociosidade, sem proveito para si próprios,
nem para os seus semelhantes? A todos serão pedidas contas, não só do mal que
tiverem feito, mas do bem que tiverem deixado de fazer. Pois bem! todos esses
Espíritos, que tão mal empregaram as suas encarnações, uma vez expulsos da
Terra e enviados a mundos inferiores, entre hordas ainda na infância da
barbárie, o que serão, senão anjos decaídos, remetidos à expiação? A Terra que
deixam não será para eles um paraíso perdido, em comparação ao meio ingrato
onde ficarão relegados durante milhares de séculos, até o dia em que tiverem
merecido a libertação?
Nenhum comentário:
Postar um comentário