O caso é relatado por Allan Kardec no número de julho de 1863 da REVISTA ESPÍRITA. Conta ele: -“Um
rapaz de vinte e três anos, o Sr. A..., de Paris, que se iniciou no Espiritismo
há apenas dois meses, captou o seu alcance com tal rapidez que, sem nada ter
visto, o aceitou em todas as suas consequências morais. Dirão que isto não é de
admirar da parte de um jovem, e não prova senão uma coisa: a leviandade e um
entusiasmo irrefletido. Seja. Mas prossigamos. Esse moço irrefletido, como ele
próprio reconhece, tinha um grande número de defeitos, dos quais o mais
saliente era uma irresistível predisposição para a cólera, desde a infância.
Pela menor contrariedade, pelas causas mais fúteis, quando entrava em casa e
não encontrava imediatamente o que queria; se uma coisa não estivesse no seu
lugar habitual; se o que tivesse pedido não estivesse pronto em um minuto,
enfurecia-se e tudo quebrava. Era a tal ponto que um dia, num paroxismo de
cólera, explodindo contra a mãe, disse-lhe: “Vai-te embora, ou eu te mato!”
Depois, esgotado pela superexcitação, caía sem consciência. Acrescente-se que
nem os conselhos dos pais, nem as exortações da religião tinham podido vencer
esse caráter indomável, compensado, aliás, por uma grande inteligência, uma
instrução cuidadosa e os mais nobres sentimentos,(...) Bastaram alguns dias
para fazer desse jovem um ser meigo e paciente. A certeza adquirida da vida
futura, o conhecimento do objetivo da vida terrestre, o sentimento da dignidade
do homem, revelada pelo livre-arbítrio, que o coloca acima do animal, a
responsabilidade daí decorrente, o pensamento de que a maior parte dos males
terrenos são a consequência de nossos atos, todas essas ideias, hauridas num
estudo sério do Espiritismo, produziram em seu cérebro uma súbita revolução;
pareceu-lhe que um véu foi retirado de seus olhos; a vida se lhe apresentou sob
outra face. Então, certo de que tinha em si um ser inteligente, independente da
matéria, disse de si para si: “Este ser deve ter uma vontade, ao passo que a
matéria não a tem; portanto, ele pode dominar a matéria.” Daí este outro
raciocínio: “O resultado de minha cólera foi tornar-me doente e infeliz, e ela
não me dá o que me falta; logo é inútil, já que não estou mais adiantado. Ela
me produz mal e nenhum bem me dá em compensação; mais ainda: poderia impelir-me
a atos repreensíveis, criminosos talvez.” – Ele quis vencer, e venceu. Desde
então, mil ocasiões se apresentaram que, antes, o teriam enfurecido e ante as
quais ele ficou impassível e indiferente, para grande estupefação de sua mãe.
Sentia o sangue ferver e subir à cabeça, mas, por sua vontade, o fazia refluir,
forçando-o a descer. Um milagre não teria feito melhor. (...) Seu Espírito era
responsável por sua violência, ou apenas sofria a influência da matéria? Eis a
nossa resposta: Vosso Espírito é de tal modo responsável que, quando o
quisestes seriamente, controlastes o movimento sanguíneo. Assim, se o tivésseis
querido antes, os acessos teriam cessado mais cedo e não teríeis ameaçado vossa
mãe. Além disso, quem é que se encoleriza? O corpo ou o Espírito? Se os acessos
viessem sem motivo, poder-se-ia crer que eram provocados pelo afluxo sanguíneo;
mas, fútil ou não, tinham por causa uma contrariedade. Ora, evidentemente não
era o corpo que estava contrariado, mas o Espírito, muito suscetível.
Contrariado, o Espírito reagia sobre um sistema orgânico irritável, que não
teria sido provocado se tivesse ficado em repouso. Façamos uma comparação.
Tendes um cavalo fogoso; se souberdes governá-lo, ele se submete; se o
maltratardes, ele se enfurece e vos derruba. De quem a falta: vossa ou do
cavalo? Para mim, é evidente que vosso Espírito é naturalmente irascível; mas
como cada um traz consigo o seu pecado original, isto é, um resto das antigas inclinações,
não é menos evidente que, em vossa precedente existência, tivésseis sido um
homem de extrema violência, e que provavelmente teríeis pago muito caro, talvez
com a própria vida”.
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