Abrindo o número de maio
de 1864 da REVISTA ESPÍRITA,
Allan
Kardec na habitual linha de racionalidade com que sempre trata os
assuntos sobre os quais fala, analisa a questão da previsibilidade do futuro.
Formula a Teoria da Presciência. Na sua abordagem, entre outras coisas,
explica: -“Como o homem tem de concorrer para o progresso geral, como certos
acontecimentos devem resultar da sua cooperação, pode acontecer que, em casos
especiais, ele pressinta esses acontecimentos, a fim de lhes preparar o
encaminhamento e de estar pronto a agir, em chegando a ocasião. Por isso é que
Deus, às vezes, permite se levante uma ponta do véu; mas, sempre com fim útil,
nunca para satisfação da vã curiosidade. Tal missão pode, pois, ser conferida,
não a todos os Espíritos, porquanto muitos há que do futuro não conhecem mais
do que os homens, porém a alguns Espíritos bastante adiantados para
desempenhá-la. Ora, é de notar-se que as revelações dessa espécie são sempre
feitas espontaneamente e jamais, ou, pelo menos, muito raramente, em resposta a
uma pergunta direta. Pode também semelhante missão ser confiada a certos
homens, desta maneira: Aquele a quem é dado o encargo de revelar uma coisa
oculta recebe, à sua revelia e por inspiração dos Espíritos que a conhecem, a
revelação dela e a transmite maquinalmente, sem se aperceber do que faz. É
sabido, ao demais, que, assim durante o sono, como em estado de vigília, nos
êxtases da dupla vista, a alma se desprende e adquire, em grau mais ou menos
alto, as faculdades do Espírito livre. Se for um Espírito adiantado, se,
sobretudo, houver recebido, como os profetas, uma missão especial para esse
efeito, gozará, nos momentos de emancipação da alma, da faculdade de abarcar,
por si mesmo, um período mais ou menos extenso, e verá, como presente, os
sucessos desse período. Pode então revelá-los no mesmo instante, ou conservar
lembrança deles ao despertar. Se os sucessos hajam de permanecer secretos, ele
os esquecerá, ou apenas guardará uma vaga intuição do que lhe foi revelado,
bastante para o guiar instintivamente. É assim que em certas ocasiões essa
faculdade se desenvolve providencialmente, na iminência de perigos, nas grandes
calamidades, nas revoluções, e é assim também que a maioria das seitas
perseguidas adquire numerosos videntes. É ainda por isso que se veem os grandes
capitães avançar resolutamente contra o inimigo, certos da vitória; que homens
de gênio, por exemplo, Cristóvão Colombo, caminham para uma meta, anunciando
previamente, por assim dizer, o instante em que a alcançarão. É que eles viram
essa meta, que, para seus Espíritos, deixou de ser o desconhecido. Todos os
fenômenos cuja causa era ignorada foram tidos à conta de maravilhosos. Uma vez
conhecida a lei segundo a qual eles se realizam, eles entraram na ordem das
coisas naturais. Nada, pois, tem de sobrenatural o dom da predição, mais do que
uma imensidade de outros fenômenos. Ele se funda nas propriedades da alma e na
lei das relações do Mundo Visível com o Mundo Invisível, que o Espiritismo veio
dar a conhecer. (...) A teoria da presciência talvez não resolva de
modo absoluto todos os casos que se possam apresentar de revelação do futuro,
mas não se pode deixar de convir em que lhe estabelece o princípio fundamental.
Se não explica tudo, é pela dificuldade, para o homem, de colocar-se nesse
ponto de vista extraterrestre; por sua própria inferioridade, seu pensamento,
incessantemente arrastado para o atalho da vida material, muitas vezes é
impotente para se destacar do solo. A esse respeito, certos homens são como
filhotes de aves, cujas asas, demasiado fracas, não lhes permitem elevar-se no
ar, ou como aqueles cuja vista é muito curta para ver ao longe, ou, enfim, como
aqueles a quem falta um sentido para certas percepções. Entretanto, com alguns
esforços e o hábito da reflexão, lá chegaram: os espíritas, mais facilmente que
os outros, podem identificar-se com a Vida Espiritual, que compreendem. Para
compreendermos as coisas espirituais, isto é, para delas fazermos ideia tão
clara como a que fazemos de uma paisagem que tenhamos ante os olhos, falta-nos
em verdade um sentido, exatamente como ao cego de nascença falta um que lhe
faculte compreender os efeitos da luz, das cores e da vista, sem o contato. Daí
se segue que somente por esforço da imaginação e por meio de comparações com
coisas materiais que nos sejam familiares chegamos a consegui-lo. (...) Tal
faculdade é inerente ao estado de espiritualização, ou, se o preferirem, de
desmaterialização. (..) Portanto, para gozar dessa percepção, não precisa o
Espírito transportar-se a um ponto qualquer do espaço. Pode possuí-la em toda a
sua plenitude aquele que na Terra se acha ao nosso lado, tanto quanto se
achasse a mil léguas de distância, ao passo que nós nada vemos além do nosso
horizonte visual. Não se operando a visão, nos Espíritos, do mesmo modo, nem
com os mesmos elementos que no homem, muito diverso é o horizonte visual dos
primeiros. Ora, é precisamente esse o sentido que nos falece para o
concebermos. O Espírito, ao lado do encarnado, é como o vidente ao lado do
cego. Devemos, além disso, ponderar que essa percepção não se limita ao que diz
respeito à extensão; que ela abrange a penetração de todas as coisas. É,
repetimo-lo, uma faculdade inerente e proporcionada ao estado de
desmaterialização
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