-“Não há
uma única ideia, sobretudo quando tem certa importância, que não encontre
obstáculos. O próprio Cristianismo não foi ferido na pessoa de seu chefe, tratado
como impostor e na de seus Apóstolos? E mesmo entre os seus propagadores não
havia criaturas terríveis? Por que, então, o Espiritismo seria privilegiado”? O comentário pertence a Allan
Kardec em resposta a pergunta a ele dirigida sobre se ‘haverá algum meio de se remediar o inconveniente do que se
publicam, em nome do Espiritismo, visto que certas publicações são realmente
lamentáveis, dando do Espiritismo uma ideia falsa expondo-o ao ridículo’.
Na atualidade, especialmente
no Brasil o problema se ampliou até porque o mercado livreiro tornou-se
rentável ou meio de vida de inúmeros médiuns. Segundo informações, mais de 500
editoras dedicadas a produzirem livros ‘espíritas’ existem. Contudo, Allan
Kardec oferece-nos uma visão interessante, acrescentando: - “O que
encarais como um mal é, sem sombra de dúvida, um bem. Para o compreender não basta olhar o presente, mas, sobretudo,
o futuro. A Humanidade é afligida
por muitos males que a corroem e que têm sua fonte no orgulho e no egoísmo.
Esperais curá-la
instantaneamente? Acreditais que essas paixões, que reinam soberanamente sobre
ela, se deixarão destronar
facilmente? Não; elas erguem a cabeça para morder os que a vêm perturbar em sua tranquilidade. Tal é, não
duvideis, a causa de certas oposições. A moral do
Espiritismo não convém a todo mundo; não ousando atacá-la,
atacam sua fonte. De fato o
Espiritismo tem realizado numerosos milagres de reformas morais, mas pensar que essa transformação pudesse ser
súbita e universal seria desconhecer a Humanidade. Entre os crentes há os que, só veem do
Espiritismo a superfície, não compreendem o seu objetivo essencial. Quer por falta de julgamento, quer por
orgulho, dele aceitam apenas o que
os lisonjeia, repelindo o que os humilha. Não é, pois, de admirar que alguns
espíritas o tomem em sentido
inverso. Isso pode ser lamentável no presente, porém não terá maiores consequências para o futuro. Perguntais por que Deus não impede os
erros. Perguntai-Lhe por que não criou perfeitos
os homens, de
imediato, em vez de lhes deixar o trabalho e o mérito de se aperfeiçoarem; por que
não fez a criança já nascer adulta, dotada de raciocínio, esclarecida, em vez
de deixá-la adquirir a experiência pela vivência; por que a árvore só atinge o
pleno desenvolvimento após longos anos e o fruto só amadurece quando a estação
propícia é chegada? Perguntai-Lhe por que o Cristianismo, que é sua Lei e sua
obra, sofreu tantas flutuações desde o seu nascimento; por que permitiu que os
homens se servissem de seu nome sagrado para cometer tantos abusos, mesmo crimes
e derramar tanto sangue? Nada se faz bruscamente em a Natureza; tudo marcha
gradualmente conforme as leis imutáveis do Criador e essas leis conduzem sempre
ao objetivo que Ele se propôs. Ora, a Humanidade na
Terra é ainda jovem, embora a pretensão de seus doutores. (...) Para
julgar o efeito dessas dissidências, basta observar o que se passa. Em que se
apoiam? Em opiniões individuais, que podem reunir algumas pessoas, uma vez que
não há ideia, por mais absurda que seja, que não encontre partidários. Mas,
julga-se de seu valor pela preponderância que ela adquire. Ora, onde vedes as
de que falamos com a mínima preponderância? Fizeram escola, ameaçaram pelo número de adeptos a bandeira que
adotastes? Em parte alguma; longe disso, as ideias divergentes veem incessantemente
seus partidários diminuindo, para aderirem à unidade que se faz lei para a
imensa maioria, quando não para a unanimidade. De todos os sistemas que
surgiram quando da origem das manifestações, quantos permanecem de pé? (...) O erro leva consigo, quase sempre, o
remédio; e seu reino não pode ser eterno. Mais cedo ou mais tarde, deslumbrado
por alguns sucessos efêmeros, é tomado por uma espécie de vertigem e se curva
ante as aberrações que precipitam sua queda. Isto é verdadeiro, do maior ao menor.
Deplorais as excentricidades de certos escritos publicados sob o manto do
Espiritismo. Ao contrário,
deveríeis abençoá-los, porquanto é por esses próprios excessos que o erro se
perde. (...) Esses erros provêm quase sempre de Espíritos
levianos, sistemáticos ou pseudo-sábios, que se comprazem vendo editados seus
devaneios e utopias pelos homens que conseguiram ludibriar, a ponto de fazê-los
aceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhes debitam em favor de alguns
bons grãos em meio ao joio. Mas, como esses Espíritos nem possuem o
verdadeiro saber, nem a verdadeira sabedoria, não podem sustentar por muito
tempo o seu papel, e sua ignorância os trai. (...) Isto me leva a dizer algumas palavras sobre a
publicação das comunicações mediúnicas. A publicação tanto pode ser útil, se
feita com discernimento, quanto perniciosa, em caso contrário. No número dessas
comunicações existem as que, por melhores que sejam, só interessam àqueles que
as recebem, não oferecendo aos leitores estranhos senão banalidades. Outras
apenas têm interesse pelas circunstâncias nas quais foram dadas, e sem o conhecimento
das quais são insignificantes. Isto só traria inconvenientes para a bolsa do
editor. Mas, ao lado disto, algumas há que são evidentemente más, no conteúdo e
no estilo e que, sob nomes respeitáveis e apócrifos, contêm coisas absurdas ou
triviais, o que muito naturalmente se presta ao ridículo e dá armas à crítica.
E pior ainda quando, sob a proteção desses mesmos nomes, elas formulam sistemas
excêntricos, ou grosseiras heresias científicas. Não haveria nenhum inconveniente
em publicar essas espécies de comunicações, se as fizessem acompanhar de comentários,
seja para refutar os erros, seja para lembrar que são a expressão de uma
opinião individual, da qual não se assume a responsabilidade; poderiam mesmo
ter um lado instrutivo, mostrando a que aberrações de ideias podem entregar-se
certos Espíritos. Mas, publicá-las pura e simplesmente é apresentá-las como
expressão da verdade e garantir a autenticidade das assinaturas, que o bom
senso não pode admitir; eis o inconveniente. Como os Espíritos têm seu
livre-arbítrio e sua opinião sobre os homens e as coisas, compreender-se-á que
há escritos que a prudência e a conveniência mandam afastar. No interesse da
Doutrina, convém, pois, fazer uma escolha muito severa em semelhante caso, eliminando
com cuidado tudo quanto possa, por uma causa qualquer, produzir má impressão. O
médium, conformando-se a esta regra, poderia fazer uma coletânea muito
instrutiva, que seria lida com
interesse, ao passo que, publicando tudo quanto recebe, sem método e sem discernimento,
poderia fazer vários volumes detestáveis, cujo menor inconveniente seria o de
não serem lidos. É preciso que se saiba que o Espiritismo sério patrocina com
satisfação e zelo toda obra feita em boas condições, venha de onde vier; mas,
por outro lado, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas
que se empenham para que a Doutrina não seja comprometida devem, pois,
esforçar-se para as condenar, tanto mais porque, se algumas delas são feitas de
boa fé, outras podem sê-lo pelos próprios inimigos do Espiritismo, tendo em
vista desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Daí por que, repito,
é necessário que se conheça o que ele aceita, daquilo que repudia.
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