Entre as dúvidas comuns em
reuniões interativas entre publico e expositores, deparamo-nos frequentemente
com questionamentos sobre cremação após a morte do corpo físico. Embora o
Espírito Emmanuel tenha se manifestado na série de entrevistas do
jornalista Clementino de Alencar do jornal O GLOBO com o quase desconhecido Chico Xavier em 1935
recomendando um intervalo de 50 horas para a efetivação do
processo, o tema somente seria objeto de discussões no âmbito legislativo do
Rio de Janeiro, então capital da Republica, no início dos anos 50. Nessa ocasião,
o Espírito do cronista e escritor Humberto de Campos - desde anos antes
conhecido como Irmão X – se manifestaria pelo médium mineiro. Suas ponderações
seriam reproduzidas no livro TAÇA DE LUZ (feesp, 1952) e, com algumas
modificações anos depois na obra ESCULTORES DE ALMAS (ceu, 1988). Pela sua
permanente atualidade, vamos reproduzir a versão original a seguir: -“Observada
do Plano Espiritual a celeuma no Rio de Janeiro, em torno da incineração dos
cadáveres, a ser estabelecida por lei, reparamos que o assunto não é realmente
para rir. De um lado, temos os legisladores preocupados com a terra dos
cemitérios, e, de outro, as autoridades eclesiásticas lançando a excomunhão
sobre os responsáveis pelo movimento inovador. Entre os atores da peça, vemos
os defuntos de amanhã, sorridentes e bem humorados, apreciando a pugna entre a
igreja e a edilidade carioca. Aqueles, como nós, que já atravessaram a garganta
da sombra, seguem a novidade, com a apreensão das pessoas mais velhas, à frente
de um parque de crianças. O problema da cremação do corpo, realmente, deveria
merecer mais demorado estudo nos gabinetes legislativos. Há muito caminho por
andar, antes que o homem comum se beneficie com a verdadeira morte. A cessação
dos movimentos do corpo nem sempre é o fim do expressivo transe. O túmulo é uma
passagem especial, a cujas portas muitos dormem, por tempo indeterminado,
criando forças para atravessa-la com o preciso valor. Morrer não é libertar-se
facilmente. Para quem varou a existência na Terra entre abstinência e
sacrifícios, a arte de dizer adeus é alguma coisa da felicidade ansiosamente
saboreada pelo Espírito, mas para o comum dos mortais, afeitos aos “comes e
bebes” de cada dia, para os senhores da posse física, para os campeões do
conforto material e para os exemplares felizes do prazer humano, na mocidade ou
na madureza, a cadaverização não é serviço de algumas horas... Demanda tempo,
esforço, auxílio e boa vontade. Por trás da máscara mortuária, muitas vezes,
esconde-se a alma, inquieta e dolorida, sob estranhas indagações, na vigília
torturada ou no sono repleto de angústia. Para semelhantes viajores da grande
jornada, a cremação imediata do comboio fisiológico será pesadelo terrível e
doloroso. Eis porque, se pudéssemos, pediríamos tempo para os mortos. Se a lei
divina fornece um prazo de nove meses para que a alma possa nascer ou renascer
no mundo com a dignidade necessária, e se a legislação humana já favorece os
empregados com o benefício do aviso prévio, porque razão o morto deve ser
reduzido à cinza com a carne ainda quente? Sabemos que há cadáveres, dos quais,
enquanto na Terra, estimaríamos a urgente separação, entretanto, que mal poderá
trazer aos vivos o defunto inofensivo, sem qualquer personalidade nos
cartórios? Não seria justo conferir algumas semanas de preparação e refazimento
ao peregrino das sombras, para a desistência voluntária dos enigmas que o
afligem na retaguarda? Acreditamos que ainda existe bastante solo no Brasil e
admitimos, por isso, que não necessitamos copiar costumes, em pleno desacordo
com a nossa feição espiritual. Meditando na pungente situação dos
recém-desencarnados, no Rio, observo quão longe vai o tempo em que os mortos
eram embalados com a doce frase latina – “Requiescant in pace”. Não basta agora
o enterro pacífico! É imprescindível a apressada desintegração dos despojos! E
se a lei não for suavizada com a quarentena de repouso e compaixão para os
desencarnados, na laje fria de algum necrotério acolhedor, resta aos mortos a
esperança de que os saltitantes conselheiros da cremação de hoje sejam amanhã
igualmente torrados”. Em nota complementar no primeiro livro citado,
encontra-se: O Projeto-Lei da Câmara dos Vereadores, que dispõe acerca da cremação
nos cemitérios administrados pela Santa Casa de Misericórdia, foi vetado pelo senhor.
Prefeito do Distrito Federal, nove dias depois do Irmão X transmitir a mensagem
supra. O senhor prefeito, entretanto, declarou que qualquer instituição ou
seita religiosa poderá livremente instalar fornos crematórios.
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