Argumento ainda utilizado para combater as manifestações dos Espíritos
em diferentes escolas religiosas, a proibição de evocar os mortos inclui-se
entre os temas que merecem reflexões com base na atualidade. No número de outubro
de 1863, da REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec desenvolve alguns
raciocínios sobre o tema. Deles destacamos alguns para maior apreciação: É
necessário nos reportarmos aos motivos que os levaram a fazer tal proibição,
motivos que, então, tinham uma razão de ser, mas que, seguramente, hoje não
mais subsistem. Quanto à pena de morte infringida a quem desrespeitasse essa
proibição, forçoso é reconhecer que nisto Moisés era muito pródigo e que, na
sua legislação draconiana, a severidade do castigo nem sempre era um indício da
gravidade da falta. O povo hebreu era turbulento, difícil de conduzir e não
podia ser domado senão pelo terror. Por outro lado, Moisés não tinha grande
escolha nos seus meios de repressão; não dispunha de prisões, nem de casas de
correção e seu povo não era passível de sofrer o medo de penas puramente
morais; assim, ele não podia graduar sua penalidade como se faz nos nossos
dias. Ora, por respeito à sua lei, seria preciso manter a pena de morte para
todos os casos em que a aplicava? Aliás, por que ressuscitam esse artigo com
tanta insistência, enquanto guardam silêncio sobre o começo do capítulo que
proíbe aos sacerdotes a posse dos bens da Terra e de ter parte em qualquer
herança, porque o próprio Senhor é a sua herança? (Deuteronômio, cap.
XVIII). Há duas partes distintas na lei de Moisés: a lei de Deus propriamente
dita, promulgada no monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, apropriada aos
costumes e ao caráter do povo; uma é invariável, a outra se modifica com o
tempo. A ninguém pode vir à mente que possamos ser governados pelos mesmos
meios que os hebreus no deserto, assim como a legislação da Idade Média não
poderia aplicar-se à França do século dezenove. Quem pensaria, por exemplo, em
ressuscitar hoje este artigo da lei mosaica: “Se um boi fere com o chifre a
um homem ou a uma mulher, e a pessoa morrer, o boi será lapidado sem remissão,
ninguém comerá sua carne e seu dono será absolvido.” Ora, que diz Deus em
seus mandamentos? “Não terás outro Deus senão eu; não tomarás o nome de Deus
em vão; honra teu pai e tua mãe; não matarás; não cometerás adultério; não
roubarás; não dirás falso testemunho; não cobiçarás os bens de teu próximo.”
Eis uma lei que é de todos os tempos e de todos os países, e que, por isto
mesmo, tem caráter divino; mas não trata da proibição de evocar os mortos,
donde forçoso é concluir que tal proibição era
simples medida disciplinar e circunstancial. Mas Jesus não veio
modificar a lei mosaica, e sua lei não é o código dos cristãos? Não disse ele: “Ouvistes
o que foi dito aos Antigos tal ou qual coisa; eu, porém, vos digo outra coisa?”
Ora, em parte alguma do Evangelho se faz menção da proibição de evocar os
mortos; é um ponto muito grave para que o Cristo o tivesse omitido em suas
instruções, embora tenha tratado de questões de ordem bem mais secundária. Ou
se deve pensar, como um eclesiástico a quem tal objeção foi feita, que “Jesus
se esqueceu de falar nisso?” Como o pretexto da proibição de Moisés é
inadmissível, eles se apoiam na desculpa de que a evocação é uma falta de
respeito aos mortos, cujas cinzas não devem ser perturbadas. Quando essa
evocação é feita religiosamente e com recolhimento, não se pode falar em
desrespeito; mas há uma resposta peremptória a dar a tal objeção: é que os
Espíritos vêm de boa vontade quando chamados e, mesmo, espontaneamente, sem
serem chamados; manifestam satisfação por se comunicarem com os homens e frequentemente
se queixam do esquecimento em que por vezes são deixados. Se fossem perturbados
em sua quietude ou ficassem descontes com o nosso apelo, eles o diriam ou não
viriam. Se vêm, é porque isto lhes convém, pois não sabemos de ninguém que
tenha o poder de constranger os Espíritos, seres impalpáveis, a se incomodarem,
caso não o queiram, já que não os podemos prender ao corpo. (...) Como os
motivos alegados para justificar a proibição de se comunicar com os Espíritos
não suportam um exame sério, é preciso que haja outro, não confessado. Este
motivo bem poderia ser o temor de que os Espíritos, muito clarividentes,
viessem esclarecer os homens sobre certos pontos e lhes dar a conhecer
exatamente como se passam as coisas no outro mundo e as verdadeiras condições
para ser feliz ou infeliz. Eis por que se diz a uma criança: “Não vá lá; existe
um lobisomem”; e se diz aos homens: “Não chameis os Espíritos; são diabos.”
Providência inútil, porquanto, mesmo que se proiba os homens de chamar os
Espíritos, não se impedirá que os Espíritos venham aos homens, tirar a lâmpada
de debaixo do alqueire
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