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domingo, 3 de setembro de 2017

NÓS, A VERDADE E OS ESPÍRITOS

Admitida a realidade da existência e comunicabilidade dos Espíritos desencarnados, os comportamentos variam conforme o grau de conhecimentos dos que se servem desse procedimento. Devemos crer cegamente na opinião e revelações deles?  Afinal, como inteligências desprendidas da matéria não podem remover todas as dúvidas da Ciência e projetar luz onde reina a obscuridade? As respostas, Allan Kardec oferece em matéria contida na edição de abril de 1860 da REVISTA ESPÍRITA. Escreve ele: - Isto é uma questão muito grave, que se liga à própria base do Espiritismo, e que não poderíamos resolver neste momento sem repetir o que já temos dito a respeito. Assim, aditaremos apenas algumas palavras, a fim de justificar nossas reservas. Para começar, responderemos que nos tornaríamos sábios com muita facilidade se cuidássemos tão-somente de interrogar os Espíritos para conhecer tudo quanto ignoramos. Querendo Deus que adquiríssemos a ciência pelo trabalho, por isso mesmo não encarregou os Espíritos de no-la trazer pronta e acabada, favorecendo a nossa preguiça. Em segundo lugar a Humanidade, como os indivíduos, tem a sua infância, sua adolescência, sua juventude e sua virilidade. Os Espíritos, encarregados por Deus de instruir os homens, devem, pois, proporcionar-lhes ensinos para o desenvolvimento da inteligência; não dirão tudo a todos, aguardando, antes de semear, que a terra esteja pronta para receber a semente que a fará frutificar. Eis por que certas verdades que nos são ensinadas hoje não o foram aos nossos pais, que também interrogavam os Espíritos; eis por que as verdades, para as quais ainda não estamos maduros, só serão ensinadas aos que vierem depois de nós. Nosso equívoco está em nos julgarmos chegados ao cume da escada, quando apenas nos achamos na metade do caminho. Digamos, de passagem, que os Espíritos têm duas maneiras de instruir os homens. Tanto podem fazê-lo comunicando-se diretamente, o que tem ocorrido em todos os tempos, como o provam todas as histórias sagradas e profanas, quanto se encarnando entre eles, para o desempenho das missões de progresso. Tais são esses homens de bem e de gênio, que aparecem de tempos em tempos, como fachos para a Humanidade, fazendo-a avançar alguns passos. Vede o que acontece, quando esses mesmos homens vêm antes do tempo propício para as ideias que devem espalhar: são desconhecidos em vida, mas seus ensinos não ficam perdidos. Depositados nos arquivos do mundo, como um grão precioso posto de reserva, um belo dia levanta da poeira, no momento em que pode frutificar. Desde então, compreende-se que, se o tempo requerido para disseminar certas ideias não houver ainda chegado, será em vão que interrogaremos os Espíritos. Eles só podem dizer o que lhes é permitido. Mas também há outra razão, que compreendem perfeitamente todos os que têm alguma experiência do mundo espírita. Não basta ser Espírito para possuir a ciência universal; do contrário, a morte nos tornaria quase iguais a Deus. Aliás, o simples bom-senso recusa-se a admitir que o Espírito de um selvagem, de um ignorante ou de um malvado, desde que desprendido da matéria, esteja no nível do sábio ou do homem de bem. Isto não seria racional. Há, pois, Espíritos adiantados, e outros mais ou menos atrasados, que devem vencer diversas etapas e passar por numerosas peneiras, antes de se despojarem de todas as suas imperfeições. Disso resulta que no mundo dos Espíritos são encontradas todas as variedades morais e intelectuais existentes entre os homens e outras mais. Ora, prova a experiência que os maus se comunicam tão bem quanto os bons. Os que são francamente maus são facilmente reconhecíveis; mas há também, entre eles, semi-sábios, pseudo-sábios, presunçosos, sistemáticos e até hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma aparência de gravidade, de sabedoria e de ciência, em favor da qual enunciam, em meio a algumas verdades e boas máximas, as coisas mais absurdas. E, para melhor enganar, não receiam adornar-se com os mais respeitáveis nomes. Separar o verdadeiro do falso, descobrir o embuste escondido numa exibição de palavras bonitas, desmascarar os impostores, eis, sem contradita, uma das maiores dificuldades da ciência espírita. Para superá-la, faz-se necessária uma longa experiência, conhecer todas as astúcias de que são capazes os Espíritos de baixa classe, ter muita prudência, ver as coisas com o mais imperturbável sangue-frio e, sobretudo, guardar-se contra o entusiasmo que cega. Com o hábito e um pouco de tato chega-se facilmente a desmascará-los, mesmo sob a ênfase da mais pretensiosa linguagem. Mas, infeliz do médium que se julga infalível, que se ilude com as comunicações que recebe: O Espírito que o domina pode fasciná-lo a ponto de fazê-lo achar sublime aquilo que, muitas vezes, é apenas absurdo e salta aos olhos de todos, menos aos seus.

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