Admitida a realidade da
existência e comunicabilidade dos Espíritos desencarnados, os comportamentos
variam conforme o grau de conhecimentos dos que
se servem desse procedimento. Devemos crer
cegamente na opinião e revelações deles? Afinal, como inteligências
desprendidas da matéria não podem remover todas as dúvidas da Ciência e
projetar luz onde reina a obscuridade? As
respostas, Allan Kardec oferece em matéria contida na edição de abril
de 1860 da REVISTA ESPÍRITA. Escreve ele: - Isto é uma questão muito grave,
que se liga à própria base do Espiritismo, e que não poderíamos resolver neste
momento sem repetir o que já temos dito a respeito. Assim, aditaremos apenas
algumas palavras, a fim de justificar nossas reservas. Para começar,
responderemos que nos tornaríamos sábios com muita facilidade se cuidássemos
tão-somente de interrogar os Espíritos para conhecer tudo quanto ignoramos.
Querendo Deus que adquiríssemos a ciência pelo trabalho, por isso mesmo não
encarregou os Espíritos de no-la trazer pronta e acabada, favorecendo a nossa
preguiça. Em segundo lugar a Humanidade, como os indivíduos, tem a sua
infância, sua adolescência, sua juventude e sua virilidade. Os Espíritos,
encarregados por Deus de instruir os homens, devem, pois, proporcionar-lhes
ensinos para o desenvolvimento da inteligência; não dirão tudo a todos,
aguardando, antes de semear, que a terra esteja pronta para receber a semente
que a fará frutificar. Eis por que certas verdades que nos são ensinadas hoje
não o foram aos nossos pais, que também interrogavam os Espíritos; eis por que
as verdades, para as quais ainda não estamos maduros, só serão ensinadas aos
que vierem depois de nós. Nosso equívoco está em nos julgarmos chegados ao cume
da escada, quando apenas nos achamos na metade do caminho. Digamos, de
passagem, que os Espíritos têm duas maneiras de instruir os homens. Tanto podem
fazê-lo comunicando-se diretamente, o que tem ocorrido em todos os tempos, como
o provam todas as histórias sagradas e profanas, quanto se encarnando entre
eles, para o desempenho das missões de progresso. Tais são esses homens de bem
e de gênio, que aparecem de tempos em tempos, como fachos para a Humanidade,
fazendo-a avançar alguns passos. Vede o que acontece, quando esses mesmos
homens vêm antes do tempo propício para as ideias que devem espalhar: são
desconhecidos em vida, mas seus ensinos não ficam perdidos. Depositados nos
arquivos do mundo, como um grão precioso posto de reserva, um belo dia levanta
da poeira, no momento em que pode frutificar. Desde então, compreende-se que,
se o tempo requerido para disseminar certas ideias não houver ainda chegado,
será em vão que interrogaremos os Espíritos. Eles só podem dizer o que lhes é
permitido. Mas também há outra razão, que compreendem perfeitamente todos os
que têm alguma experiência do mundo espírita. Não basta ser Espírito para
possuir a ciência universal; do contrário, a morte nos tornaria quase iguais a
Deus. Aliás, o simples bom-senso recusa-se a admitir que o Espírito de um
selvagem, de um ignorante ou de um malvado, desde que desprendido da matéria,
esteja no nível do sábio ou do homem de bem. Isto não seria racional. Há, pois,
Espíritos adiantados, e outros mais ou menos atrasados, que devem vencer
diversas etapas e passar por numerosas peneiras, antes de se despojarem de
todas as suas imperfeições. Disso resulta que no mundo dos Espíritos são
encontradas todas as variedades morais e intelectuais existentes entre os
homens e outras mais. Ora, prova a experiência que os maus se comunicam tão bem
quanto os bons. Os que são francamente maus são facilmente reconhecíveis; mas
há também, entre eles, semi-sábios, pseudo-sábios, presunçosos, sistemáticos e
até hipócritas. Estes são os mais perigosos, porque afetam uma aparência de
gravidade, de sabedoria e de ciência, em favor da qual enunciam, em meio a
algumas verdades e boas máximas, as coisas mais absurdas. E, para melhor
enganar, não receiam adornar-se com os mais respeitáveis nomes. Separar o
verdadeiro do falso, descobrir o embuste escondido numa exibição de palavras
bonitas, desmascarar os impostores, eis, sem contradita, uma das maiores
dificuldades da ciência espírita. Para superá-la, faz-se necessária uma longa
experiência, conhecer todas as astúcias de que são capazes os Espíritos de
baixa classe, ter muita prudência, ver as coisas com o mais imperturbável
sangue-frio e, sobretudo, guardar-se contra o entusiasmo que cega. Com o hábito
e um pouco de tato chega-se facilmente a desmascará-los, mesmo sob a ênfase da
mais pretensiosa linguagem. Mas, infeliz do médium que se julga infalível, que
se ilude com as comunicações que recebe: O Espírito que o domina pode
fasciná-lo a ponto de fazê-lo achar sublime aquilo que, muitas vezes, é apenas
absurdo e salta aos olhos de todos, menos aos seus.
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