Escolas religiosas tradicionais o veem
como uma forma de isenção das culpas com que o Ser mergulha em processos
depressivos ou afasta-se das venturas imaginadas no pós vida. Na continuidade o
professor José
Benevides Cavalcante (FUNDAMENTOS
DA DOUTRINA ESPÍRITA, eme) oferece a visão do Espiritismo sobre o tema a
partir dos argumentos lógicos de um leitor que diz: -Uma
coisa, que não me convence, é o tal do arrependimento, porque existem pessoas
que vivem uma vida descompromissada, fazem e aprontam, prejudicam os outros,
chegam até a cometer crimes bárbaros e, depois, se penitenciam diante de uma
igreja, acreditando que obtiveram o perdão e alcançaram a salvação, só porque
passam a dizer que aceitam Jesus. Eu me pergunto como pode ser isso? Onde está
o princípio da justiça? Será que Deus vai proteger somente aqueles que se dizem
arrepender de seus pecados, depois de terem feito tanto mal? Como ficam suas
contas passadas? E o mal que fizeram? Será que a fé é suficiente para apagar
tudo isso, deixando vítimas amarguradas e revoltadas e prejuízos sem acerto de
contas? Neste caso, seria vantajoso ser mal até o último dia e depois se
arrepender. Gostaria de ter uma explicação sobre isso. O seu
raciocínio está correto e bem colocado; na própria pergunta você já deu a
resposta que procura. O Espiritismo traz no seu bojo o mais perfeito senso de
justiça, que já se formulou em todas as épocas da Humanidade, tirado justamente
da concepção ampla e profunda de Jesus sobre a vida moral. Não foi por outro
motivo que o jurista cubano Fernando Ortiz, estudando pormenorizadamente Allan
Kardec, lançou a obra "A FILOSOFIA PENAL DOS ESPÍRITAS" (Editora LAKE, S. Paulo), que merece ser
lida não apenas por conhecedores do Direito, mas por todas as pessoas que
querem penetrar mais a fundo o aspecto moral da Doutrina. Na obra espírita, os
conceitos de culpa e mérito são fundamentais. Se somos seres dotados de vontade
própria, se podemos aprender a dominar as nossas emoções e sentimentos, se
temos capacidade de decidir, é porque Deus nos permitiu, caminhando pelos
próprios pés, construir a vida que pretendemos, pelos caminhos que mais nos
aprouver e, assim, assumir as consequências de nossos atos ou omissões, sempre
respondendo por eles. O arrependimento ( conforme podemos ler na questão 990 e
seguintes de O LIVRO DOS ESPÍRITOS é o primeiro passo da consciência que amadureceu, mas
não representa, por mais sincero que seja, a quitação definitiva das
"dívidas" contraídas ao longo de nossa experiência e, muito menos, a
conquista do céu: cada um deve responder pelo que fez ou deixou de fazer. O
perdão de Deus consiste nas oportunidades REPARAÇÃO dos prejuízos causados,
etapa que vem depois do ARREPENDIMENTO, para quitar definitivamente a
"dívida", ou contra pessoas ou contra a coletividade. Para o Espírito
em evolução, o maior sofrimento sempre virá a partir do momento em que ele se
arrepender do mal que fez ou do Bem que deixou de fazer (amadurecimento
espiritual) , em forma de sentimento de culpa ou remorso, de modo que as contas
a serem prestadas ou o tribunal que o julga não estão propriamente em Deus ou
na pessoa de algum Juiz Supremo, mas na sua própria consciência que, cedo ou
tarde, vai exigir e conseguir dele o retorno à vida para quitar dívida por
dívida, para reparar prejuízo por prejuízo, de alguma forma, em algum tempo ou
lugar. Portanto, a doutrina do arrependimento, aliado à fé, como meta única de
salvação, sem a necessidade da reparação, é profundamente falha, porque não
conserta a situação, não recupera o delinquente e não o coloca, portanto, em
condições de compartilhar dos ideais superiores da vida num reino de amor e
justiça, como aquele a que Jesus tanto se referiu.
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