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sábado, 30 de dezembro de 2017

ESPÍRITO DESENCARNADO TEM FOME?

Preso a rotinas diárias que incluem refeições objetivando a sustentação do corpo físico de que se serve ao longo de uma encarnação, o Espírito após a morte se livra facilmente desses condicionamentos? A resposta pode ser encontrada em matéria publicada por Allan Kardec no número de junho de 1868 da REVISTA ESPÍRITA. Partindo de notícia publicada no Journal de Sétif, de 23 de abril, tratando do necrológio que publicou sobre padre Sr. Bizet da cidade de Sétif, na Bélgica, destacando que não faltou nenhum habitante da localidade; estando as diferentes religiões reunidas e misturadas para dizer um adeus a ele, os árabes, representados por alcaides e magistrados muçulmanos; os israelitas pelo rabino e os principais notáveis dentre eles; os protestantes por seu pastor, lá estavam, Evocado na Sociedade Espírita de Paris, ele revelou um dado curioso: o reencontro com vários concidadão mortos em epidemia de cólera que se abateu sobre a região, implorando por comida. Comentando a informação que induziu a duvida natural sobre a fome dos espíritos desencarnados, Kardec comenta: – “A quem quer que não conheça a verdadeira constituição do Mundo Invisível, parecerá estranho que Espíritos, que segundo eles são seres abstratos, imateriais, indefinidos, sem corpo, sejam vítimas dos horrores da fome; mas o espanto cessa quando se sabe que esses mesmos Espíritos são seres como nós; que têm um corpo, fluídico é verdade, mas que não deixa de ser matéria; que, deixando seu invólucro carnal, certos Espíritos continuam a vida terrestre com as mesmas vicissitudes, durante um tempo mais ou menos longo. Isto parece singular, mas é, e a observação nos ensina que tal é a situação dos Espíritos que viveram mais a vida material do que a vida espiritual, situação por vezes terrível, porque a ilusão das necessidades da carne se faz sentir, e se tem todas as angústias de uma necessidade impossível de satisfazer. O suplício mitológico de Tântalo, nos Antigos, acusa um conhecimento mais exato do que se supõe, do estado do Mundo de além-túmulo, sobretudo mais exato que entre os modernos. Completamente diversa é a posição dos que, desde esta vida, se desmaterializaram pela elevação de seus pensamentos e sua identificação com a vida futura. Todas as dores da vida corporal cessam com o último suspiro e logo o Espírito plana, radioso, no Mundo Etéreo, feliz como o prisioneiro liberto de suas cadeias. Quem nos disse isto? É um sistema, uma teoria? Alguém disse que deveria ser assim e se acredita sob palavra? Não; são os próprios habitantes do mundo invisível que o repetem em todos os pontos do globo, para ensinamento dos encarnados. Sim, legiões de Espíritos continuam a vida corporal com suas torturas e suas angústias. Mas quais? Os que ainda estão muito avassalados à matéria para dela se desprenderem instantaneamente. É uma crueldade do Ser Supremo? Não; é uma lei da Natureza, inerente ao estado de inferioridade dos Espíritos e necessária ao seu adiantamento; é um prolongamento misto da vida terrena durante alguns dias, alguns meses, alguns anos, conforme o estado moral dos indivíduos. Estariam aptos para tachar de barbárie essa legislação, aqueles que preconizam o dogma das penas eternas, irremissíveis, e as chamas do inferno como um efeito da soberana justiça? Podem eles fazer um paralelo entre a situação temporária, sempre subordinada à vontade do indivíduo de progredir, e a possibilidade de avançar por novas encarnações? Aliás, não depende de cada um escapar a essa vida intermediária, que, francamente, nem é a vida material, nem a vida espiritual? Os espíritas a ela escapam naturalmente, porque, compreendendo o estado do mundo espiritual antes de nele entrar, imediatamente se dão conta de sua situação. As evocações nos mostram uma multidão de Espíritos que ainda se julgam deste mundo: suicidas, supliciados que não suspeitam que estão mortos e sofrem o seu gênero de morte; outros que assistem ao próprio enterro, como se fosse o de um estranho; avarentos que guardam seus tesouros, soberanos que julgam mandar ainda e que ficam furiosos por não serem obedecidos; depois de grandes desastres marítimos, náufragos que lutam contra o furor das ondas; após uma batalha, soldados que se batem; e, ao lado disto, Espíritos radiosos, que nada mais têm de terrestre e são para os encarnados o que a borboleta é para a lagarta. Pode perguntar-se para que servem as evocações, quando nos dão a conhecer, até nos mais ínfimos detalhes, esse Mundo que nos espera a todos, ao sairmos deste? É a Humanidade encarnada que conversa com a Humanidade desencarnada; o prisioneiro que fala com o homem livre. Não, por certo elas nada servem ao homem superficial que nisto só vê um divertimento; elas não lhe servem mais do que a física e a química recreativas para a sua instrução. Mas para o filósofo, observador sério, que pensa no amanhã da vida, é uma grande e salutar lição; é todo um mundo novo que se descobre; é a luz lançada sobre o futuro; é a destruição dos preconceitos seculares sobre a alma e a vida futura; é a sanção da solidariedade universal que liga todos os seres. Dirão que se pode ser enganado; sem dúvida, como se o pode sobre todas as coisas, mesmo as que se vê e se toca; tudo depende da maneira de observar. O quadro que apresenta o cura Bizet nada tem, pois, de estranho; vem, ao contrário, confirmar, por mais um grande exemplo, o que já se sabia; e, o que afasta toda ideia de reflexão de pensamentos, é que o fez espontaneamente, sem que ninguém pensasse em chamar sua atenção sobre aquele ponto. Por que, então, teria vindo dizer, sem que se lhe perguntasse, se aquilo era assim ou não? Sem dúvida a isto foi levado para a nossa instrução. Aliás, toda a comunicação traz um cunho de gravidade, de sinceridade e de modéstia, que é bem o seu caráter e que não é próprio dos Espíritos mistificadores. 

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