Afinal, Jesus teria vivido
sua existência em nossa Dimensão com um corpo igual ao nosso ou fluídico como
defendem alguns? Há os que acreditam que não, que seria um corpo fluídico e,
portanto ele não teria experimentado todo o sofrimento imaginado. Como a Doutrina
Espírita se posiciona sobre a questão? Na REVISTA
ESPÍRITA, setembro de 1867, Allan Kardec desenvolve alguns
argumentos interessantes a partir de um questionamento a propósito: O Espiritismo não é contrário à crença dogmática relativa à
natureza do Cristo e, neste caso, pode-se dizer o complemento do Evangelho, se
o contradiz? A solução desta questão não toca apenas de maneira
acessória o Espiritismo, que não deve preocupar-se com dogmas particulares de
tal ou qual religião. Simples doutrina filosófica, não se apresenta como
campeão, nem como adversário sistemático de nenhum culto, deixando a cada um a
sua crença. A questão da natureza do Cristo é capital do ponto de vista cristão.
Não pode ser tratada levianamente, e não são as opiniões pessoais, nem dos
homens, nem dos Espíritos, que a podem decidir. Em assunto semelhante, não
basta afirmar ou negar, é preciso provar. Ora, de todas as razões alegadas a
favor ou contra, nenhuma há que não seja mais ou menos hipotética, visto que
todas são questionáveis. Os materialistas não viram a coisa senão com os olhos
da incredulidade e a ideia preconcebida da negação; os teólogos, com os olhos
da fé cega, e a ideia preconcebida da afirmação; nem uns, nem outros estavam em
condições necessárias de imparcialidade; interessados em sustentar sua opinião,
só viram e buscaram o que a ela poderia ser favorável e fecharam os olhos ao
que lhe podia ser Se, desde que a questão foi agitada, ainda não foi resolvida
de maneira peremptória, é que faltaram elementos, os únicos que lhe podiam dar
a chave, absolutamente como faltava aos sábios da antiguidade o conhecimento
das leis da luz, para explicar o fenômeno do arco-íris. O Espiritismo é neutro
nesta questão; não está mais interessado numa solução do que na outra; marchou
sem isto e marchará ainda, seja qual for o resultado; colocado fora dos dogmas
particulares, não é para ele questão de vida ou de morte. Quando a abordar, apoiando
todas as suas teorias nos fatos, resolvê-la-á pelos fatos, e em tempo oportuno;
se tivesse urgência, ela já estaria resolvida. Os elementos de uma solução hoje
estão completos, mas o terreno ainda não está preparado para receber a semente.
Uma solução prematura, fosse qual fosse, encontraria muita oposição de parte a
parte, e o Espiritismo perderia mais partidários do que os conquistaria. Eis
por que a prudência nos impõe o dever de nos abstermos de toda polêmica sobre o
assunto, até que estejamos certos de poder colocar o pé em terra firme.
Enquanto se espera, deixemos que discutam os prós e os contras fora do
Espiritismo, sem nisto tomar parte, deixando que os dois partidos esgotem seus
argumentos. Quando o momento for propício, levaremos para a balança, não a
nossa opinião pessoal, que não tem nenhum peso, nem pode fazer lei, mas fatos
até este momento não observados, e então cada um pode julgar com conhecimento
de causa. Tudo quanto podemos dizer, sem prejulgar a questão, é que a solução,
em qualquer sentido em que for dada, não contradirá nem os atos, nem as
palavras do Cristo, mas, ao contrário, os confirmará, elucidando-os. Portanto,
aos que nos perguntam o que diz o Espiritismo sobre a natureza do Cristo,
respondemos invariavelmente: “É uma questão de
dogma, estranha ao objetivo da doutrina.” O objetivo que todo espírita deve perseguir, se quiser merecer
esse título, é o seu próprio melhoramento moral. Sou melhor do que o era?
Corrigi-me de algum defeito? Fiz o bem ou o mal ao próximo? Eis o que todo
espírita sincero e convicto deve se perguntar. Que importa saber se o Cristo
era Deus, ou não, se se é sempre egoísta, orgulhoso, ciumento, invejoso,
colérico, maledicente, caluniador? A melhor maneira de honrar o Cristo é
imitá-lo em sua conduta. Fazendo o contrário do que ele diz, quanto mais se o
eleva no pensamento, menos se é digno dele e mais se o insulta e profana. O
Espiritismo diz aos seus adeptos: “Praticai as
virtudes recomendadas pelo Cristo e sereis mais cristãos do que muitos que se
fazem passar como tais.” Aos católicos, protestantes e outros,
ele diz: “Se temeis que o Espiritismo perturbe a vossa
consciência, não vos ocupeis dele.” Dirige-se
apenas aos que a ele vêm livremente, e dele necessitam. Não se dirige aos que
têm uma fé qualquer e que esta fé basta, mas aos que não a têm ou que duvidam,
e lhes dá a crença que lhes falta, não mais particularmente a do catolicismo,
do protestantismo, do judaísmo ou do islamismo, mas a crença fundamental, base
indispensável de toda religião. Aí termina o seu papel. Estabelecida esta base,
cada um é livre para seguir a rota que melhor satisfaça à sua razão.
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