Na edição de junho
de 1866 da REVISTA ESPÍRITA,
encontramos matéria onde Allan Kardec fala de uma reveladora
experiência que vivenciou meses antes prenunciando fato que o futuro
consagraria. Conta ele: Durante a
última doença que tivemos no mês de abril de 1866, estávamos sob o império de
uma sonolência e de um arrebatamento quase contínuos; nesses momentos
sonhávamos constantemente coisas insignificantes, às quais não prestávamos a mínima
atenção. Mas na noite de 24 de abril a visão ofereceu um caráter tão particular
que ficamos vivamente impressionados. Num lugar que nada lembrava à nossa
memória e que se parecia com uma rua, havia uma reunião de indivíduos que
conversavam; nesse número só alguns nos eram conhecidos em sonho, mas sem que
os pudéssemos designar pelo nome. Considerávamos a multidão e procurávamos
captar o assunto da conversa quando, de repente, apareceu no canto de uma
muralha, uma inscrição em letras pequenas, brilhantes como fogo, e que nos
esforçamos por decifrar. Estava assim concebida: “Descobrimos que a borracha
enrolada sob a roda faz uma légua em dez minutos, desde que a estrada...”
Enquanto procurávamos o fim da frase, a inscrição apagou-se pouco a pouco e nós
acordamos. Temendo esquecer estas palavras singulares, apressamo-nos em as
transcrever. Qual podia ser o sentido dessa visão, que nada, absolutamente, em
nossos pensamentos e em nossas preocupações podia ter provocado? Não nos
ocupando nem de invenções, nem de pesquisas industriais, isto não podia ser um
reflexo de nossas ideias. Depois, que podia significar essa borracha que,
enrolada sob uma roda, fazia uma légua em dez minutos? Era a revelação de
alguma nova propriedade dessa substância? Seria ela chamada a representar um
papel na locomoção? Queriam pôr-nos no caminho de uma descoberta? Mas, então,
por que se dirigir a nós, e não a homens especiais, em condições de fazer os
estudos e as experiências necessárias? Contudo, o sonho era muito
característico, muito especial, para ser arrolado entre os sonhos de fantasia;
devia ter um objetivo; qual? É o que procurávamos inutilmente. Durante o dia,
tendo tido ocasião de consultar o Espírito do amigo Dr. Demeure sobre nossa
saúde, aproveitamos para lhe pedir que nos dissesse se o sonho apresentava algo
de sério. Eis o que ele respondeu: “(..) O caráter dos sonhos se liga, mais do
que se pensa, à natureza da doença. É um estudo a fazer, e os médicos aí
encontrarão muitas vezes diagnósticos preciosos, quando reconhecerem a ação
independente do Espírito e o papel importante que representa na economia. Se o
estado do corpo reage sobre o Espírito, por seu lado o estado do Espírito
influi poderosamente sobre a saúde e, em certos casos, é tão útil agir sobre o
Espírito quanto sobre o corpo. (...) O sonho que me revelais, do qual
guardastes uma lembrança tão nítida, parece-me pertencer a outra categoria. Ele
contém um fato notável e digno de atenção; certamente foi motivado, mas
presentemente eu não vos poderia dar uma explicação satisfatória; só poderia
dar-vos a minha opinião pessoal, de que não estou muito seguro. Tomarei minhas
informações em boa fonte, e amanhã vos comunicarei o que tiver aprendido.
No dia seguinte ele nos deu esta explicação: “O que vistes no sonho que me
encarreguei de vos explicar não é uma dessas imagens fantásticas, provocadas
pela doença; é, realmente, uma manifestação, não de Espíritos desencarnados,
mas de Espíritos encarnados. Sabeis que no sono podemos nos encontrar com
pessoas conhecidas ou desconhecidas, mortas ou vivas. Foi este último caso que
se deu naquela circunstância. Os que vistes são encarnados que, de forma
isolada e sem se conhecerem, ocupam-se de invenções tendentes a aperfeiçoar os
meios de locomoção, anulando, tanto quanto possível, o excesso de despesa
causada pelo desgaste dos materiais hoje em uso. Uns pensaram na borracha,
outros em outros materiais; mas o que há de particular é que quiseram chamar a
vossa atenção, como assunto de estudo psicológico, sobre a reunião, num mesmo
local, de Espíritos de diversos homens, perseguindo o mesmo objetivo. A
descoberta não tem relação com o Espiritismo; é apenas o conciliábulo dos
inventores que vos quiseram mostrar, e a inscrição não tinha outra finalidade
senão especificar, aos vossos olhos, o objetivo principal de sua preocupação,
pois há alguns que procuram outras aplicações para a borracha. Ficai persuadido
de que assim o é muitas vezes, e que quando vários homens descobrem ao mesmo
tempo, quer uma nova lei, quer um novo corpo, em diferentes pontos do Globo,
seus Espíritos estudaram a questão em conjunto, durante o sono e, ao despertar,
cada um trabalha por seu lado, tirando proveito do fruto de suas observações. Notai
bem que aí estão ideias de encarnados, e que nada prejulgam quanto ao mérito da
descoberta. Pode ser que de todos esses cérebros em ebulição saia algo de útil,
como é possível que só saiam quimeras. Desnecessário dizer que seria inútil interrogar
os Espíritos a respeito; sua missão, como dissestes em vossas obras, não é
poupar ao homem o trabalho das pesquisas, trazendo-lhe invenções acabadas, que
seriam outros tantos estímulos à preguiça e à ignorância. Nesse grande torneio
da inteligência humana, cada um aí entra por conta própria e a vitória é do
mais hábil, do mais perseverante, do mais corajoso”. P. – Que
pensar das descobertas atribuídas ao acaso? Algumas não são fruto de nenhuma
pesquisa? Resp. – Bem sabeis que não existe acaso; as coisas
que vos parecem as mais fortuitas têm sua razão de ser, pois se deve contar com
as inumeráveis inteligências ocultas que presidem a todas as partes do
conjunto. Se for chegado o momento de uma descoberta, seus elementos são
divulgados por essas mesmas inteligências; vinte homens, cem homens passarão ao
lado sem a notar; um só fixará a atenção. O fato, insignificante para a
multidão, para ele é um rastro de luz; encontrá-lo não era tudo, o essencial
era saber empregá-lo. Não foi o acaso que o pôs sob os olhos, mas os Espíritos
bons que lhe disseram: Olha, observa e aproveita, se queres. Depois ele mesmo,
nos momentos de liberdade de seu Espírito, durante o sono do corpo, pôde ser
posto no caminho e, ao despertar, instintivamente, dirige-se ao local onde deve
encontrar a coisa que, por sua inteligência, está chamado a fazer frutificar.
Não; não há acaso: tudo é inteligente na Natureza.
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