Da figura austera e
quase humana apresentada por Moisés e desta ao Pai Nosso de Jesus até a Inteligência
Suprema do Universo, inúmeros séculos se passaram e a Humanidade terrena
avançou um pouco em inteligência. Duvidas persistem ainda para aqueles que o
tentam entender de forma abstrata. Na sequência dua das questões mais comuns: Considerando a evolução sujeita à Leis Eternas, Deus as pode
derrogar para anuir aos pedidos que lhe são feitos? Deus não altera nem suspende para ninguém o
curso das leis que regem o Universo. Sem isto a ordem da Natureza
seria incessantemente perturbada pelo capricho do primeiro que chegasse. É,
pois, certo que toda prece que não pudesse ser atendida senão por uma
derrogação destas leis ficaria sem efeito. Tal
seria, por exemplo, a que tivesse por objetivo a volta à vida de um homem
realmente morto, ou o restabelecimento da saúde se a desordem do organismo é
irremediável. Não é menos certo que nenhuma
atenção é dada aos pedidos fúteis ou inconsiderados. Mas
ficai persuadidos de que toda prece pura e desinteressada é ouvida e que é
sempre levada em conta a intenção, mesmo quando Deus, em sua sabedoria,
julgasse a propósito não a atender; é sobretudo então que deveis dar prova de
humildade e de submissão à sua vontade, dizendo a vós mesmos que melhor do que
vós ele sabe o que vos pode ser útil. Há, sem dúvida, leis gerais
a que o homem está fatalmente submetido; mas é erro crer que as menores
circunstâncias da vida estejam fixadas de antemão de maneira irrevogável; se
assim fosse, o homem seria uma máquina sem iniciativa e, por conseguinte, sem
responsabilidade. O
livre-arbítrio é uma das prerrogativas do homem; desde que é livre para ir à
direita ou à esquerda, de agir conforme as circunstâncias, seus movimentos não
são regulados como os de uma máquina. Conforme faz ou não faz uma
coisa e conforme a faz de uma maneira ou de outra, os acontecimentos que disso
dependem seguem um curso diferente; visto que são subordinados à decisão do
homem, não estão submetidos à fatalidade. Os
que são fatais são os que são independentes de sua vontade; mas, todas as vezes
que o homem pode reagir em virtude de seu livre-arbítrio, não há fatalidade. O
homem tem, pois, um círculo, dentro do qual pode mover-se livremente. Esta liberdade de ação tem por limites as
leis da Natureza, que ninguém pode transpor; ou, melhor dizendo, esta
liberdade, na esfera da atividade em que se exerce, faz parte dessas leis; é
necessária e é por ela que o homem é chamado a concorrer para a marcha geral
das coisas; e como ele o faz livremente, tem o mérito do que fez de bem e o
demérito do que fez de mal, de sua indolência, de sua negligência, de sua
inatividade. (RE; 5/1865) Então
como acreditar que Deus pode atender aos rogos da criatura humana? As flutuações que sua vontade
pode imprimir aos acontecimentos da vida de modo algum perturbam a harmonia
universal, pois essas mesmas flutuações faziam parte das provas que incumbem ao
homem na Terra. No limite das coisas que dependem
da vontade do homem, Deus pode, pois, sem derrogar suas leis, anuir a uma
prece, quando é justa, e cuja realização pode ser útil; mas acontece muitas
vezes que ele julga a sua utilidade e a sua oportunidade de modo diverso que
nós, razão por que nem sempre aquiesce. Se lhe aprouver atendê-la, não é
modificando seus decretos soberanos que o fará, mas por meios que não saem da
ordem geral, se assim nos podemos exprimir. Os Espíritos, executores de sua
vontade, são então encarregados de provocar as circunstâncias que devem levar
ao resultado desejado. Quase sempre esse resultado
requer o concurso de algum encarnado; é, pois, esse concurso que os Espíritos
preparam, inspirando os que devem nele cooperar o pensamento de uma ação,
incitando-os a ir a um ponto e não a um outro, provocando encontros propícios
que parecem devidos ao acaso. Ora, o acaso não existe nem na
assistência que se recebe, nem nas desgraças que se experimenta. Nas
aflições, a prece não só é uma prova de confiança e de submissão à vontade de
Deus, que a escuta, se for pura e desinteressada, mas ainda tem por efeito,
como sabeis, estabelecer uma corrente fluídica que leva longe, no espaço, o
pensamento do aflito, como o ar leva os acentos de sua voz. Este
pensamento repercute nos corações simpáticos ao sofrimento e estes, por um
movimento inconsciente e como atraídos por um poder magnético, dirigem-se para
o lugar onde sua presença pode ser útil. Deus, que quer socorrer aquele
que o implora, sem dúvida poderia fazê-lo por si mesmo, instantaneamente, mas,
como eu disse, ele não faz milagres, e as coisas devem seguir seu curso
natural; ele quer que os homens pratiquem a caridade, socorrendo-se uns aos
outros. Por
seus mensageiros, o lamento que encontra eco é levado até ele e lá os Espíritos
bons insuflam um pensamento benévolo. Embora provocado, este pensamento
deixa ao homem toda a sua liberdade, por isto mesmo que sua fonte é
desconhecida; nada o constrange; ele tem, por conseguinte, todo o mérito da
espontaneidade, se ceder à voz íntima que nele faz apelo ao sentimento do
dever, e todo o demérito se resistir, porque dominado por uma indiferença
egoísta. (RE; 5/1865)
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