Na sequência, o professor José Benevides Cavalcante (FUNDAMENTOS DA DOUTRINA ESPÍRITA, eme) esclarece duvidas de nossos
leitores. HUMILDADE E TOLERÂNCIA "Que ensinamento Jesus quis transmitir quando disse: Se alguém
quer vos constranger a fazer mil passos com ele, fazei ainda dois mil?" A
Doutrina de Jesus é de ordem moral. Ele se preocupou
basicamente com a convivência humana. Com isso,
ele mudou muito da tradição religiosa do povo
hebreu que, até então, se preocupava quase que
exclusivamente com a adoração a Deus. Para
Jesus, não haveria adoração sem ação, ou seja,
não é possível amar a Deus se não amar o
próximo. Amar ao próximo, em última instância, é
fazer o bem àqueles que estão mais próximos de nós.
Para se fazer entendido, Jesus usou de imagens
fortes, que serviam para impressionar mais
profundamente a alma do povo. E foi, através
dessa técnica, que ele proferiu o Sermão da
Montanha (conforme podemos ler nos capítulos 5,
6 e 7 do Evangelho de Mateus). É no SERMÃO
DA MONTANHA - dirigindo-se
ao povo em geral - que Jesus proferiu essa frase
("Se alguém vos obrigar a andar mil passos com
ele, andai mais dois mil"). À primeira vista,
parece que Jesus estava dizendo para que cedêssemos
sempre, mais ainda do que fôssemos obrigados a
ceder, no caso de sermos constrangidos. Mas não
é ao pé da letra que o Espiritismo interpreta a
fala de Jesus. Em O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, Kardec faz
importantes considerações a respeito. Se formos
observar literalmente o que está escrito, teremos
que entregar o mundo aos maus, para que eles o
dominem por completo. A imagem, que Jesus usa
nessa expressão (ou a que a ele foi atribuída) é
para causar impacto, para evitar que nossa
resistência ao mal seja tão agressiva e violenta
que se transforme numa vingança ou num ato
condenável ou criminoso. Falando assim, Jesus
está ensinando a humildade e o bom senso, uma
vez que a nossa reação ao mal pode, muitas
vezes, ser pior do que a própria ação que nos
queria prejudicar. Os hebreus cometeram
atrocidades, inúmeras vezes, em nome de Deus, a
pretexto de estarem defendendo o bem e a
justiça. Apesar desses ensinamentos do Evangelho,
os cristãos também lançaram mão da intolerância
e da violência (por ocasião da Inquisição e das Cruzadas,
por exemplo), quando, em nome de Jesus, derramaram
muito sangue e causaram profundos sofrimentos. EVOLUÇÃO E RESPONSABILIDADE "Na sua primeira encarnação
humana, o Espírito não tem nenhum grau de responsabilidade?” A evolução
é um processo permanente e tão lento, que é
impossível precisar, mesmo do ponto de vista
biológico, em que momento o homem surgiu sobre
face na Terra. Sabemos que essa transição entre
os antropóides (animais parecidos com o homem) e
o Ser humano deve ter ocorrido há milhões de
anos atrás, mas, cientificamente, não há como
estabelecer um marco preciso. O mesmo podemos
dizer em relação ao Espírito, ou seja, em que
momento o individuo passa da condição animal
para a condição humana, em que momento o
Espírito ganha a consciência de si mesmo. Esse
momento, com certeza, se deu numa larga faixa de
experiências reencarnatórias, que durou milhões
de anos. Leia em Evolução em Dois Mundos, de
André Luiz. Em se tratando de fenômenos da
natureza, não existe, em nada, uma precisão matemática,
algo que possa ser determinado com exatidão.
Existem, sim, largas faixas de transição. Para
entendermos melhor esse difícil tema, vamos
estabelecer um paralelo entre a evolução da
espécie humana e a evolução do indivíduo. Por
exemplo: em que momento um indivíduo se torna
adulto? Difícil dizer. Da infância para a idade
adulta há uma longa fase de transição, que vai
se realizando no dia-a-dia, de forma que é até
possível estabelecer períodos, mas não datas ou
momentos precisos. Em que momento surge a responsabilidade
no indivíduo? Naturalmente, o desenvolvimento de conceitos morais é mais lento que o da inteligência e vai se manifestando à medida que a pessoa vai amadurecendo para a vida. Uns vão mais depressa, outros mais devagar. Logo, não dá para dizer quando ocorre a primeira encarnação humana, Cristiano. Podemos dizer, sim, que há um largo período em que o Espírito começa a despertar a sua inteligência, passando gradativamente a ter consciência de si mesmo como ser existente e como pessoa. Até hoje, os Antropólogos
procuram compreender esse processo - tanto do ponto de vista biológico (ou seja,
do desenvolvimento das características físicas do homem), como do ponto de
vista cultural. O aspecto cultural é o que mais ressalta essa mudança. Por isso,
as pesquisas giram em torno de escavações, principalmente em regiões da África,
onde foram encontrados os primeiros instrumentos e utensílios que o homem
fabricou sobre a face da Terra. Nesta fase, ele já pode ser considerado humano,
porque é capaz de criar e de construir uma cultura. É possível presumir, a partir
desse material encontrado, como o homem pensava e que tipo de vida levava.
Mesmo quando o Espírito passa à condição de humano, no seio das mais primitivas
comunidades, o despertar do que chamamos hoje de responsabilidade é algo muito
complexo e lento, que vai despertando com o tempo e com as experiências de vida
em grupo, ou seja, com a convivência. Não há como compararmos o homem atual com
o homem primitivo; a inteligência, as ideias, os conceitos morais vão se fazendo
devagar ao longo dos milênios. Podemos dizer que cada povo, cada cultura, vai desenvolvendo
o seu. Portanto, o Ser humano não surge pronto, acabado, como ele é hoje. O
homem atual é o resultado de uma experiência muito longa, que se perde nas esteiras
do tempo. Para Kardec o Adão da Bíblia já é o homem civilizado, pois ele tem
todas as características da cultura de uma Civilização. Não é o homem
primitivo, embrutecido, violento, agressivo, próximo do animal. Para que a Humanidade
chegar à condição de Adão deve ter levado mais de 10 milhões de anos. Assim sendo,
o que podemos dizer em relação à sua pergunta é o seguinte: Primeiro -
não há como precisar o momento da primeira encarnação humana; Segundo -
a noção de responsabilidade, como a temos hoje, só veio se desenvolvendo ao longo
de uma larga experiência do Espírito na condição humana; Terceiro - a
evolução não cessa, de modo que ainda hoje estamos evoluindo e desenvolvendo em
nós noções cada vez mais profundas de responsabilidade, que não é a mesma para
todos.
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