O laboratório de pesquisas em
que se transformou a Sociedade Espírita
de Paris, no sentido de obter uma amostragem significativa de informações
sobre as realidades encontradas por aqueles que retornam ao Mundo Espiritual
após o transe da chamada morte, não se prendia às evocações de personalidades
destacadas da comunidade intelectual da França ou outros países. Servindo-se de
diferentes médiuns – o equivalente ao microscópio para a realidade dos
invisíveis do plano material, segundo Allan Kardec -, o dirigente das
reuniões atendia também a pedidos a ele enviados por pessoas das mais diferentes
regiões ou condições sociais. A propósito, na edição de junho de 1861 da REVISTA ESPÍRITA ele comenta que “é um
erro supor que não haja nada a ganhar nas palestras com os Espíritos de homens
comuns e que homens ilustres sejam os únicos dos quais podem sair ensinos
proveitosos. Entre eles certamente há os muito insignificantes, mas, por vezes,
também, daqueles dos quais menos se espera, saem revelações de grande
importância para o observador sério. Há, aliás, um ponto que nos interessa
muitíssimo, porque nos toca mais de perto: a passagem, a transição da vida
atual à vida futura, passagem tão temida, que só o Espiritismo nos faz encarar
sem pavor, e que não podemos conhecer senão estudando as suas atualidades, isto
é, nos que acabam de a transpor, quer sejam ilustres, que não”. Após
tal observação, Kardec reproduz o
resultado de uma dessas evocações, ocorrida na reunião de 16 de maio de 1861,
do Marques
de Saint-Paul, que fora membro da Sociedade,
morto em 1860. Atendia solicitação de sua irmã que, embora médium, não se
sentia suficientemente treinada e segura para fazê-lo.
Informando que “tentaria
responder do melhor modo possível”, o Espírito satisfazendo a
curiosidade da irmã, explica ainda “sentir-se sob os efeitos da recente
condição de errante, estado transitório que nunca traz felicidade nem o castigo
absolutos”. Indagado se demorara para reconhecer-se na condição de
desencarnado, disse “ter estado muito tempo em perturbação, da qual só saiu para agradecer
a piedade dos que não o esqueciam e oravam por ele”, acrescentando “não
ter condição de avaliar a duração dessa perturbação”. Revelou que os
parentes que logo reconheceu foram “sua mãe e seu pai, que o receberam ao
despertar, iniciando-o na nova vida”. Sobre o fato de, no fim da doença
de que se via envolvido, parecer conversar com entes amados, explicou que isso
se dera “porque, antes de morrer, teve a revelação do mundo que ia habitar,
tornara-se vidente antes de morrer e seus olhos se velaram na passagem, na
separação definitiva do corpo, porque os laços carnais ainda eram muito fortes”.
A propósito, Kardec observa que “o fenômeno do antecipado desprendimento da
alma é muito frequente; antes de morrer muitas pessoas entrevem o mundo dos
Espíritos; é, sem dúvida, a fim de suavizar pela esperança o pesar de deixar a
vida. Mas o Espírito acrescenta que seus olhos se velaram na passagem da
separação. É um efeito que ocorre sempre. Nesse momento o Espírito perde a
consciência de si mesmo, jamais testemunha o último suspiro do corpo e a
separação se opera sem que a suspeite. As próprias convulsões da agonia são um
efeito puramente físico, cuja sensação o Espírito quase nunca experimenta.
Dizemos “quase”, porque pode acontecer que essas últimas dores lhe sejam
infligidas como punição”. Confirma na sequência se lembrar de ter “revisto
os anos jovens e puros da existência” que se encerrava –, detalhe
observado por Kardec como, provavelmente, por um motivo providencial” -.Questionado
sobre o porque nas referências a seu corpo, falava sempre na terceira pessoa,
esclareceu que “o fato de ser vidente, como dissera, sentia nitidamente as
diferenças existentes entre o físico e o espiritual. Essas diferenças, ligadas
entre si pelo fluido da vida, tornam-se bem distintas aos olhos dos agonizantes
videntes”. Kardec chama a atenção para essa particularidade apresentada
pela morte desse senhor:-“ Nos seus últimos momentos dizia sempre:
-“Ele tem sede”; “é preciso dar-lhe de beber”; “ele tem frio”; “é preciso
aquecê-lo”; “ele sofre em tal parte”,etc. E quando lhe diziam: -“Mas sois vós
que tendes sede, ele respondia: -“Não, é ele”. Aqui se desenham perfeitamente
as duas existências; o EU pensante está no Espírito e não no corpo; já em parte
despendido, o Espírito considerava seu corpo como uma outra individualidade, que,
a bem dizer, não era ele. Era, pois, ao seu corpo que deviam dar de beber, e
não a ele Espírito”. Finalizando, novamente perguntado sobre a ideia
que passava de não estar feliz, ele elucida: -“Eu estou num estado
transitório; as virtudes humanas aqui adquirem seu verdadeiro preço. Sem dúvida
meu estado é mil vezes preferível ao da encarnação terrena”...
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