A conscientização da
mediunidade como percepção natural e, portanto, comum a todas as criaturas
humanas, somada às incertezas e inseguranças da vida atual, revela pessoas que
se dizem influenciadas por Espíritos capazes de aconselhar, orientar ou mesmo
prever acontecimentos futuros relacionados àqueles a quem se dirigem. Deve-se,
contudo, crer nessas informações? Abrindo o numero de julho de 1859 da REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec reproduz
discurso preparado para o encerramento do ano social da Sociedade Espírita de Paris, no período 1858/1859. Em certo trecho, oferece elementos para
reflexões, aplicáveis inclusive a análise sobre a profusão de “revelações
espirituais” veiculadas pela grande quantidade de obras publicadas na
atualidade. Escreve ele: -“Assim como entre nós há pessoas ignorantes
e de vistas curtas, que fazem uma ideia incompleta do nosso mundo material e do
meio que lhes é próprio, também os Espíritos, cujo horizonte moral é limitado,
não podem apreender o conjunto e ainda se acham sob o império dos preconceitos
e dos sistemas. Não podem, portanto, instruir-nos sobre tudo quanto se
relaciona com o mundo espirita, do mesmo modo que um camponês não o poderia
fazer em relação à alta sociedade parisiense ou ao mundo da ciência. Seria,
pois, fazer um triste juízo do nosso raciocínio pensar que ouvimos a todos os
Espíritos como se fossem oráculos. Os Espíritos são o que são e nós não podemos
alterar a ordem das coisas. Como nem todos são perfeitos, não aceitamos suas
palavras sessão com reservas e jamais com a credulidade de crianças. Julgamos,
comparamos, tiramos consequências de nossas observações e os seus mesmos erros
constituem para nós ensinamentos, de vez que não renunciamos ao nosso
discernimento. Estas observações aplicam-se igualmente a todas as teorias científicas
que podem dar os Espíritos. Seria muito cômodo se bastasse interroga-los a fim de encontrar a ciência acabada e possuir
todos os segredos da indústria. Não conquistamos a ciência senão a custo de
trabalho e de pesquisas. A missão dos Espíritos não é livrar-nos dessa
obrigação. Alias sabemos que não só eles não sabem tudo, como sabemos que há
entre eles pseudo-sábios, assim como entre nós, os quais pensam saber aquilo
que não sabem e falam daquilo que ignoram com o mais imperturbável aprumo. Um
Espírito poderá, pois, dizer que é o Sol que gira em redor da Terra e não esta;
sua teoria não seria mais exata pelo fato de provir de um Espírito. Saibam,
pois, aqueles que nos atribuem uma credulidade tão pueril, que tomamos toda
opinião emitida por um Espírito como uma opinião pessoal; que não a aceitemos
senão depois de havê-la submetido ao controle da lógica e dos meios de
investigação fornecidos pela própria ciência espírita. Mais adiante,
acrescenta: -“O concurso dos Bons Espíritos – tal é, com efeito, a condição sem a
qual não se pode esperar a Verdade. Ora, depende de nós obter esse concurso. A
primeira condição para merecermos sua simpatia é o recolhimento e a pureza das
intenções. Os Bons Espíritos vão aonde são chamados seriamente, com fé, fervor
e confiança. Eles nem gostam de servir de experiência, nem dar espetáculo. Ao contrário,
gostam de instruir àqueles que os interrogam sem ideias preconcebidas. Os
Espíritos levianos, que se divertem de todos os modos, vão a toda parte e, de
preferência, aos lugares onde encontram uma ocasião para mistificar. Os maus
são atraídos pelos maus pensamentos e por maus pensamentos devemos compreender
todos aqueles que se não conformam com os princípios da caridade evangélica.
Assim, pois, quem quer que traga a uma reunião sentimentos contrários a esses
princípios, traz consigo Espíritos desejosos de semear a perturbação, a
discórdia e a desafeição. A comunhão de pensamentos e de sentimentos para o Bem
[é, assim, uma coisa de primeira necessidade e não é possível encontra-la num
meio heterogêneo, onde encontrassem acesso as paixões inferiores como o
orgulho, a inveja e o ciúme, os quais sempre se revelam pela malevolência e
pela acrimônea de linguagem, por mais espesso que seja o véu com que se procure
cobri-los. Eis o abc da ciência espírita.
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