A morte pôs fim aos doze anos
de vida do menino Francisco, nove dos quais marcados por sofrimento atroz.
Primeiro dos dois filhos de uma família boa e honesta, desde os três de idade,
apesar dos cuidados afetuosos de que era cercado e dos socorros da ciência,
nada foi capaz de suavizar seu contínuo sofrimento, que o atingiram. Acometido
de paralisia e de hidropsia; seu corpo mantinha-se coberto de chagas, invadidas
pela gangrena, fazendo que suas carnes caíssem em tiras. Muitas vezes, no
paroxismo da dor, ele exclamava: -“Que fiz eu, meu Deus, para merecer tanto
sofrer? Desde que estou no mundo, entretanto, não fiz mal a ninguém!”.
Instintivamente, intuía que o sofrimento devia ser uma expiação; mas, na
ignorância da lei do encadeamento das vidas sucessivas, não remontando seu
pensamento além da vida presente, ele não se dava conta da causa que poderia
justificar nele tão cruel castigo. Uma particularidade digna de nota foi o
nascimento de uma irmã, justamente quando ele tinha cerca de três anos. Foi
nesta época que se manifestaram os primeiros sintomas da terrível moléstia da
qual deveria sucumbir. Desde aquele dia, ele passou a nutrir pela recém-nascida
repulsa tal, que não podia suportar sua presença e à sua vista pareciam
redobrar seus sofrimentos. Muitas vezes ele se recriminava desse sentimento que
nada justificava, porque a pequena não o partilhava: ao contrário, ela era para
ele suave e amável. Indagava, então, de sua mãe: -“Porque a vista de minha
irmãzinha me é tão penosa? Ela é boa para mim apesar de não poder impedir-me de
a detestar”. Apesar disso, não suportava que lhe fizessem o menor mal,
nem que a magoassem; longe de se alegrar com suas penas, afligia-se quando a
via chorar. Era evidente que dois sentimentos nele se combatiam; compreendia a
injustiça de sua antipatia, mas seus esforços para superá-la eram impotentes.
Esse o assunto incluído na REVISTA
ESPÍRITA de maio de 1867, por Allan Kardec, possibilitando várias reflexões
sobre o tema. A base, uma série de comunicações obtidas por uma amiga da
família, pela qual, por sinal, ele era muito afeiçoado. Entre as várias
manifestações, duas foram destacadas pelo teor, que fornecia elementos para
entender-se não só o motivo de suas vicissitudes, bem como o incompreensível
conflito em relação à irmã, detestando-a e, ao mesmo tempo, protegendo-a. Numa
dessas mensagens extravasou: -“Pequei, sim!. Sabeis o que é ter sido
assassino, ter atentado contra a vida de seu semelhante? Não o fiz pela maneira
que os assassinos empregam, matando rápido, com uma corda ou com uma faca ou
qualquer outro instrumento. Não, não foi dessa maneira. Matei, mas matei
lentamente, fazendo sofrer um Ser que eu detestava!. Sim, detestava esta
criança que julgava não me pertencer!. Pobre inocente!. Tinha merecido esta
triste sorte? Não, meus pobres amigos, não tinha merecido ou, pelo menos, não
me cabia fazê-la sofrer esses tormentos. Entretanto eu o fiz, e eis porque fui
obrigado a sofrer como vistes”. Noutra ocasião, perguntado sobre a
antipatia pela irmãzinha, explicou que “não o sabia no estado de vigília, sem o que
seu tormentos teriam sido cem vezes mais horríveis; tão horríveis quanto tinham
sido na Vida Espiritual, em que a via incessantemente. Mas credes que meu
Espírito, nos momentos em que estava desprendido, não o soubesse? Era a causa
de minha repulsa.; e se me esforçava por combate-la, é que instintivamente
sentia que era injusta. Eu não era ainda bastante forte para fazer bem àquela
que eu não conseguia evitar de detestar, mas não queria que lhe fizessem mal:
era o começo de reparação”. Noutro ponto, dirigiu-se aos pais: -“Meus
bons pai, uma palavra de consolação. Obrigado! Oh, Obrigado!, a vós que me
ajudastes nesta expiação e que carregastes uma parte. Suavizaste, tanto quanto
de vós dependia, o que havia de amargo em meu estado. Não vos magoeis: é coisa
passada; estou feliz, eu vo-lo disse, sobretudo comparando o estado passado com
o presente. Amo-vos a todos; agradeço-vos; beijo-vos; amai-me sempre.
Encontrar-nos-emos e, todos juntos, continuaremos esta vida eterna, procurando
que a vida futura resgate inteiramente a vida passada”. Francisco E.
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