Conselhos estapafúrdios,
revelações espantosas, opiniões intrigantes tornam-se comum em trabalhos
práticos ou literários que circulam no meio espírita ou não atualmente. Abrindo
o número de agosto de 1858 da REVISTA
ESPIRITA, Allan Kardec reproduziu extenso artigo de sua autoria
intitulado “Contradições na Linguagem
dos Espíritos”, contendo ponderações do Codificador extremamente
importantes em face da grande quantidade de “revelações” contidas em
obras mediúnicas publicadas atualmente. Na avaliação exposta, pondera: -“As
contradições encontradas tão frequentemente na linguagem dos Espíritos, mesmo
sobre questões essenciais, para algumas pessoas foram até aqui uma causa de
incerteza quanto ao valor real de suas comunicações, circunstância da qual não
deixam os adversários de tirar partido. À primeira vista essas contradições
parecem realmente uma das principais pedras de tropeço da Ciência Espírita.
Vejamos
se tem elas a importância que lhes emprestam. Perguntaremos, de início, qual a
Ciência que não teve, em seus primórdios, semelhantes anomalias. Qual o sábio
que, nas suas investigações, não foi algumas vezes confundido por fatos
que aparentemente contradiziam as regras
estabelecidas? Se a Botânica, a Zoologia, a Fisiologia, a Medicina, e a nossa
própria língua não nos oferecem milhares de exemplos semelhantes e se suas
bases desafiam qualquer contradição? É comparando os fatos, observando as
analogias e as dessemelhanças que, pouco a pouco, se chegam a estabelecer as regras,
as classificações, os princípios: numa palavra, a constituir a Ciência”.
Mais à frente, acrescenta: -“A princípio, fez-se uma ideia
absolutamente falsa da natureza dos Espíritos. Foram imaginados como seres à
parte, de natureza excepcional, nada possuindo em comum com a matéria e devendo
saber tudo. Eram, conforme opinião pessoas, seres benfeitores ou malfeitores,
uns com todas as virtudes, outros com todos os vícios e todos, em geral com um
saber infinito, superior ao da Humanidade (...). Quem poderia dizer o número
dos que sonharam fortuna fácil pela revelação de tesouros ocultos, pelas
descobertas industriais ou científicas que não custariam aos inventores mais
que o trabalho de fazer uma descrição ditada pelos sábios do outro Mundo! Só
Deus sabe quantos fracassos e desilusões. Quantas pretensas receitas, cada qual
mais ridícula, não foram dadas pelos charlatões do Mundo Invisível!. Conhecemos
alguém que pediu uma receita infalível para pintar os cabelos. Foi-lhe dada uma
fórmula de composição cerosa, que reduziu a cabeleira a uma espécie de massa
compacta, da qual o paciente teve um trabalho imenso para se livrar (...). A
escala espírita, traçada pelos próprios Espíritos e conforme a observação dos
fatos, dá-nos a chave de todas as anomalias aparentes da linguagem dos
Espíritos. É preciso chegar, pela força do hábito, a conhecê-los, por assim
dizer, à primeira vista e poder
identificar-lhes a classe conforme a natureza de suas manifestações”.
Esclarece que “os Espíritos sérios não se contradizem nunca: sua linguagem é a
sempre a mesma com as mesmas pessoas (...). Finalizando o esclarecedor
texto, Kardec escreveu: - “As causas das contradições na linguagem
dos Espíritos podem, pois, ser assim resumidas: 1- O grau de ignorância ou de saber dos Espíritos aos quais nos dirigimos;
2- O embuste dos Espíritos inferiores
que podem, por malícia, ignorância ou malevolência tomando um nome por
empréstimo, dizer coisas contrárias às que alhures foram ditas pelo Espírito
cujo nome usurparam; 3- As falhas
pessoais do médium, que podem influir sobre as comunicações, alterar ou
deformar o pensamento do Espírito; 4-
A insistência por obter uma resposta que um Espírito recusa dar, e que é dada
por um Espírito inferior; 5- A própria
vontade do Espírito, que fala conforme o momento, o lugar e as pessoas e pode
julgar conveniente nem tudo dizer a toda gente; 6- A insuficiência da linguagem humana para exprimir as coisas do mundo
incorpóreo; 7- A interpretação que
cada um pode dar a uma palavra ou a uma explicação, de acordo com as suas
ideias, os seus preconceitos ou o ponto de vista sob o qual encara o assunto.
São outras tantas dificuldades, das quais não se triunfa a não ser por um
estudo longo e assíduo. Também nunca dissemos que a Ciência espírita fosse
fácil. O observador sério, que tudo aprofunda maduramente, com paciência e
perseverança, aprende uma porção de nuanças delicadas, que escapam ao
observador superficial. É por tais detalhes íntimos que ele se inicia nos
segredos desta ciência. A experiência ensina a conhecer os Espíritos, como nos
ensina a conhecer os homens”.
Esta pergunta foi proposta por uma jovem que não se identificou,
mas que fez esta interessante colocação: “Existe um jeito de a gente se
livrar dos preconceitos que a família e a sociedade formaram em nossa personalidade? De vez em quando me surpreendo com alguma
atitude preconceituosa diante das pessoas.”
Muito oportuna a colocação,
que nos leva a uma reflexão mais demorada por este tema. Há pessoas que acham
que não têm nenhum preconceito. Respeitamos, Mas, do nosso ponto de vista,
mesmo entre os que procuram se alimentar de um ideal elevado de completo
respeito por todos, o preconceito ainda persiste, embora (é claro!) de uma
forma mais velada, quase que disfarçada. Preconceito, no ser humano, não é apenas
um sentimento; é uma emoção primitiva, como uma erva daninha, arraigada nas
regiões mais profundas da alma e, portanto, ele brota do inconsciente, muitas
vezes traindo as nossas próprias convicções.
É claro que a família e a
sociedade, de um modo geral, alimentam preconceitos nas crianças e nos jovens,
ainda que disfarçadamente. Isso podemos observar todos os dias nas atitudes das
pessoas e em nossas próprias atitudes, até na imprensa e nos programas de
televisão. Mas o preconceito não é, como muitos pensam, apenas um mal social;
ele tem origem nos instintos de sobrevivência e, por isso, em todos os seres
vivos, ele manifesta como um impulso de rejeição a tudo que representa uma
ameaça. E, na fase animal, os que são diferentes sempre representam uma ameaça.
Portanto, ainda que lutemos
para varrer da sociedade os preconceitos, como fez Jesus no seu tempo de forma
clara e incisiva, o preconceito ainda permanece em germe nas regiões mais
profundas da mente humana e de alguma forma, e em algum momento, pode se
manifestar em nós, até de forma involuntária e inconsciente, obrigando-nos a um
policiamento constante. Por isso, não devemos nos culpar tanto, quando às vezes
nos escapam algumas atitudes preconceituosas que nós próprios condenamos nos
outros. Ainda somos falhos e imperfeitos, mas o importante é que tenhamos
consciência da necessidade da mudança e nos esforcemos nesse sentido.
O importante para você e para todos nós, prezada jovem, que
sabemos que o preconceito deve ser varrido da Terra, é que cuidemos para que
nossas atitudes sejam ao máximo compatíveis
com os nossos ideais de fraternidade, com os nossos sonhos, de uma sociedade
igualitária, onde todos - absolutamente
todos – sejam respeitados como seres humanos, com os mesmos direitos e com os
mesmos deveres uns diante dos outros em qualquer parte do mundo.
Logo, seguindo os passos de
Jesus, devemos, sim, nos policiar, mas não exigir de nós a perfeição, porque
certamente ainda não chegamos lá. Mas, vamos chegar. Nesse sentido, precisamos
combater a hipocrisia, para que o nosso discurso anti-preconceito não seja
simplesmente uma fachada ou uma arma para atacar os outros, sem qualquer
esforço de nossa parte. Porque, se não compreendermos as limitações das pessoas
que ainda agem com preconceito, com certeza, também estaremos agindo com
preconceito contra elas.
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