Paulinha Garcia pergunta: “Como devemos entender o castigo
de Deus, segundo a Doutrina Espírita?”
Um outro leitor
questionou por que Kardec ainda usou essa palavra “castigo” em suas obras,
quando ele mesmo deixou claro que não existe castigo de Deus. Explicávamos,
então, que o sentido das palavras se modificam com o tempo. De tanto ser usada
repetidas vezes, uma palavra vai assumindo conotações diferentes em diferentes
épocas e lugares.
Evidentemente, a palavra castigo, na obra
espírita, não tem o mesmo sentido da palavra castigo nas diversas religiões
salvacionistas. Chamamos de salvacionista a religião que prega ser o único
caminho de salvação da alma para um céu de felicidade eterna, ou, a perdição
num inferno impiedoso de eterno sofrimento. Esta, porém, não é a proposta
espírita, como o ouvinte deve saber. No Espiritismo, como nas leis da natureza,
nada se perde, tudo se transforma. Logo, não há perdição; há apenas
transformação.
Na concepção religiosa comum – com a qual o
Espiritismo não concorda – desde a época de Adão e Eva, Deus vem castigando o
homem pela sua desobediência. Assim, por exemplo, ao tempo de Moisés – que,
aliás, nem cogitava da vida após a morte – a vida que Deus nos concedeu era
esta estamos vivendo hoje e, depois dela,
não haveria mais vida. Isso significava que todo castigo, assim como toda
recompensa, só podiam ser aplicados por Deus nesta mesma vida, enquanto estamos
encarnados, razão pela qual os mandamentos trazidos por Moisés previam essas
práticas de maneira rigorosa.
Vamos dar um
exemplo. Entre os dez mandamentos
recebidos por Moisés, havia um que dizia: “honrai vosso pai e vossa mãe para
que longos sejam vossos dias na Terra”. Isso significava que a duração da vida
de uma pessoa dependia da forma como ela tratava seus pais, ou seja, viveriam
mais anos aqueles que tratassem bem seus pais. Era a crença da época. Isso
significava, por outro lado, que a pessoa que não desse um bom tratamento ao
pai e à mãe seria castigada por Deus e morreria mais cedo.
Quando Jesus apareceu no cenário da Palestina,
ele andou discordando de alguns mandamentos, no todo ou em parte. Mas ele
trouxe uma visão nova de vida - pois, para Jesus, a vida não é apenas esta
aqui, a vida continua numa outra vida, numa outra dimensão. Bastou que Jesus
trouxesse ensinamento para que se passasse a entender que a duração da vida de
uma pessoa neste mundo nada tinha a ver com o castigo de Deus.
Pelo contrário, Deus para Jesus é Pai
misericordioso, que manda o sol para os bons e para os maus, que manda a chuva
para os justos e para os injustos, como ele próprio afirmou. Logo, não há
castigo divino ou, pelo menos, podemos dizer que os nossos sofrimentos não dependem
de Deus. O princípio, que Jesus ensinava, se resumia no lema “a cada um segundo
suas obras”. Logo, não é Deus que castiga, é o homem que se castiga a si mesmo,
quando pratica o mal ou deixa de fazer o bem, porque o amor é lei da natureza.
Da mesma forma é o homem que busca a própria recompensa toda vez que faz o bem.
Na lei mosaica o castigo maior era a pena de
morte, infringida a quem trabalhasse no sábado, cometesse adultério ou
proferisse blasfêmia, e isso era feito mediante um ritual de apedrejamento.
Jesus não concordava com isso, pois ensinava um Deus bom e misericordioso: “Se
vós, que sois maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, o que não vos
dará o Pai celestial, que é bom e perfeito?”
No LIVRO DOS
ESPÍRITOS, Kardec questionou os Espíritos sobre este tema, e ele mesmo, Kardec,
para ilustrar os ensinos que recebeu, contou a seguinte parábola. Um homem, na
hora da morte, chamou seus dois filhos e lhes passou as terras que estava
deixando. Ensinou o que fazer para fazer a terra produzir e deu-lhes as
ferramentas nas mãos. E Kardec conclui: se esses filhos não cuidarem
devidamente da terra e vierem a viver na miséria no futuro, eles poderão culpar
o pai ou dizer que o pai os castigou? Certamente que não. Nesse caso o castigo
adveio da preguiça e da negligência para com a Terra.
Por outro
lado, mesmo o castigo infringido pelos pais humanos aos seus filhos, não tem como
objetivo prejudica-los ou destruí-los, mas ensiná-los o bom caminho. Que pai humano mataria seu filho, porque
cometeu uma falta, mesmo grave? Ora, se o pai – que é humano e imperfeito –
mesmo quando seu filho comete um grave, no máximo, pode impor-lhe um castigo,
mas com o objetivo de corrigi-lo, quanto mais Deus, que é bom e perfeito, em
relação aos seus filhos amados. Desse modo, podemos concluir que Deus não se volta contra nenhum de seus filhos, por mais grave a falta que cometeu, mas vai dar-lhe oportunidade de regeneração e reparação do mal, até que reconquiste a paz e se torne feliz. Assim, não existe perdição eterna, pois pensar nestes termos é contrariar tudo que Jesus ensinou. O Espiritismo pode explicar como isso acontece através da reencarnação, pois a cada vida na Terra temos novas oportunidades de nos recompor e melhorar, até que cheguemos à própria perfeição moral.
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