Esta questão, Neide, é tão ou mais delicada do que a que se refere a doação de órgãos, com a agravante de que, na cremação, o corpo vai ser totalmente destruído pelo fogo sob elevadas temperaturas, a ponto de se transformar num punhado de cinzas. Além do mais é compreensível que nós, brasileiros, devido à cultura do povo – principalmente a cultura religiosa – tenhamos receio da cremação, imaginando o horror que seriam as sensações de um corpo incinerado a altas temperaturas.
Essa questão não foi tratada diretamente ao tempo de Allan Kardec, mas podemos deduzir, pelas suas próprias afirmações, que o desprendimento do Espírito após a morte do corpo não se dá da mesma maneira para todas as pessoas e nem existe um tempo determinado para que se complete de forma definitiva. Em nota à questão 155 de O LIVRO DOS ESPÍRITOS, Kardec afirma que “é racional conceber que quanto mais o Espirito se apega à matéria, mais ele sofre ao se separar dela”.
Isso quer dizer que, seja na cremação ou no sepultamento, a questão não está especificamente na forma como corpo vai ser destruído, mas na condição espiritual do Espírito que está desencarnando. Quanto mais apegado ao corpo, mais resiste à desencarnação, mais sofre e, portanto, leva mais tempo para se desembaraçar da vida física. Os Espíritos afirmam que a desencarnação pode ter início antes de se extinguir definitivamente a vida física, logo depois desse processo ou tempos depois da morte, conforme o caso.
Na mesma nota Kardec afirma que “ a afinidade persistente entre a alma e o corpo, em certos indivíduos, é algumas vezes muito penosa, porque o Espírito pode experimentar o horror da decomposição”. Aqui, portanto, ele se refere ao corpo que foi sepultado e que, a partir da extinção gradativa da vida, vai se decompondo, inclusive com a ação de bactérias, fungos e outros micro-organismos. Não seria muito diferente no caso da cremação, se o Espirito ainda estiver ligado ao corpo pelo períspirito.
Quando da publicação do livro O CONSOLADOR em 1941, Emmanuel, pelo médium Chico Xavier, fez a seguinte recomendação, na questão 151: “Na cremação, faz-se mister exercer a piedade com os cadáveres, procrastinando por mais horas o ato de destruição das vísceras materiais, pois, de certo modo, existem sempre muitos ecos de sensibilidade entre o Espírito desencarnado e o corpo onde se extinguiu o tônus vital, nas primeiras horas sequentes ao desenlace, em vista dos fluidos orgânicos que ainda solicitam a alma para as sensações da existência material.”
Emmanuel fala numa expectativa de 72 anos para a cremação, após a morte clínica, a fim de garantir que a desencarnação tenha ocorrido por completo. É, pelo menos, o tempo médio que ele calcula para que nenhuma sensação de desconforto atinja o Espírito, principalmente se nele for muito impressionável e ainda estiver sentindo os reflexos do corpo. Logo, a sensação que o Espírito experimenta com a morte do corpo, Neide, depende muito das suas condições íntimas.
A Na legislação brasileira, que prevê a cremação, essa expectativa não pode ser de menos de 24 horas, o que evidentemente não passaria pelo critério de Emmanuel ( que fala em 72 horas) , mas a família é que vai decidir quantas horas esperar. Aliás, nos dispositivos da lei, são determinados vários requisitos essenciais para que a cremação realmente se dê, seja pela manifestação antecipada do desencarnado, seja por decisão da família, mas tais requisitos só levam em consideração a vida do corpo, desconsiderando a existência da alma.
Não temos informações mais detalhadas sobre a repercussão da cremação no mundo espiritual. Além da recomendação de Emmanuel, não conhecemos nenhum estudo mais aprofundado da questão, o que certamente ainda vai acontecer. No entanto, acreditamos que o critério mais sensato, além de levar a pessoa a conhecer a posição do Espiritismo com relação à desencarnação, seja o de lhe atender à vontade.
Acreditamos que quem opta pela cremação é aquela pessoa que já se sente liberta dessa dependência com o corpo; por isso, não acredita que isso possa lhe trazer alguma consequência desagradável. No entanto, aquele que tem receio, que não está bem seguro do que quer e que, portanto, prefere o sepultamento, não deveria ter o corpo cremado. Como você pode perceber, é uma questão muito pessoal.
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