Falando sobre diferentes
estados da alma no Mundo Espiritual no comentário com que abre o capítulo três
d’ O
EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, Allan Kardec explica que “as
diferentes moradas na casa do Pai referidas por Jesus são os mundos que
circulam no espaço infinito, oferecendo aos Espíritos desencarnados estações
apropriadas ao seu adiantamento”. Salienta, contudo, que “independente
da diversidade dos mundos, essas palavras podem também ser interpretadas pelo
estado feliz ou infeliz dos Espíritos no Mundo Espiritual. Conforme for ele
mais ou menos puro e liberto das atrações materiais, o meio em que estiver o
aspecto das coisas, as sensações que experimentar as percepções que possuir
tudo isso varia ao infinito. Enquanto uns, por exemplo, não podem afastar-se do
meio em que viveram, outros se elevam e percorrem o espaço e os mundo(...).
Essas também são, portanto, diferentes moradas, embora não localizadas nem
circunscritas”. Apesar de essas ponderações terem sido escritas há mais
de cento e cinquenta anos, de certa maneira, vem sendo cogitadas atualmente por
estudiosos da Física Quântica através dos Universos Paralelos propostos pela
Teoria da Supercordas, chegando a afirmar que “mesmo que as dimensões ocultas
do espaço sejam imperceptíveis, são elas que determinam a realidade física em
que vivemos”. O Espiritismo, por sinal demonstra através de milhares de
depoimentos e exemplos que para essa realidade voltaremos, pois dela viemos.
Tantas vezes quanto for necessário para atingirmos melhores níveis de evolução
espiritual. Tudo isso pela lentidão com que trabalhamos conscientemente para
nos livrarmos dos “efeitos” daquilo que “causamos” nas ações deliberadamente
assumidas, intencionalmente ou não. E na saída constataremos que “cada
qual, como acontece no nascimento, tem a sua porta adequada para ausentar-se do
Plano Físico”, como explica o Espírito Abel Gomes, em mensagem
psicografada pelo médium Chico Xavier, inserida no livro FALANDO Á TERRA (feb,1951). Segundo
ele, “as
inteligências no Plano Espiritual se agrupam segundo os impositivos da
afinidade, vale dizer, consoante a onda mental, ou frequência vibratória, em
que se encontram”. Em outras palavras, “cada tipo de mente vive na
dimensão com que se harmonize”, em “organizações que obedecem à
densidade mental dos seres que as compõem”. Ilustrando seu texto com
alguns exemplos, conta num deles que “algumas entidades presas ao remorso por
delitos praticados, improvisam, elas mesmas, com as faculdades criadoras da
imaginação, os instrumentos de castigo, dos quais se sentem merecedoras, com
antigo sertanejo do interior de Minas Gerais, que impunha serviço sacrificial
aos seus empregados de campo, mais por ambição de lucro fácil na exploração
intensiva da terra que por amor ao trabalho, deixou recheados cofres aos filhos
e netos; mas, transportado à esfera imediata e ouvindo grande número de vozes
que o acusavam, tomou-se de tão grande arrependimento e de tão viva compunção,
que plasmou, ele mesmo, uma enxada gigantesca, agrilhoando-a às próprias mãos,
com a qual atravessou longos anos de serviço, em comunhão com Espíritos
primitivos da Natureza, punindo-se e aprendendo o preço do abuso na autoridade”.
Outro envolve “orgulhosa dama, que conheceu pessoalmente e a quem humilde e nobre
família deve a morte de nobre mulher, vitimada pela calunia, em desencarnando e
conhecendo a extensão do mal que causara, adquiriu para si o suplício da
vítima, por intermédio do remorso profundo em que se mergulhou, estacionando
por mais de dois lustros em sofrimento indescritível”. Lembra o caso de
“velho
conhecido que assassinou certo companheiro de luta, em deplorável momento de
insânia, e, não obstante ver-se livre da justiça humana, que o restituiu à
liberdade, experimentou longo martírio da consciência dilacerada,
entregando-se, por mais de quatro decênios, à caridade com trabalho ativo para
bem do próximo. Com semelhante procedimento, granjeou a admiração e o carinho
de vários Benfeitores da Espiritualidade Superior, que o acolheram, solícitos,
quando afastado da experiência física, situando-o em lugar respeitável, a fim
de que pudesse prosseguir na obra retificadora. Pelos fios da amizade e da
colaboração que soube tecer, em volta do coração, para solucionar o seu caso,
conseguiu recursos para ir no encalço da vítima, que a insubmissão havia
desterrado para fundo despenhadeiro de trevas e animalidade. Não se fez dela
reconhecido, de pronto, de modo a lhe não perturbar os sentimentos,
auxiliando-a a assumir posição de simpatia necessária à receptividade dos
benefícios de que era portador; e, após lutar intensivamente pela sua
transformação moral, em favor do necessário alçamento, voltará às lides da
carne, a fim de recebê-la nos braços”. Enfim, como vemos, no caminho do
progresso espiritual, os efeitos correm sempre atrás das causas.
Uma das questões que, ultimamente, vêm sendo proposta diz respeito à condição espiritual de cada pessoa ante o avanço da pandemia de COVID-19. A questão, que se coloca, é a seguinte: “A COVID-19, doença causada pelo novo coronavirus, está fazendo vítimas no mundo todo. Para boa parte das pessoas, o vírus não causará maiores estragos; nalgumas a doença não se manifestará, em outras ela causará um pequeno dano que logo é curado, noutras ainda poderá exigir até uma internação com alguns dias de sofrimento, mas numa minoria (entre elas as dos grupos de risco), a doença levará as pessoas a óbito. A pergunta é: essas diferentes condições que a infecção do vírus provocará estão no carma de cada pessoa? A pessoa realmente deveria passar por isso?
Cremos
que a resposta a esta pergunta, sob a luz da Doutrina Espírita, não é difícil.
Basta abrir O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, no capítulo 5, “Bem aventurados
os Aflitos”, onde Allan Kardec esclarece, no item 4: “As vicissitudes da vida são de suas espécies ou, se assim se quer, têm
duas fontes bem diferentes que importa distinguir: umas têm sua causa na vida
presente, outras fora dela.” Depois
disso, Kardec esclarece cada uma dessas situações em dois itens: “Causas Atuais das aflições” e “Causas Anteriores das Aflições”.
No
entanto, apesar da questão estar muito bem clara na obra de Kardec, há uma
tendência, mesmo no meio espírita, de se atribuir as aflições humanas somente a
erros que a pessoa cometeu em vidas anteriores; esquecem dos erros que estão
sendo cometidos nesta vida, agora, neste momento Este é um primeiro ponto sobre
o qual chamamos atenção.
A
palavra “carma” não é espírita. Ela foi trazida do hinduísmo, mas quando
utilizada no meio espírita ela vem com essa conotação de expiação do
passado. Kardec preferiu o termo
expiação, embora o termo “carma” já existisse. No Espiritismo temos os
conceitos de expiação, prova e missão.
Outro
ponto é a confusão que se faz entre expiação e prova, razão pela qual é comum
se ouvir a respeito de alguém, que está sofrendo muito, a seguinte observação: “É uma
prova que fulano está passando.”
Prova ou expiação? Geralmente não há a preocupação de se fazer essa
distinção. É o segundo ponto de nossa conversa de hoje.
Comecemos
por provas e expiações. As expiações são
as consequências naturais de nossos erros, de qualquer erro – grande ou
pequeno, cometido nesta vida ou em outras, agora ou anteriormente. Vamos
utilizar a palavra “erro”, que é mais fácil para entender como se se dá a
resposta da natureza. Se você der uma forte martelada no dedo, porque não tomou
cuidado ou não soube manejar o martelo, com certeza, sentirá dor imediatamente
e provavelmente perderá a unha; e se
você varar o ano letivo sem estudar, no final do ano se surpreenderá com um
resultado negativo de aproveitamento. Essas duas situações retratam o que é
expiação: expiação é você sofrer as consequências de seus erros. Não é Deus que
castiga, é o efeito natural do que você fez. O resultado pode ser imediato ou
futuro, mas não vai deixar de aparecer. Dependendo do erro cometido (muitas
vezes a gente vem cometendo o mesmo erro durante toda a vida), o resultado pode
ser imediato, a médio ou a longo prazo. Mas, uma coisa é certa, não é você que
escolhe o resultado, cedo ou tarde ele virá.
Nas
provas, sim, é você que decide. Por isso, as provas são situações difíceis e
sofridas, a que o Espírito se submete, reconhecendo suas necessidades e pensando
em dar um impulso na sua evolução. Logo, a prova é escolhida, demonstrando que
o Espírito já tem consciência de seus erros e se sente responsável por ele. Enquanto
na expiação o Espírito não aceita o revés e se revolta contra o sofrimento, na
prova geralmente ele o recebe com paciência e resignação.
Feito
tais distinções podemos voltar à questão das vítimas da pandemia. De fato, após
a pandemia, teremos alguns resultados, mostrando que: 1) uma grande parte não
foi contaminada pelo vírus; 2) outra parte foi contaminada, mas a doença não se
manifestou; 3) outra parte foi infectada, ficou doente, passou pelo tratamento,
e ficou curada; 4) uma minoria morreu.
Considerando
os princípios acima expostos, não seria correto afirmar que todos os casos,
mesmo dos que foram a óbito, dependeram única
e exclusivamente de erros do passado, porque, então, estaríamos
ignorando as causas do presente.
Em
Espiritismo não existe fatalidade no sentido absoluto da palavra, até porque o
Espírito é livre para redirecionar seu destino a qualquer momento. É nisso que
consiste o livre arbítrio. Se a sua sorte estivesse determinada antes desta
encarnação, com certeza, nada que fizesse em contrário valeria a pena. Mas o
livre arbítrio existe justamente para dar ao Espírito a liberdade de escolher o
caminho que deseja trilhar.
A
doença, tanto quanto a morte – ou qualquer adversidade que surja na vida do
Espírito – depende de vários fatores: depende do que ele veio fazendo em
encarnações anteriores e depende do que ele está fazendo agora, na presente
encarnação. Desse modo, o fato de um indivíduo ser acometido da COVID 19 e
morrer depende da trajetória espiritual que veio fazendo, mas depende
principalmente do que ele está fazendo agora. Assim, o individuo pode vir a
falecer, por negligência ou por abuso, porque não se preveniu, não fez o que
deveria ter feito para se livrar da doença.
Allan
Kardec, no capítulo citado, afirma que, diante de uma aflição, devemos primeiro
verificar se ela adveio de alguma falta cometida nesta vida. Só no caso de não
se verificar nenhuma causa presente (o que é muito difícil) , é que se pode
deduzir que se trata de uma expiação apenas do passado. Eis porque o próprio
Kardec, com relação à pandemia do Cólera, que aconteceu no seu tempo,
recomendou que todos adotassem as medidas de prevenção. Na edição de outubro de
1865 da REVISTA ESPÍRITA, em pleno surto de cólera, a pandemia da época, respondendo
a uma carta de um leitor de Constantinopla, Kardec deixou bem claro a
necessidade de todos seguirem as recomendações das autoridades sanitárias, afim
de prevenirem a doença que se espalhava.
É
preciso considerar, portanto, que o momento presente é sempre o mais importante
de nossa vida, pois é o único momento em que podemos agir e interferir na
realidade à nossa volta. O passado já foi e o futuro depende do presente. Os
erros do passado devem estar refletindo em nossa vida hoje, mas só hoje é que conseguimos
atenuar ou até mesmo anular seus efeitos, se soubermos agir com discernimento e
vontade. Eis a importância do livre arbítrio.
Desse
modo, uma mera opinião de nossa parte a respeito dos problemas de alguém não
passa de mera opinião, pois não sabemos o que aconteceu antes e tampouco o que
está acontecendo de fato no presente.
Sabemos,
entretanto, que nada acontece por acaso; que por alguma razão estamos aqui
neste momento, que muitos serão infectados pelo coronavirus e que alguns
poderão vir a óbito e retornando ao mundo espiritual. Contudo, as causas que
determinaram os sofrimentos individuais não são fáceis de se situar, embora
saibamos que, coletivamente, acometidos por essa pandemia todos, como
indivíduos e como coletividade, temos muito a aprender.
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