Antônia Maria Rodriguem pediu que falássemos sobre o conhecido
episódio em que Jesus expulsa os mercadores do templo. Ela diz que não pode
concordar com o fato de que Jesus tenha agredido fisicamente aqueles homens,
mesmo não concordando com eles. Não era do feitio de Jesus qualquer ato de
violência, pois sua doutrina pregava o amor até mesmo aos inimigos, e a
violência foi o que ele mais condenou. Desse modo, A Antônia acha que houve um exagero
dos evangelistas ao descrever aquela cena.
Este
episódio é tratado pelos quatro evangelistas, Antônia, mas o evangelho de João
parece o mais contundente, pois ele diz assim: “Estava próxima a páscoa dos judeus, quando Jesus subiu a Jerusalém.
E achou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombos, e os cambistas
assentados. E tendo feito um chicote de cordéis, lançou todos fora do templo,
também os bois e ovelhas, e espalhou o dinheiro dos cambistas; e derrubou as
mesas. E disse aos que vendiam pombos: Tirai estes daqui e não façais da casa
de meu Pai uma casa de venda.”
Não poderíamos esperar perfeição nos relatos
dos evangelistas. Eles todos eram apenas discípulos ou seguidores de Jesus, e
seus escritos se baseiam tanto em relatos contados por testemunhas presenciais,
como em histórias que se espalharam a respeito de Jesus. Além do mais, os evangelhos não foram
escritos por Jesus e nem mesmo no seu tempo, mas muitos anos depois de sua
morte. Naquela época muito pouco se escrevia e quase tudo o que se sabia
aprendia-se da boca do povo.
Por isso mesmo, Allan Kardec, logo na
introdução de O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO, afirma que de Jesus só podemos
ter certeza daquilo que ele ensinou – ou seja, de sua doutrina moral,
fundamentada na lei do amor -, pois os fatos não eram registrados
imediatamente, predominando o que hoje chamamos de “tradição oral” – isto é, os
acontecimentos eram passados de boca em boca, sofrendo com isso muitas
alterações e exageros ou mesmo se ajustando à forma usual das histórias
contadas pelo povo dentro da tradição judaica. Eis porque a atenção do Espiritismo se
concentra na doutrina de Jesus e não propriamente nos fatos de sua vida.
Evidentemente, sair chicoteando pessoas era
prática que Jesus condenava. Daí não podermos considerar que as palavras de
João retratem a realidade daquele momento com precisão. O que presumimos ter ocorrido,
naquelas circunstâncias, é Jesus se manifestando energicamente contra o
comércio à porta do templo, usual na época, verificando que as pessoas estavam
ali para obter lucros financeiros e não para exercitar virtudes morais. Eram
comercializados, inclusive, os animais que seriam sacrificados no cerimonial do
templo.
Fazia parte de seus ensinos criticar os excessos
que ocorriam no meio religioso, inclusive a violência que se praticava contra
os animais sacrificados – e tudo isso em nome de Deus. Como sempre, a religião
estava servindo mais aos interesses materiais do que propriamente às
necessidades do povo, que buscava compreender as leis de Deus, inclusive as
razões de seu próprio sofrimento. Atitudes de rebeldia era comum em Jesus, mas
sem violência e sem comprometimento com o mal.
Nesse episódio do templo, mais uma vez,
ele se insurgia contra as práticas que vinham ocorrendo há séculos, e
que desvirtuavam a finalidade da
religião.
Como sabemos, Antônia, relatar um fato nunca
é coisa muito fácil, por mais simples que seja esse fato. Como não somos
máquinas - mas seres humanas guiadas por idéias, desejos, aspirações e
sobretudo por estados emocionais - cada
um que conta o mesmo fato sempre coloca na narrativa o seu toque pessoal, dando
destaque ao que parece mais importante. Haja vista que dos quatro evangelistas,
que contam este mesmo episódio, somente João se refere ao chicote; os outros
não.
Do nosso ponto de vista, o chicote, tanto
quanto a derrubada das mesas e a expulsão violenta dos mercadores, são figuras
de linguagem que nos ajudam a entender o efeito moral causado pelas palavras
firmes e incisiva de Jesus, como verdadeiras chicotadas, ao
criticar a presença do comércio no templo, que deve ter repercutido fundamente
nas pessoas como manifestação de inconformismo e intolerância.
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