-“Todos os que de Deus receberam a missão de ensinar a verdade aos homens tem provado sua missão por meio de milagres. Por quais meios o senhor prova a verdade de seu ensino?”. A pergunta foi formulada por um sacerdote e originou matéria inserida na edição de fevereiro de 1862, da REVISTA ESPÍRITA. Em meio aos argumentos apresentados por Allan Kardec, destacamos: -“O Espiritismo não se apoia em nenhum fato miraculoso; seus adeptos não fizeram, nem tem a pretensão de fazer qualquer milagre; não se julgam bastante dignos para que à sua voz, Deus mude a ordem eterna das coisas. O Espiritismo constata um fato material – o da manifestação das almas ou Espíritos. Tal fato é ou não é real? Eis a questão. Ora, nesse fato, admitido como verdadeiro, nada há de miraculoso. Como as manifestações desse gênero – tais como as visões, as aparições e outras – ocorreram em todos os tempos, como bem o atestam os historiadores sacros e profanos e os livros de todas as religiões, aquelas de outrora passaram como sobrenaturais. Hoje, porém, que se lhes conhece a causa, que se sabe são produzidas em virtude de certas leis, sabe-se, também, que lhes falta o caráter essencial dos fatos miraculosos – o da exceção à lei comum. Observadas em nossos dias com mais cuidado que na Antiguidade; observadas sobretudo sem prevenções e com o auxílio de investigações tão minuciosas quanto as que são feitas nos estudos científicos, tais manifestações tem como consequência provar, de modo irrecusável, a existência de um princípio inteligente fora da matéria, a sua sobrevivência ao corpo, a sua individualidade após a morte, a sua imortalidade, o seu futuro feliz ou infeliz – por conseguinte, a base de todas as religiões.(...). Voltemos às provas da verdade do Espiritismo. Há duas coisas no Espiritismo: o fato da existência dos Espíritos e de suas manifestações; e a doutrina daí decorrente. O primeiro ponto não pode ser posto em dúvida senão pelos que não viram ou não quiseram ver. Quanto ao segundo a questão é de saber se essa Doutrina é justa ou falsa. É uma questão de apreciação. Se os Espíritos só manifestassem sua presença por meio de ruídos, movimentos e, numa palavra, por efeitos físicos, isto não provaria grande coisa, pois não saberíamos se são bons ou maus. O que, sobretudo, é característico neste fenômeno, o que é de natureza a convencer os incrédulos, é o poder de reconhecer parentes e amigos entre os Espíritos. Mas, como podem os Espíritos atestar a sua presença, a sua individualidade e permitir o julgamento de suas qualidades, senão falando? Sabe-se que a escrita pelos médiuns é um dos meios que eles empregam. Desde que tem um meio de exprimir suas ideias, podem dizer o que quiserem. Conforme o seu adiantamento, dirão coisas, mais ou menos, boas, justas e profundas. Ao deixar a Terra, não abdicaram do livre arbítrio: como todos os seres pensantes, tem suas opiniões; como entre os homens, os mais adiantados dão ensinamentos de alta moralidade, conselhos marcados de profunda sabedoria. São esses ensinamentos e esses conselhos que, recolhidos e ordenados, constituem a Doutrina Espírita, ou dos Espíritos. Se quiserdes, considerai essa doutrina não como uma revelação divina, mas como a expressão de uma opinião pessoal deste ou daquele Espírito. A questão é de saber se é boa ou má, justa ou falsa, racional ou ilógica. A quem procurar para isto? O julgamento de um indivíduo? Mesmo de alguns indivíduos? Não. Porque, dominados pelos preconceitos, ideias preestabelecidas ou interesses pessoais, eles podem enganar-se. O único e verdadeiro juiz é o público, porque aí não há interesse de camarilha, e porque nas massas há um bom senso inato, que se não equivoca. Diz a lógica sadia que a adoção de uma ideia ou princípio pela opinião geral é prova de que repousa sobre um fundo de verdade. Os Espíritas não dizem: ‘-Eis uma doutrina saída da boca do próprio Deus, revelada a um só homem por meios prodigiosos e que deve ser imposta ao gênero humano’. Ao contrário, dizem: -“Eis uma doutrina que não é nossa, cujo mérito não reivindicamos. Adotamo-la porque a achamos racional’. Atribuí sua origem a quem quiserdes.: a Deus, aos Espíritos, aos homens. Examinai-a. Se vos convier, adotai-a. Caso contrário, pode-a de lado”. Não se pode ser menos absoluto. O Espiritismo não vem usurpar a religião; ele não se impõe; não vem forçar as consciências (...). O Espiritismo não quer constituir-se num grupo à parte: pelos meios que lhe são próprios, ele reconduz os que se afastam.
Se todas as religiões são
boas, como vocês falam e o Espiritismo proclama, por que Deus teria mandando o
Espiritismo para a humanidade? Não seria a mesma coisa com ele ou sem ele?
De fato, a Doutrina Espírita entende que as
religiões são diferentes caminhos que o homem pode tomar para atingir um mesmo
objetivo, até porque as pessoas não são iguais em forma de pensar e de crer.
Querer reduzir todas as religiões a uma única é forçar a natureza e violentar a
liberdade que cada um tem de escolher o seu próprio caminho, ou seja: aquele
que mais atende às suas necessidades e suas aspirações do momento.
A
natureza, como todos podemos perceber, é muito rica em diversidade. Minerais, plantas e
animais – apenas para darmos alguns exemplos – são diferentes entre si, e isso
tudo é obra de Deus. Se tudo fosse igual, não haveria beleza no mundo. É a
diversidade das coisas que faz a harmonia da natureza. O mesmo acontece com o
ser humano, que conquistou a inteligência e a autoconsciência, e pode optar por
milhares de caminhos, cada um dando-lhe uma lição de vida.
O
importante não é o nome que a religião ostenta, mas a conduta e o caráter de
cada um. Quanto ao Espiritismo, ele não veio para disputar lugar com as
religiões, mas justamente para que possamos entender essa diversidade e abordar
as leis de Deus de forma racional e pacífica. Eis porque não pode admitir preconceito
contra quem não o aceita, porque é um direito de cada um tem: o de pensar pela
própria cabeça e tomar sua própria decisão.
Todavia, o Espiritismo não é uma religião no
sentido comum da palavra, mas só no sentido filosófico, como disse Kardec,
porque não tem culto, nem templo, nem sacerdotes, nem liturgias e nem estabelece
diferença entre o sagrado e o profano. O Espiritismo é uma doutrina filosófica assentada
sobre bases científicas, cujo papel é de aproximar e nunca de separar as
pessoas dos mais diferentes credos, mostrando que a finalidade da vida é uma
só, que todos somos irmãos, filhos do mesmo Pai, e que o bem e a verdade estão
acima de nossas diferenças e de nossas crenças.
O
papel do Espiritismo é de explicar porque ocorrem essas diferenças e de mostrar
que, por meio dessa explicação, podermos aceitar todos como irmãos, viver e
conviver dentro dos princípios de fraternidade que Jesus ensinou há dois mil
anos. Desse modo, o Espiritismo amplia nossa visão sobre o significado da vida,
mostra uma realidade mais ampla e profunda que merece ser compreendida pelo homem
que pensa e crê. No entanto, sabe perfeitamente que nem todos estão em
condições de aceitá-lo.
As
religiões são como escolas em diferentes níveis de ensino. Cada uma tem seu
papel e consegue atender a determinado tipo de alunos, conforme as necessidades
de cada um. Quem já compreendeu isso e quer aceitar com naturalidade as diferenças
de credo, vendo-as com o mais extraordinário aspecto da lei da natureza, pode
abraçar a Doutrina Espírita com tranquilidade e trabalhar pelos seus ideais.
Foi o que
Jesus, no seu tempo. Ele, como filho de judeus, poderia se acomodar aos
ensinamentos da época, que vinham perdurando há séculos e séculos. No entanto, percebeu a necessidade de dar um
novo impulso à religião de seus pais e proporcionar uma nova visão de mundo ao
homem de seu tempo, apontando para uma realidade mais ampla do que aquela que
era ensinada e vivida. Foi um reformador de idéias, mas não condenou nenhuma
religião, ensinando o amor ao próximo e a convivência fraterna.
Do
mesmo modo, o Espiritismo, como afirma Allan Kardec, não veio para combater as
religiões e tampouco disputar adeptos, mas para valorizar o pensamento
religioso, defender a liberdade de crença e mostrar que Deus está acima de
nossas diferenças, para tanto demonstrando que que a vida continua e que os
ensinamentos de Jesus nos oferecem a chave para estabelecermos na Terra a
verdadeira fraternidade.
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