-“Nada é por acaso”, costumam dizer as pessoas comentando fatos que lhes
absorvem a atenção. O Espiritismo restabelecendo, atualizando e
ocidentalizando, o fluxo de informações sobre a reencarnação oferece de forma
racional a lógica de que se reveste a referida afirmação. Mostra-nos que a vida
física e parte de um processo longo que objetiva liberarmos da densidade
decorrente da materialidade para a sutileza da espiritualidade. Uma caminhada
longa que consome muita energia através das múltiplas existências, enfim, das
vidas sucessivas. Do egoísmo e do orgulho para o altruísmo e humildade, vários
milênios são necessários para sairmos das sombras da ignorância para a
luminosidade da sabedoria. Existe um mecanismo regulador a orientar essa
trajetória. Allan Kardec, delineou as normas do mesmo, baseando-se em
centenas de depoimentos coligidos nas reuniões da Sociedade Espírita de Paris, recebidos de vários correspondentes da
REVISTA ESPÍRITA, das suas reflexões
pessoais, naturalmente enriquecidas pelas influências dos Espíritos Superiores
que o assistiam na elaboração do alicerce da Doutrina que vinha não apenas colocar
de forma compreensível os ensinamentos de Jesus, mas também, lembrar a Humanidade do que ele havia dito,
conforme prometido no EVANGELHO DE JOÃO
(14:26). Embora poucos espíritas saibam, ele está reproduzido no capítulo
7 do livro O CÉU E O INFERNO
ou, A
Justiça Divina Segundo o Espiritismo identificado como CÓDIGO PENAL DA VIDA FUTURA. Conforme
ele comenta, não se trata do relato de um único Espírito; nem uma revelação
particular feita a um único indivíduo, nem de uma visão extática; mas, de
inumeráveis exemplos fornecidos por Espíritos de todas as categorias, desde a
mais elevada até a mais baixa escala, com a ajuda de numerosos intermediários
espalhados por todos os pontos da Terra. Organiza-se em 33 artigos, sendo o ultimo um pequeno
resumo, sintetizando os anteriores. Para se ter uma ideia desse conteúdo,
reunimos a seguir algumas dessas instigantes premissas: 1- A felicidade perfeita é inerente à perfeição, quer dizer à purificação
completa do Espírito. Toda imperfeição é ao mesmo tempo uma causa de sofrimento
e de privação de ventura, da mesma maneira que toda qualidade adquirida é uma
causa de ventura e de atenuação dos sofrimentos; 2- O sofrimento sendo inerente à imperfeição, como a felicidade é inerente
à perfeição, a alma leva em si mesma o seu próprio castigo onde quer que se
encontre. Não há, pois necessidade de um lugar circunscrito para ela. 3- O bem e o mal que praticamos são resultados
das boas e das más qualidades que possuímos. Não fazer o bem que se pode fazer
é uma prova de imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o
Espírito deve sofrer não só por todo mal que tenha feito, mas também por todo o
bem que podia fazer e que não fez durante a sua vida terrena; 4- Toda falta que se comete, todo mal praticado
é uma dívida contraída e que tem de ser paga. Se não for nesta existência, será
na próxima ou nas seguintes, porque todas as existências são solidárias entre
si. Aquilo que se paga na existência presente não será cobrado na seguinte;
5- O arrependimento é o
primeiro passo para o melhoramento. Mas ele apenas não basta, sendo necessárias
ainda a expiação e a reparação. Arrependimento, expiação e
reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta
e as suas consequências; 6- O arrependimento pode ocorrer em
qualquer lugar e tempo, a expiação consiste nos sofrimentos físicos e
morais que são a consequência da falta cometida, seja desde a vida presente ou
após a morte, na Vida Espiritual, ou ainda numa nova existência corpórea, até
que os traços da falta tenham desaparecido, a reparação consiste em
praticar o Bem para aquele mesmo, a quem se fez mal. Aquele que não repara seus
erros nesta vida, por fraqueza ou má vontade, tornará a encontrar-se, numa
outra existência, com as mesmas pessoas que ofendeu, e em condições escolhidas
por ele mesmo para poder provar-lhes seu devotamento, fazendo-lhes tanto bem
quanto o mal que havia feito. 7-
Sejam
quais forem a inferioridade e a perversidade dos Espíritos, Deus jamais os
abandona. Todos tem seu Anjo da Guarda que vela por eles, vigia as expansões da
sua alam e se esforça para despertar-lhes bons pensamentos, desejos de
progredir e de reparar numa nova existência o mal que tenham feito. 8 – Aquele que muito sofre na Terra
pode dizer que tem muito a expiar.
“No
livro A GÊNESE, OS MILAGRES E AS PREDIÇÕES SEGUNDO O ESPIRITISMO, capítulo 1,
“Fundamentos da Revelação Espírita”, encontramos a seguinte passagem: “
Caminhando com o progresso o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque se as
novas descobertas lhe demonstrassem que está errado em determinado ponto, ele
se modificaria sobre esse ponto, se uma nova verdade de revela ele a aceita”.
Pergunto: pode-se afirmar que as obras psicografadas pelo médium Chico Xavier
demonstraram e corrigiram determinados pontos das obras de Allan Kardec?”
Um traço muito presente no caráter de Allan
Kardec é a sua entrega à verdade. Deste ponto ele não abria mão. E foi
justamente por isso que os Espíritos Superiores trabalharam com ele. Naquela
altura dos acontecimentos, quando a ciência passava se impor pela força das
provas, só uma doutrina filosófica que pudesse caminhar ao seu lado,
encarando-a de frente a frente, sem medo da verdade, poderia proclamar a fé
racional.
Kardec não tinha medo da verdade e, por isso
mesmo, dizia que as verdades podem vir de qualquer parte. Assim, de posse das
revelações dos Espíritos, onde ele sentiu essa firmeza, não hesitou em caminhar
de cabeça erguida – não porque se achava dono da verdade, mas porque estava
interessado em descobri-la, viesse ela de onde viesse. “Se eu estiver certo,
dizia ele, você acabará pensando como eu; mas se você estiver certo, eu
acabarei pensando como você pensa”.
Para nós, seres humanos, que vivemos num mundo
de provas e expiações, não há verdade plena e absoluta. Kardec sabia disso. Mas
sabia também que já existiam verdades universais que o homem havia conquistado
e que se abririam para futuras revelações. Aliás, Kardec seguia o pensamento
científico, onde não existe propriamente uma verdade plena e acabada, pois a
cada dia a ciência faz novas descobertas, aperfeiçoando as anteriores.
Assim, Kardec traçou os princípios
fundamentais da Doutrina Espírita: a existência de Deus, a imortalidade alma, a
comunicabilidade dos Espíritos, a reencarnação, a pluralidade dos mundos
habitados, a doutrina moral de Jesus. Tudo deveria passar pelo crivo da razão
para que pudesse se constituir em artigo de fé. “Fé verdadeira é somente aquela
que pode encarar a razão, face a face, em qualquer época da humanidade”. Com isso ele combatia a fé ingênua e passiva
– também chamada fé cega, que as religiões tomaram por base.
As obras subsequentes às chamadas Obras
Básicas, segundo as expectativas de Kardec, deveriam aprofundar e ampliar o
conhecimento espírita, sem se distanciar da ciência, porque ciência e religião
se completam. Ora, é nesse ponto que ele coloca essa observação citada, pois o
Espiritismo não pode contrariar a razão, não pode simplesmente ignorar a
necessidade do estudo, da pesquisa, da evolução do pensamento humano, tanto
quanto o valor das novas descobertas.
Desse
modo, não vemos porque não dar crédito ao pensamento das obras recebidas por Chico
Xavier, que se utilizam das grandes conquistas científicas do século XX, não
propriamente para contrariar alguma afirmação de Kardec. Pelo contrário, para
mostrar que o Espiritismo, desde Kardec, não se afastou do pensamento
científico e que, portanto, pode se apoiar em muito do que a ciência veio
desvendando durante os últimos 100 ou 160 anos.
Seria um contrassenso, segundo a visão de
Kardec, achar que a partir dele nada se alteraria em termos de conhecimento
espírita, pois, se assim considerarmos estaremos contrariando o principio da
evolução e da fé raciocinada. A ampliação do conhecimento sempre implica na
reformulação de algumas ideias, por força da lei de evolução, mas não
necessariamente na sua negação, o que significa que de Kardec para cá houve um
aperfeiçoamento na compreensão de certos pontos que não foram tratados ou foram
tratados de maneira muito ampla na sua época.
Logo, as bases fundamentais do pensamento
espírita continuam as mesmas, mas elas necessariamente vão se aperfeiçoar com o
tempo, pois a evolução do conhecimento é continua. O que não podemos ignorar é
que Allan Kardec lançou as diretrizes fundamentais do Espiritismo – ou seja,
para onde o Espiritismo caminharia. A continuidade depende da consistência
filosófica e científica do que veio depois dele. No entanto, nada deve escapar
ao exame apurado do pensamento crítico que a doutrina tem como principal
diretriz para a busca da verdade.