Esta
questão foi formulada por um senhor de iniciais L.C.S. e diz o seguinte: “Vejo que os espíritas dão muito valor à
ciência, mas entendo que devemos seguir os evangelhos. O apóstolo Paulo disse
que a ciência humana diante de Deus é loucura. O que vocês têm a dizer sobre
isso?”
Na
tradução bíblica de João Ferreira de Almeida, a frase dita por Paulo foi: “Ninguém se engane a si mesmo, se alguém
dentre vós se tem por sábio neste século, faça-se estúpido para se tornar
sábio, porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus”. Ferreira
de Almeida usa, portanto, a palavra sabedoria
ao invés da palavra ciência para traduzir o pensamento de Paulo. Os textos
bíblicos passaram por inúmeras traduções.
A frase de Paulo, por sua vez, denuncia discordâncias
entre os membros daquela comunidade, o que comprometia o trabalho de divulgação
do evangelho. A frase tem um sentido próprio, se procurarmos entender em que
circunstâncias ela foi dita, ou seja, por que Paulo estava dizendo aquilo
naquele momento e naquele lugar. Tirada do contexto, ou seja, lida isoladamente,
para os menos avisados, parece que a sabedoria ou a ciência em si é um caminho contrário a Deus. Não nos
parece que era nesse sentido que Paulo falava.
Na
verdade, Paulo estava preocupado com pessoas de dentro da igreja de Corinto que
assumiram uma postura radical em relação aos ensinamentos de Jesus e estavam insuflando ideias de separação, ao
virem com mensagens diferentes das que ele transmitia. E, naquele momento,
quando muitos outros problemas ameaçavam os cristãos, um racha em Corinto seria
um retrocesso de todo trabalho de evangelização que vinha sendo feito, que
estava sob sua responsabilidade e que buscava, justamente, a união de todos.
É o
que acontece com todo grupo, que nasce de uma ideia central e que, com o tempo,
tende a se diferenciar dentro de si mesmo por causas de interesses e visões particulares,
formando segmentos diferenciados com interpretações diversas. Isso já vinha
acontecendo há séculos com o próprio povo hebreu, ao qual Paulo pertencia. E
ele, como um homem bem informado, sabia o que representava uma dissensão no
grupo naquele momento. Jesus deixara a lição sobre os cuidados na separação entre o trigo e o joio e Paulo,
como um bom líder, tinha que ser moderado em suas decisões.
Naquele
momento, portanto – ou naquele século, como ele disse – seria desastroso
favorecer uma divisão, que só viria enfraquecer o movimento cristão e foi justamente
por isso que ele escreveu essa carta à igreja de Corinto, alertando para que o
problema fosse combatido. Disso resulta , caro ouvinte, que é preciso ler,
saber o que está lendo, de que se trata, o porquê do texto naquele momento,
para interpretar o que realmente Paulo quis dizer.
Do nosso ponto de vista, estudando com mais
cuidado a situação, achamos que a
palavra “ciência” da tradução bíblica
não corresponde ao que sabemos hoje ser a ciência e, portanto, não é apropriado
para o que Paulo estava querendo dizer. Pelo contrário, ele pode trazer
confusão na cabeça do leitor menos avisado, porque ciência naquela época era
uma coisa e hoje é outra. As palavras, caro ouvinte, assumem diferentes
sentidos com o tempo, com cada povo e cada lugar. Devemos estar atentos quanto
ao sentido das palavras nos textos antigos.
Falando
em sabedoria e em sábios, com certeza, Paulo se referia às pessoas que queriam
assumir liderança com ideias próprias, movidas por interesses próprios, e fugindo
às diretrizes dos evangelhos de Jesus. Para Paulo eles queriam se apresentar
como sábios, donos da verdade, tentando convencer o povo de que a interpretação
que Paulo dava à mensagem de Jesus estava errada. Naquele momento, manter o
movimento sob um único comando era algo indispensável para que o povo se
sentisse mais confiante e seguro.
Hoje
sabemos que a inteligência do homem provém da inteligência de Deus. Deus é a inteligência suprema, causa
primária de todas as coisas. Ele nos deu a incumbência de utilizar a
inteligência para fazer o bem. Como o somos imperfeitos, só com o tempo e as
amargas experiências da vida vamos aprendendo a superar o egoísmo e o orgulho
e, em consequência, aprendendo a usar a
inteligência para as elevadas finalidades para as quais foi criada.
De fato, não dá pra comparar a sabedoria
humana com a sabedoria de Deus, mas dá para perceber que uma derivou da outra,
pois foi assim que Deus nos criou, com inteligência suficiente para progredir e
evoluir sempre. Tudo que o homem descobriu, inventou e criou – desde os tempos
mais recuados de sua história até hoje – veio dessa inteligência e deve servir
para ajudá-lo a buscar a o bem e a verdade.
Portanto, a sua sabedoria, tanto quanto a sua ciência, não podem ser
desprezadas.
Logo,
para concluir, podemos dizer que Paulo não condenava o saber dos estudiosos de
sua época, mas condenava, sim, o que o homem estava fazendo de seu saber, para
que estava usando sua Inteligência, pois a ciência pode ser vir tanto ao mal
quanto ao bem. A questão não é condenar ou absolver a ciência humana, mas saber
utilizá-la para o bem de todos. O bem, na filosofia de Jesus, é o valor supremo
da vida.
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