Paulo de Tarso já havia escrito ao Corinthios (13,1-7 e 13) que mesmo que falasse as línguas dos homens e dos anjos; tivesse o dom da profecia; conhecesse todos os mistérios; quanto se pode saber; tivesse fé a ponto de transportar montes; distribuísse todos os seus bens para os pobres; entregasse seu corpo para ser queimado; se não tivesse caridade nada seria. Afirmou ainda que entre as virtudes da fé, da esperança e da caridade, a maior de todas é a caridade. Dezenove séculos depois, no ano de 1860, escreveria em Paris, que “fora da caridade não há salvação”. Em depoimento preservado na obra O EVANGELHO DE CHICO XAVIER (didier), relata o médium mineiro que dois dias depois de haver recebido a primeira mensagem psicografada (8/7/1927), vivenciou emocionante e marcante experiência que o fez – apesar da própria pobreza material -, iniciar duas semanas depois, com a irmã Luiza, numa ponte na cidade de Pedro Leopoldo (MG), o auxílio a alguns indigentes ali refugiados, com quem repartiram oito pães que levavam num cesto, trabalho continuado até sua morte em Uberaba (MG), para onde se transferiu em 5 de janeiro de 1959. Sua ação foi, ao longo dos anos, acompanhada por milhares de visitantes que se dirigiam à cidade do Triangulo Mineiro, a fim de encontrá-lo aspirando receber uma orientação, uma palavra de conforto, uma mensagem de um ente querido. Um fragmento das peregrinações religiosamente cumpridas, especialmente aos sábados à tarde ou mesmo em algumas madrugadas, foi preservada no livro A PONTE (lake) pelo jornalista e escritor gaúcho Fernando Worm, convencido da autenticidade do fenômeno Chico Xavier num encontro não planejado que resultou numa entrevista para jornal do Estado em que vivia. Escreveu o competente Fernando: -“Nossa caravana para frente a uma casa construída com barro socado, em bairro bem humilde de Uberaba. Uma mulher grisalha e aflita acerca-se do médium logo à chegada do carro: -“Chico, meu neto está para morrer. Que é que eu faço? –“Minha irmã, a prece fervorosa de uma avó por um neto necessitado arromba as portas do céu!” Um grupo de pessoas postadas na calçada logo se acerca dele. Uma mulher ainda jovem, em estado de visível perturbação nervosa, vem ao seu encontro: -“Chico, estou com Espírito ruim encostado em mim. Tira ele de mim”. A singular resposta do médium veio com seu jeito mineiro de falar: -“Uai gente, pra que tirar o Espírito? Vamos evangelizar-nos todos, com ele junto”. Logo uma recém-casada toma a dianteira, queixando-se de que o marido andava violento, enfurecendo-se por nada: -“A caridade quebra a violência. Minha filha, a harmonia nas nossas relações muitas vezes é fruto da caridade”. Enquanto alguns membros da nossa caravana colaboravam na distribuição de roupas, cobertores e víveres aos necessitados, Chico entra num casebre de portas e teto muito baixos, cumprimentando uma mãe de quatro filhos retardados, todos eles vítimas também de poliomielite. –“Chico, está tudo ruim, a vida anda pela hora do morte!”. Enquanto a dona de casa conta as mazelas do cotidiano em que vive, o médium estanca frente a um quinto menino, filho adotivo da mulher: -“Olha que menino inteligente a irmã tem. Tem olhos lindos e é seu amigo! Vamos pensar em coisa boa, gente. Em maré baixa ou em maré alta, vamos com Deus, aqui neste mundo todos estamos hospitalizados em processos de cura”. A mulher recebe dois travesseiros, um pequeno rancho e roupas, alegra-se um pouco mas logo volta a lastimar-se das lutas do dia a dia. –“A irmã conhece a história daquele pedaço de barro a exalar doce perfume? Certa vez perguntaram-lhe de onde provinha a fragrância que tinha e ele respondeu: -“É que durante certo tempo fui chão num depósito de rosas”. A casa seguinte, no outro lado da rua, é de uma senhora muito idosa, muda e entrevada num leito de tábuas há muitos anos. O olhar sofrido da anciã acende-se de súbita alegria quando Chico toma da sua mão e todos acompanhamos a prece feita por um dos caravaneiros em favor daquele lar e de seus moradores. Chico reconforta a enferma com muito empenho e carinho, sempre proferindo palavras reanimadoras e positivas, de paz e esperança. Ela então persigna-se erguendo os olhos para o céu e, enquanto orava, parecia-nos ouvir palavras de agradecimento, não obstante estarem seus lábio emudecidos há muitos anos. A cena causou funda impressão em todos que a presenciaram. A última casa que adentramos naquela radiosa manhã de domingo, programa de visitação aos irmãos deserdados que Chico Xavier mantém, como sempre, foi a de uma senhora mãe de uma moça entrevada há quase trinta anos, paralítica e surda-muda, vivendo em grandes dificuldades materiais. A enferma, sempre agitada no colo da mãe, de onde não quer sair as 24 horas do dia, parece acalmar-se enquanto é feita profunda prece de agradecimento pedindo as bênçãos de Deus, o amparo e o conforto espiritual, em favor de todo nosso grupo. Á saída, enquanto íamos para o carro que nos conduzia, Chico acrescenta: -“Esta mãe, com a filha sempre nos braços, me faz lembrar um quadro da Madona. Estes dois Espíritos, naturalmente em resgate de existências anteriores, são para mim um nobre exemplo de fé e de aceitação que muito me edificam. Muitas vezes, em horas difíceis ou em momentos de provação dos quais preciso e mereço, meu pensamento se volta para esta casa e aqui encontro novas forças”.
Ouvi o seguinte
argumento de um colega que se diz ateu. “Se Deus é bom – e todos afirmam que é
– e criou o homem para sofrer, aí existe uma grande contradição. Ele só seria
bom, se nos criasse prefeitos e felizes, sem precisarmos de passar pelo
sofrimento. Ademais, ele nos criou porque quis; nós não pedimos”. Gostaria de
um comentário sobre isso.
Em nenhum momento o Espiritismo afirmou que
Deus nos criou para sofrer. Isso seria realmente uma grande contradição diante
da bondade e do infinito amor que lhe atribuímos. Deus nos criou para sermos
felizes, embora nós ainda não conseguimos sequer entender no que consiste esta
felicidade. Não temos como penetrar nos seus elevados desígnios, porque ainda
nos faltam condições para tanto. Contudo, mesmo com os elementos de que
dispomos, podemos procurar compreender seus desígnios.
Dentro da nossa acanhada compreensão humana,
felicidade seria não ter preocupação, não ter problemas ou viver contemplando a
vida sem ter o que fazer. Felicidade, então, seria a ausência de qualquer
desconforto material ou moral, pois, a partir do momento em que temos algo a
fazer, já começamos sofrer por antecipação. Portanto, parece que esse conceito
não condiz com a realidade. Mesmo entre nós, humanos, não suportaríamos viver
na completa ociosidade. Ou seja, não fazer nada ou não ter nenhum problema a
resolver, nenhuma meta a atingir, na verdade, seria simplesmente insuportável.
Dentro desta linha de pensamento, teríamos que
buscar um outro conceito de felicidade que, talvez não caiba em nossa estreita compreensão.
Quando os pais exigem da criança certo tipo de comportamento, não é com o
intuito de prejudicá-la ou fazê-la sofrer. Pelo contrário. Eles sabem que, para
ser feliz, o filho precisa aprender, e aprender, em nosso estágio evolutivo, é
sofrer. A criança, por sua vez, não vai
entender os pais. Naquele momento ela vai
considera-los maldosos ou cruéis.
Nossa reação diante do sofrimento e diante de
Deus é parecida com a reação da criança ou do adolescente que acham absurdo ter
que fazer a vontade dos pais e não a própria. O adolescente, revoltado, costuma
dizer que não pediu para nascer, mas ele não tem a mínima consciência de que
faz parte de um grande processo evolutivo e que, nesse processo, os pais
têm um importante papel no controle da
educação daqueles que dependem de sua tutela e que tudo fazem para o seu bem.
Um outro aspecto, que poderia ser lembrado
quanto à criação, é que se Deus nos tivesse criado perfeitos, que tipo de
felicidade poderíamos experimentar? Com certeza, não seria a felicidade de ter
conquistado as próprias virtudes, de ter realizado algo de valor ou de sermos
donos de nós mesmos. Seriamos como filhos, que receberam tudo dos pais, menos a
educação para serem independentes e autossuficientes, ou que não saberiam viver
por si mesmos,
Logo, o propósito de Deus está voltado para a
nossa auto realização, para a nossa capacidade de criar o próprio caminho. Isso
mostra que Deus não quis todo o mérito da criação da si, mas ele deu a cada um a
capacidade de demonstrar do que é capaz ao longo de seu caminhar evolutivo. Ou
seja, nós, Espíritos, não somos seres passivos, pois participamos diretamente
da criação e, na linguagem de André Luiz, somos cocriadores.
Eis porque a felicidade consistiria na satisfação que cada um vai alcançar de ter percorrido o próprio caminho, de ter vencido os próprios obstáculos, criando para si um destino glorioso, quando então se encontrará com a própria perfeição. É por isso que costumamos dizer que a maior satisfação de qualquer de nós pode alcançar na vida é a de se sentir útil e a pior, é a de sofrer os revezes de sua incapacidade de servir.