No número de setembro de
1865 da REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec incluiu interessante matéria
objetivando dirimir dúvidas sobre a questão dos procedimentos de cura nas
práticas espíritas. Reflitamos sobre seu conteúdo:
1. Os médiuns que obtêm as
indicações de remédios da parte dos Espíritos não são o que se chama médiuns
curadores, porque não curam por si mesmos; são simples médiuns escreventes que
têm uma aptidão mais especial do que outros para esse gênero de comunicações, e
que, por essa razão, podem se chamar médiuns consultantes, como outros são
médiuns poetas ou desenhistas. A mediunidade
curadora se exerce pela ação direta do médium sobre o doente, com a ajuda de
uma espécie de magnetização de fato ou de pensamento.
2. Quem diz médium diz
intermediário. Há esta diferença entre o magnetizador e o médium curador, que o
primeiro magnetiza com o seu fluido pessoal, e o segundo com o fluido dos
Espíritos, ao qual serve de condutor. O magnetismo produzido pelo fluido do
homem é o magnetismo humano; aquele que provém do fluido dos Espíritos é o
magnetismo espiritual.
3. O fluido magnético tem,
pois, duas fontes muito distintas: os Espíritos encarnados e os Espíritos
desencarnados. Essa diferença de origem produz uma diferença muito grande na
qualidade do fluido e em seus efeitos. O fluido
humano é sempre mais ou menos impregnado das impurezas físicas e morais do
encarnado; o dos bons Espíritos é necessariamente mais puro e, por isto mesmo,
tem propriedades mais ativas que levam a uma cura mais rápida. Mas, passando
por intermédio do encarnado, pode-se alterar como uma água límpida passando por
um vaso impuro, como todo remédio se altera se permanece em um vaso impróprio,
e perde em parte suas propriedades benfazejas. Daí, para todo verdadeiro médium
curador, a necessidade absoluta de
trabalhar em sua depuração, quer dizer, em sua melhoria moral, segundo este
princípio vulgar: limpai o vaso antes de vos servir dele, se quereis ter alguma
coisa de bom. Só isto basta para mostrar que o primeiro que chega não poderia
ser médium curador, na verdadeira acepção da palavra.
4. O fluido espiritual é tanto
mais depurado e benfazejo quanto o Espírito que o fornece é, ele mesmo, mais
puro e mais desligado da matéria. Concebe-se que o dos Espíritos inferiores
deve se aproximar do homem e pode ter propriedades malfazejas, se o Espírito
for impuro e animado de más intenções. Pela mesma razão, as qualidades do
fluido humano apresenta nuanças infinitas segundo as qualidades físicas e
morais do indivíduo; é evidente que o fluido saindo de um corpo malsão pode
inocular princípios mórbidos no magnetizado. As qualidades morais do
magnetizador, quer dizer, a pureza de intenção e de sentimento, o desejo
ardente e desinteressado de aliviar seu semelhante, unido à saúde do corpo, dão
ao fluido um poder reparador que pode, em certos indivíduos se aproximar das
qualidades do fluido espiritual. Seria, pois, um erro considerar o magnetizador
como uma simples máquina na transmissão fluídica. Nisto como em todas as
coisas, o produto está em razão do instrumento e do agente produtor. Por estes
motivos, haveria imprudência em se submeter à ação magnética do primeiro
desconhecido; abstração feita dos conhecimentos práticos indispensáveis, o
fluido do magnetizador é como o leite de uma nutriz: salutar ou insalubre.
5. O fluido humano sendo menos ativo, exige
uma magnetização prolongada e um verdadeiro tratamento, às vezes, muito longo;
o magnetizador, dispensando seu próprio fluido, se esgota e se fatiga, porque é
de seu próprio elemento vital que ele dá; é porque deve, de tempos em tempos
recuperar suas forças. O fluido espiritual, mais poderoso em razão de sua
pureza, produz efeitos mais rápidos e, frequentemente, quase instantâneos. Esse
fluido não sendo o do magnetizador, disto resulta que a fadiga é quase nula.
6. O Espírito pode agir
diretamente, sem intermediário, sobre um indivíduo, assim como se pôde
constatar em muitas ocasiões, seja para aliviá-lo, curá-lo se isto se pode, ou
para produzir o sono sonambúlico. Quando se age por intermediário, é o caso da
mediunidade curadora.
7. O médium curador recebe o
influxo fluídico do Espírito, ao passo que o magnetizador haure tudo em si
mesmo. Mas os médiuns curadores, na estrita acepção da palavra, quer dizer,
aqueles cuja personalidade se apaga completamente diante da ação espiritual,
são extremamente raros, porque esta faculdade, elevada ao seu mais alto grau,
requer um conjunto de qualidades morais que raramente se encontra sobre a
Terra; somente eles podem obter, pela imposição das mãos, essas curas
instantâneas que nos parecem prodigiosas; muito poucas pessoas podem pretender
este favor. O orgulho e o egoísmo sendo as principais fontes das imperfeições
humanas, disso resulta que aqueles que se gabam de possuir esse dom, que vão
por toda a parte enaltecendo as curas maravilhosas que fizeram, ou que dizem
ter feito, que procuram a glória, a reputação ou o proveito, estão nas piores
condições para obtê-la, porque esta faculdade é o privilégio exclusivo da
modéstia, da humildade, do devotamento e do desinteresse. Jesus dizia àqueles
que tinha curado: Ide dar graças a Deus, e não o digais a ninguém.
8. A mediunidade curadora pura
sendo, pois, uma exceção neste mundo, disso resulta que há quase sempre ação
simultânea do fluido espiritual e do fluido humano; quer dizer, que os médiuns
curadores são todos mais ou menos magnetizadores, é por isso que agem segundo
os procedimentos magnéticos; a diferença está na predominância de um ou de
outro fluido, e na maior ou na menor rapidez da cura. Todo magnetizador pode se
tornar médium curador, se sabe se fazer assistir pelos bons Espíritos; neste
caso os Espíritos lhe vêm em ajuda, derramando sobre ele seu próprio fluido que
pode decuplicar ou centuplicar a ação do fluido puramente humano.
9. Os Espíritos vão para onde querem; nenhuma
vontade pode constrangê-los; eles se rendem à prece se é fervorosa, sincera,
mas jamais à injunção. Disso resulta que a vontade não pode dar a mediunidade
curadora, e que ninguém pode ser médium curador de desejo premeditado.
Reconhece-se o médium curador pelos resultados que obtém, e não pela sua
pretensão de sê-lo.
10. Mas se a vontade é
ineficaz quanto ao concurso dos Espíritos, ela é onipotente para imprimir ao
fluido, espiritual ou humano, uma boa direção, e uma energia maior. No homem
débil e distraído, a corrente é débil, a emissão fraca; o fluido espiritual se
detém nele, mas sem proveito para ele; no homem de uma vontade enérgica, a
corrente produz o efeito de uma ducha. Não é preciso confundir a vontade
enérgica com a teimosia, porque a teimosia é sempre uma consequência do orgulho
e do egoísmo, ao passo que o mais humilde pode ter a vontade do devotamento. A
vontade é ainda onipotente para dar aos fluidos as qualidades especiais
apropriadas à natureza do mal. Este ponto, que é capital, se prende a um
princípio ainda pouco conhecido, mas que está em estudo, o das criações
fluídicas, e das modificações que o pensamento pode fazer a matéria suportar. O
pensamento, que provoca uma emissão fluídica, pode operar certas transformações
moleculares e atômicas, como se vê isto se produzir sob a influência da
eletricidade, da luz ou do calor.
11. A prece, que é um
pensamento, quando é fervorosa, ardente, feita com fé, produz o efeito de uma
magnetização, não só chamando o concurso dos bons Espíritos, mas em dirigindo
sobre o doente uma corrente fluídica salutar. Chamamos a esse respeito a
atenção sobre as preces contidas em O Evangelho Segundo o Espiritismo, para os
doentes ou os obsidiados.
12. Se a mediunidade curadora
pura é o privilégio das almas de elite, a possibilidade de abrandar certos
sofrimentos, de curar mesmo, embora de maneira não instantânea, certas doenças,
é dada a todo o mundo, sem que seja necessário ser magnetizador. O conhecimento
dos procedimentos magnéticos é útil em casos complicados, mas não é
indispensável. Como é dado a todo o mundo chamar os bons Espíritos, orar e
querer o bem, frequentemente, basta impor as mãos sobre uma dor para acalmá-la;
é o que pode fazer todo indivíduo se nisso põe a fé, o fervor, a vontade e a
confiança em Deus. Há a se anotar que a maioria dos médiuns curadores
inconscientes, aqueles que não se dão nenhuma conta de sua faculdade, e que se
encontram, às vezes, nas condições mais humildes, e entre pessoas privadas de
toda instrução, recomendam a prece, e ajudam a si mesmos orando. Somente sua
ignorância faz crer na influência de tal ou tal fórmula; algumas vezes mesmo
ali misturam práticas evidentemente supersticiosas, das quais é preciso dar o
caso que elas merecem.
13. Mas do fato de que se
tenha obtido uma vez, ou mesmo várias vezes, resultados satisfatórios, seria
temerário se dar como médium curador, e disso concluir que se pode vencer toda
espécie de mal. A experiência prova que, na acepção restrita da palavra, entre
os melhores dotados, não há médiuns curadores universais. Tal terá devolvido a
saúde a um doente, que não produzirá nada sobre um outro; tal terá curado um
mal num indivíduo, que não curará o mesmo mal uma outra vez, sobre a mesma
pessoa ou sobre uma outra; tal, enfim, terá a faculdade hoje, que não terá mais
amanhã, e poderá recobrá-la mais tarde, segundo as afinidades ou as condições
fluídicas em que se encontrem.
14 A mediunidade curadora é
uma aptidão, como todos os gêneros de mediunidade, inerente ao indivíduo, mas o
resultado efetivo dessa aptidão é independente de sua vontade. Ela se
desenvolve, incontestavelmente, pelo exercício, e sobretudo pela prática do bem
e da caridade; mas como ela não poderia ter a constância, nem a pontualidade de
um talento adquirido pelo estudo, e do qual se é sempre senhor, não poderia
tornar-se uma profissão. Seria, pois, abusivamente que uma pessoa se ostentasse
diante do público como médium curador. Estas reflexões não se aplicam aos
magnetizadores, porque a força está neles, e são livres para dela dispor.
15. É um erro crer que aqueles que não partilham nossas crenças, não teriam nenhuma repugnância em tentar essa faculdade. A mediunidade curadora racional é intimamente ligada ao Espiritismo, uma vez que repousa essencialmente sobre o concurso dos Espíritos; ora, aqueles que não creem nem nos Espíritos, nem em sua alma, e ainda menos na eficácia da prece, não saberiam colocar-se nas condições desejadas, porque isso não é uma coisa que se possa tentar maquinalmente. Entre aqueles que creem na alma e sua imortalidade, quantos há ainda hoje que recuariam de medo diante de um chamado aos bons Espíritos, no temor de atrair o demônio, e que creem ainda de boa-fé que todas essas curas são a obra do diabo? O fanatismo é cego; ele não raciocina. Isto não será sempre assim, sem duvida, mas se passará muito tempo antes que a luz penetre em certos cérebros.
À espera disto, façamos o maior bem
possível com a ajuda do Espiritismo; façamo-lo mesmo aos nossos inimigos,
aceitemos ser pagos com a ingratidão, é o melhor meio de vencer certas
resistências, e de provar que o Espiritismo não é tão negro quanto alguns o
pretendem.
Um
ouvinte afirma que, segundo um segmento religioso, problemas graves que ocorrem
no seio de uma família, como é o caso de suicídios recorrentes, que vêm acontecendo
há várias gerações, seriam efeitos de maldição. Ele gostaria de saber o que os
espíritas pensam sobre isso.
Como o
próprio nome está dizendo, caro ouvinte, a palavra “maldição” deriva da
expressão “mal dizer”, ou seja, dizer mal ou proferir palavras de condenação
contra alguém, contra uma família ou mesmo contra um povo para que lhe
aconteçam desgraças. No fundo, podemos
dizer que maldição é uma condenação, mas com força suficiente para causar um
grande mal. Popularmente a maldição também é conhecida como praga.
Certa
ocasião nos perguntaram “se praga pega”, ou seja, se uma expressão de maldade
proferida contra uma pessoa pode realmente atingir essa pessoa. Existe na obra
de André Luiz um caso que nos faz refletir sobre essa questão. O autor conta o
episódio de um jovem que, chegando bêbado em casa, discutiu e esmurrou o
próprio pai. Este, tomado de violenta emoção, voltou-se para o filho e
praguejou, desejando que o braço que o agrediu secasse.
Ao sentir
a carga emocional daquelas duras palavras, o rapaz saiu de casa cambaleante e
desarvorado, quase sem rumo, e ao tentar subir num bonde em movimento, que era
um transporte da época, caiu sob o veículo e teve aquele braço esmagado. André Luiz explica o fenômeno, mostrando que
não foi a praga em si que determinou o acidente com o filho, mas a força das
palavras do pai que impregnaram sua mente de um forte sentimento de culpa,
concorrendo para que seu braço fosse atingido.
Desse
modo, o espírita acredita que nada acontece por acaso, pois os males que nos ocorrem
têm relação com os atos que cometemos. A maldição, desse modo, não é uma força
em si mesma, de modo que sua consumação depende das condições espirituais de
cada um. No caso citado, o rapaz só foi atingido, porque ele mesmo, no seu
íntimo, não se perdoou por ter agredido o pai; pelo contrário,
inconscientemente ele se expôs àquela situação de perigo como uma forma de
autopunição.
Há
famílias que, aparentemente, estão sendo perseguidas pelo destino ou vítimas de
alguma maldição, como no caso de repetidos suicídios. Podemos explicar tais situações com base em
fatos passados, mostrando que Espíritos com as mesmas tendências ou com
complicados compromissos entre eles acabam se atraindo e reencarnando na mesma
família. Evidentemente, eles não reencarnam com essa intenção, mas correm os
riscos, razão pela qual devemos encarar a vida como uma escola, onde estamos
nos aperfeiçoando no caminho do bem para superar as próprias fraquezas.
Na
Bíblia e em livros sagrados de povos antigos a maldição aparece como uma forma
de intimidação com que acreditavam que Deus governava o mundo, como é o caso
das maldições que Deus teria proferido contra Adão e Eva. Mas essas histórias
apenas revelam a crença que os povos antigos sempre alimentaram em razão do
autoritarismo de suas religiões. Hoje
não podemos interpretar dessa maneira. Os males que acontecem ao homem, ou à
família, ou mesmo a um povo, são consequências naturais de erros que cometeram
no passado.
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