Ao final de palestra, jovem questiona se associação da dita civilização com grupos humanos ainda vivendo em tribos harmonicamente, com cultura e tradições próprias e respeito à natureza é realmente correta? Não seria melhor deixa-los viver como o fazem sem os contaminar com uma sociedade decadente? Curiosamente indagação parecida foi tema de matéria na REVISTA ESPÍRITA de agosto de 1864, seção QUESTÕES E PROBLEMAS, em que Allan Kardec atende leitor da cidade de Bordeaux, em dúvida após ter lido matéria publicada sobre as Cartas de Cristóvão Colombo descrevendo o estado do México no momento da descoberta, especialmente no tocante aos habitantes locais que pareciam viver numa idade de ouro, em perfeita harmonia entre si e a natureza, infinitamente superiores não só aos invasores como aos países mais civilizados. Médium, tentou a opinião do seu guia espiritual, obtendo como resposta: -“Nós te responderíamos com prazer, se teu Espírito estivesse em estado de tratar, neste momento, de assunto tão sério, que requer alguns desenvolvimentos espírito-filosóficos. Dirige-te a Kardec. Esta ordem de ideias já foi debatida, mas ela voltar-se-á de maneira mais lucida do que poderias fazê-lo, porque sempre tens o espírito tenso e o ouvido à espreita. É uma consequência de tua posição atual e tens que te submeter”. Sobre a orientação Allan Kardec comenta: -“Disso ressalta uma primeira instrução: é que não basta ser médium, mesmo formado e desenvolvido, para, à vontade, obter comunicações sobre o primeiro assunto surgido. Aquele fêz suas provas, mas, no momento, seu Espírito, forte e penosamente preocupado com outras coisas, não podia ter a calma necessária. É assim que mil circunstâncias podem opor-se ao exercício da faculdade mediúnica. Nem por isso a faculdade deixa de subsistir, mas nada é sem o concurso dos Espíritos, que lhe dão, ou recusam, conforme julgam conveniente e isto, muitas vezes no interesse do médium”. Sobre a pergunta principal, a Espiritualidade se manifestou na reunião da Sociedade Espírita de Paris de 8 de julho, através do médium Sr. D’Ambel, esclarecendo o seguinte: -“Sob as aparências de uma certa bondade natural, e com costumes mais doces que virtuosos, os Incas viviam despreocupadamente, sem progredir nem se elevar. A essas raças primitivas faltava a luta; e se as batalhas sangrentas não os dizimavam; se uma ambição individual ali não exercia uma pressão soberana para lançar aquelas populações a conquistas, elas não eram menos atingidas pelo perigoso vírus que conduzia sua raça à extinção. Era preciso retemperar as fontes vitais desses Incas abastardados, dos quais os Aztecas representavam a decadência fatal, que deveria atingir todos aqueles povos. Se a essas causas inteiramente fisiológicas, juntarmos as causas morais, notaremos que o nível das ciências e das artes ali tinha igualmente ficado em prolongada infância. Havia, pois, utilidade de por esses países pacíficos no nível das raças ocidentais. Hoje se julga a raça desaparecida, porque se fundiu com a dos conquistadores espanhóis. Dessa raça cruzada surgiu uma Nação nova e vivaz que, por um vigoroso impulso, não tardará a atingir os povos do Velho Continente. Que resta de tanto sangue derramado? perguntam de Bordeaux. Para começar, o sangue derramado não foi tão considerável quanto se poderia crer. Antes as armas de fogo e alguns soldados de Pìzarro, toda a região invadida submeteu-se como ante semi-deuses, saídos das águas. É quase um episódio da Mitologia Antiga e essa raça indígena é, sob vários aspectos, semelhante às que defendiam o Tosão de Ouro”. Em comentário complementar, Allan Kardec, entre outros aspectos, pondera: -“Sem dúvida, é penoso pensar que o progresso, por vezes, precisa de destruição. Mas é preciso destruir as velhas cabanas, substituindo-as por casas novas, mais belas e cômodas. Aliás, é preciso levar em conta o estado atrasado do Globo, onde a Humanidade está apenas no progresso material e intelectual. Quando entrar no do progresso moral e espiritual, as necessidades morais ultrapassarão as necessidades materiais. Os homens serão governados segundo a Justiça e não mais terão que reivindicar seu lugar à força. Então a guerra e a destruição não mais terão razão de ser. Até lá, a luta é consequência de sua inferioridade moral. Vivendo mais material que espiritualmente, o homem não encara as coisas senão do ponto de vista atual e material e, por isso, limitado. Até agora, ignorou que o papel capital é do Espírito: viu seus efeitos, mas não conheceu as causas e é por isto que, durante tanto tempo, desencaminhou-se nas ciências, nas suas instituições e religiões. Ensinando-lhe a participação do elemento espiritual em todas as coisas do mundo, o Espiritismo alarga seu horizonte e muda o curso de suas ideias. Abre a Era do progresso moral”.
Esta questão nos faz lembrar a afirmação de
um pensador da Antiga Grécia, séculos antes de Cristo, que dizia, mais ou menos
o seguinte: “As coisas são aquilo que pensamos
que elas são”. É impressionante como a mente humana é capaz de se adaptar
às mais diversas circunstâncias da vida, mas uma coisa é certa e achamos que
disso ninguém duvida: o ser humano sempre acredita em alguma coisa, é em função
de sua crença que ele procura viver bem consigo mesmo, embora nem sempre
consiga.
Por exemplo: há quem acredita na honestidade,
mas não consegue ser honesto. Há quem acredita em Deus e, por mais que se
esforce, não consegue ser uma pessoa de bem. E há quem não acredita em Deus;
mas, se não acredita em Deus, acredita em outra coisa, deve ter uma meta, um
ideal de vida e, muitas vezes, um ideal superior que ela mesma não consegue
seguir.
Desse modo, em todas as épocas da humanidade,
o homem cultivou algum tipo de fé, estivesse certo ou errado. Mas é essa fé que
o mantém vivo, atuante, confiante, interessado em alcançar alguma meta. Os diferentes
povos do mundo tiveram as mais diferentes religiões e os mais diferentes tipos
de crença. Dessa maneira, de acordo com a fé que cultiva, cada um percorre seu
caminho, mesmo não fazendo aquilo que a sua fé diz ser verdade.
Antes do Espiritismo já existiam muitos
caminhos que o homem acreditava ser a sua felicidade. Mas, como somos seres
sociais, a fé não depende apenas do indivíduo, mas também da família, da
sociedade e, sobretudo, das instituições religiosas. No fundo, são as religiões
que procuram ditar no que as pessoas deveriam acreditar, e por muitos séculos
elas ensinaram que a vida começa na concepção e termina com a morte e que, além
disso, tudo era mistério divino e insondável, ou seja, que não deveria ser
conhecido.
Mesmo assim, por mais que as religiões se
imponham, elas não conseguem conduzir a fé em tudo e em todos de cada um de
seus seguidores, até porque, sendo seres sociais, as pessoas estão sujeitas a
todo tipo de informação e influência. É assim que, mesmo no meio católico por
exemplo, há muitos que acreditam nos Espíritos, principalmente aqueles que já
alcançaram uma certa independência emocional e já começam a raciocinar pela
própria cabeça
Assim, quando a Doutrina Espírita surgiu, há
165 anos, para muitos ela não vinha mostrar algo muito desconhecido do público,
mas algo em que a humanidade, de um modo geral, já vinha concebendo. Allan Kardec diz que o conhecimento não surge
do nada e nem de um momento para outro; ele vem se configurando ao longo do
tempo através das cabeças pensantes. Pensadores e estudiosos do passado,
conforme podemos ler na História da Filosofia, já viam preparando terreno para
surgimento do Espiritismo, até porque as ideias espíritas já eram embrionárias
e cultivadas silenciosamente por uma grande parte do povo.
Isso quer dizer que, no fundo, cara ouvinte, a
vida espiritual sempre foi uma aspiração humana, pois cada um já trazia essa
intuição nas profundezas do próprio espírito. Jesus, por exemplo, falara diretamente da vida espiritual aos
seus ouvintes, quando contou a parábola do rico e do mendigo Lázaro conforme o
evangelho, mostrando que há destino espiritual para cada um de nós e que esse
destino depende de como foi nossa
conduta aqui na Terra.
Por outro lado,
independente do conhecimento humano, a espiritualidade superior ou os bons Espíritos
- aqueles que estão a serviço do bem - sempre se mantiveram ao nosso
lado, procurando atender as necessidades humanas, sem interferir no livre
arbítrio de cada um. Assim, quem hoje ainda não acredita na espiritualidade,
conforme o Espiritismo ensina, também é atendido, pois o Pai ama a todos e não
abandona nenhum de seus filhos: como disse Jesus, referindo-se ao amor de Deus,
Ele manda o sol para os bons e para os maus, e a chuva para os justos e para os
injustos.
Com o
Espiritismo, porém, abriu-se uma era nova em que o ser humano, mais amadurecido
( porque cada conhecimento vem a seu tempo), já poderia entender o mundo
espiritual e a reencarnação de uma forma racional e segura, sempre seguindo o rumo do bom senso. Antes do
Espiritismo, já havia quem tivesse tais concepções, mas de uma forma isolada, rudimentar
e insegura; depois do Espiritismo, essa crença
atingiu definitivamente o “status” de filosofia e ciência, abrindo novas
perspectivas para o desenvolvimento da verdadeira religiosidade.
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