Escreveu alguém que o valor de uma ideia se mede pelo tamanho da resistência que encontra. Com o trabalho de Allan Kardec não foi diferente, inclusive entre os que o acompanhavam de perto. Essa revelação está exposta em matéria com que abriu o número de julho de 1859 da REVISTA ESPÍRITA. Depois de explicar como nasceu a Sociedade Espírita de Paris a partir de reuniões realizadas no próprio apartamento em que vivia com sua esposa, o qual foi se tornando pequeno para o número de interessados que foram sendo a ela admitidos, conta que, no que se refere à publicação d’ O LIVRO DOS ESPÍRITOS – único existente então -, enfrentou a seguinte situação: -“Algumas pessoas disseram que fui muito precipitado nas teorias espíritas, que ainda não era tempo de estabelecê-las e que as observações não se achavam ainda bastante completas. Permiti-me algumas palavras sobre o assunto. Duas coisas devem ser consideradas no Espiritismo: a parte experimental e a parte filosófica, ou teórica. Abstração feita do ensino dos Espíritos, pergunto se, em meu nome, não tenho o direito, como qualquer outra pessoa, de lucubrar um sistema filosófico. O campo das opiniões não se encontra aberto a todo mundo? Por que, então, não poderia dar a conhecer o meu? Compete ao público julgar se ele tem ou não tem sentido. Mas essa teoria, em vez de me conferir qualquer mérito, se mérito existe, eu declaro que emana inteiramente dos Espíritos. – Seja, dirão alguns, mas estais indo muito longe. Aqueles que pretendem dar a chave dos mistérios da Criação, desvendar o princípio das coisas e da natureza infinita de Deus, não vão muito mais longe do que eu, que declaro, da parte dos Espíritos, que não é dado ao homem aprofundar essas coisas, sobre as quais não podemos estabelecer senão conjecturas mais ou menos prováveis. – Andais muito depressa. – Seria um erro tomar a dianteira de certas pessoas? Aliás, quem as impede de caminhar? – Os fatos não se acham ainda perfeitamente observados. – Mas se eu, certo ou errado, creio tê-los observado suficientemente, devo esperar a boa vontade daqueles que ficaram para trás? Minhas publicações não barram o caminho a ninguém. – Estando os Espíritos sujeitos a erro, quem garante que aqueles que vos ensinaram não se terão enganado? – Com efeito, toda a questão se resume nisso, considerando-se que a objeção de precipitação é muito pueril. Pois bem! Devo dizer em que se funda a minha confiança na veracidade e na superioridade dos Espíritos que me instruíram. Primeiramente direi que, conforme o seu conselho, nada aceito sem controle e sem exame; não adoto uma ideia senão quando me parece racional, lógica, concorde com os fatos e as observações e se nada de sério vem contradizê-la. Mas meu julgamento não poderá ser um critério infalível. O assentimento que encontrei da parte de numerosas pessoas mais esclarecidas do que eu me fornece a primeira garantia. Mas eu encontro outra, não menos preponderante, no caráter das comunicações que foram obtidas desde que me ocupo de Espiritismo. Posso dizer que jamais escapou uma só dessas palavras, um único desses sinais pelos quais sempre se traem os Espíritos inferiores, mesmo os mais astuciosos. Jamais dominação; jamais conselhos equívocos ou contrários à caridade e à benevolência; jamais prescrições ridículas. Longe disso; neles não encontrei senão pensamentos generosos, nobres, sublimes, isentos de pequenez e de mesquinharia. Numa palavra: suas relações comigo, nas menores como nas maiores coisas, sempre foram de tal modo que, se tivesse sido um homem a me falar, eu o teria considerado o melhor, o mais sábio, o mais prudente, o mais moralizado e o mais esclarecido. Eis aí, senhores, os motivos de minha confiança, corroborada pela identidade do ensino dado a uma porção de outras pessoas, antes e depois da publicação de minhas obras. O futuro dirá se estou certo ou errado. Enquanto isso, eu creio ter auxiliado o progresso do Espiritismo, trazendo algumas pedras ao seu edifício. Mostrando que os fatos podem assentar-se no raciocínio, terei contribuído para fazê-lo sair do atalho frívolo da curiosidade, a fim de fazê-lo adentrar no caminho sério da demonstração, isto é, na única via que pode satisfazer os homens que pensam e que não se detêm na superfície.
A
crença em Deus não é natural? Então, por que existem pessoas, principalmente
homens de ciência, que afirmam e sustentam que Deus não existe?
Quando
Allan Kardec afirmou, há mais de 160 atrás, que a crença em um ser supremo ou em seres superiores que
comandam o universo é natural, ele não estava emitindo apenas uma opinião
isolada. As pesquisas, ao longo dos anos, mas principalmente, das últimas
décadas do século 20 para cá, têm revelado que a grande maioria das pessoas de
todos os países creem na divindade, seja lá o nome que lhe deem, a religião que
professem ou mesmo muitos que não seguem nenhuma religião específica.
Por
incrível que pareça, muitos filósofos que proclamavam o ateísmo, principalmente
a partir do século XIX, acreditavam que o progresso intelectual da humanidade
determinaria, mais cedo ou mais tarde, o total desaparecimento da religião.
Alguns chegaram a prever que isso se daria até o final do século XX, afirmando
que a fé religiosa não suportaria o peso da verdade científica e que, portanto,
os dias da religião estavam contados. Mas, para sua surpresa, apesar do
progresso científico e tecnológico do século XX, a religião, de um modo geral,
não desapareceu.
Bem
antes disso, Kardec chegou a dizer em suas obras que não existe e nunca existiu
um povo ateu. Trata-se, portanto, de uma constatação e não apenas de uma
teoria: a grande maioria acredita em Deus, apesar de todas as imposições
contrárias. O que, certamente, veio
acontecendo, através dos séculos, não só em razão do progresso intelectual, mas
muito mais por causa do abuso das lideranças religiosas e da exploração da boa
fé do povo, foi o fortalecimento de um movimento antirreligioso, que culminou
no ateísmo dos nossos dias.
Em
linhas gerais podemos dizer o seguinte. Muita gente se rebelou contra o império
da religião em todos os lugares do mundo. Quem conhece um pouco da história da
humanidade, sabe que a religião (como instituição) acabou se transformando numa
força opressora e violenta, optando por deixar o homem comum na ignorância para
nele alimentar apenas e tão somente uma fé cega ou ingênua. Qualquer um de nós
pode perceber quanto desrespeito, quanta maldade e quanta crueldade já foram
praticados em nome de Deus e da religião ao longo da História.
Aqui, no mundo ocidental, tivemos o mais
contundente desse exemplo de intolerância e perseguição religiosa por ocasião
das Cruzadas e da Santa Inquisição, que
acabou provocando centenas de milhares de vítimas e tudo em nome de Deus. Durante
a inquisição religiosa os perseguidos eram os homens mais inteligentes, os mais
criativos – os artistas, os cientistas e os simpatizantes de cultos diferentes
– pois a religião dominante se achava no direito de cobrar com extremada
violência fidelidade e obediência aos seus dogmas de fé e não tolerava a quem a
ela se opusesse. Foram épocas de ditaduras religiosas.
Do
ponto de vista espírita, o que veio acontecendo durante os séculos, foi uma
reação antirreligiosa aos dogmas impostos, reação essa que, ainda hoje, se
manifestam em muitos Espíritos que sofreram essas atrocidades e retornaram à
vida terrena para lutar pela liberdade de expressão. Se você observar bem, vai
perceber que geralmente as pessoas que se proclamam ateias são as que têm maior
anseio de liberdade, com certeza porque foram vítimas da opressão no passado.
Talvez nem sejam razões de ordem científica
que determinam o ateísmo até porque, mesmo na atualidade, existem, como sempre
existiram, cientistas que têm suas religiões, mesmo que se trate de religião
pessoal. Outros, centenas deles, embora
a pressão que sofram, interessam-se ou se dedicam a estudos que visam à
realidade do espírito, como aqueles que se dedicam a pesquisa sobre
reencarnação e vida após a morte.
Há
cerca de dois anos ou três atrás, um grupo de mais de 300 cientistas de todo o
mundo criou um movimento intitulado pós-materialismo, justamente para acenar
para um novo campinho nas pesquisas científicas sobre espiritualidade. Para
chamar atenção sobre essa corajosa postura que assumiram, eles lançaram um
grande manifesto para o mundo acadêmico, que foi publicado pela revista
“Explorer”, um órgão científico de âmbito internacional.
De
resto, podemos dizer que a crença em Deus requer dos indivíduos mais do que
simples raciocínio, requer sobretudo humildade. Como diz Kardec, “para se crer em Deus, basta lançar os olhos
sobre as obras da criação. O universo existe; ele tem, pois, uma causa.
Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem, e vossa razão vos
responderá”. Logo, os homens de ciência,
mais do que as pessoas comuns, têm mais forte razão para admirar a grandeza do
universo e reconhecer que atrás dessa obra só pode existir uma inteligência
suprema. Se existe aqueles que se negam a isso, não é mais simples questão de
Inteligência, mas consequência do orgulho que não se rende ao mais evidente e perfeito
argumento.
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