Na edição de abril de 1865 da REVISTA ESPÍRITA, Allan Kardec se posiciona diante de uma dúvida nascida diante do fato de médiuns – ou pretensos médiuns – se valerem do trabalho dos Espíritos desencarnados como meio de vida, ou mesmo desenvolverem trabalhos paralelos como a comercialização de medicamentos complementares à assistência espiritual para obter resultados econômicos. Afinal, pode-se transformar a mediunidade curadora em profissão? Explica Allan Kardec: - Por vezes os Espíritos se servem de médiuns especiais, como condutores de seu fluido. São esses os médiuns curadores propriamente ditos, cuja faculdade apresenta graus muito diversos de energia, conforme sua aptidão pessoal e a natureza dos Espíritos que os assistem. Conhecemos em Paris uma pessoa acometida há oito meses de exostoses no quadril e no joelho, que lhe causam grandes sofrimentos e a obrigam a ficar acamada. Um de seus amigos, rapaz dotado desta preciosa faculdade, prodigalizou-lhe cuidados pela simples imposição das mãos sobre a cabeça, durante alguns minutos, e pela prece, que o doente acompanhava com fervor edificante. No momento este último apresentava uma crise muito dolorosa, (...) logo seguida de uma calma perfeita. Então ele sentia a impressão de várias mãos, que massageavam e estiravam a perna, que se via alongar-se de 10 a 12 centímetros. Nele já há uma melhora muito sensível, pois começa a andar; mas a antiguidade e a gravidade do mal necessariamente tornam a cura mais difícil e mais demorada que a de uma simples entorse. Faremos observar que a mediunidade curadora ainda não se apresentou, ao que saibamos, com caracteres de generalidade e de universalidade, mas, ao contrário, restrita como aplicação, isto é, o médium tem uma ação mais poderosa sobre certos indivíduos do que sobre outros, e não cura todas as doenças. Compreende-se que assim deva ser, quando se conhece o papel capital que representam as afinidades fluídicas em todos os fenômenos mediúnicos. Algumas pessoas somente o gozam acidentalmente e para um determinado caso. Seria, pois, um erro acreditar que, pelo fato de se ter obtido uma cura, mesmo difícil, podem ser obtidas todas, em virtude do fluido próprio de certos doentes ser refratário ao fluido do médium; a cura é tanto mais fácil quanto mais naturalmente se opera a assimilação dos fluidos. Também é surpreendente ver algumas pessoas, frágeis e delicadas, exercerem uma ação poderosa sobre indivíduos fortes e robustos. É que, então, essas pessoas são bons condutores do fluido espiritual, ao passo que homens vigorosos podem ser péssimos condutores. Têm apenas o seu fluido pessoal, fluido humano, que jamais tem a pureza e o poder reparador do fluido depurado dos Espíritos bons. De acordo com isto, compreendem-se as causas maiores que se opõem a que a mediunidade curadora se torne uma profissão. Para que isso ocorra, seria preciso ser dotado de uma faculdade universal. Ora, só os Espíritos encarnados da mais elevada ordem poderiam possuí-la nesse grau. Ter essa presunção, mesmo exercendo-a com desinteresse e por pura filantropia, seria uma prova de orgulho que, por si só, seria um sinal de inferioridade moral. A verdadeira superioridade é modesta; faz o bem sem ostentação e apaga-se, em vez de procurar o brilho; o famoso vai buscá-la e a descobre, ao passo que o presunçoso corre atrás da fama que muitas vezes lhe escapa. Jesus dizia aos que havia curado: “Ide, dai graças a Deus e não faleis disto a ninguém.” É uma grande lição para os médiuns curadores. Lembraremos aqui que a mediunidade curadora está exclusivamente na ação fluídica mais ou menos instantânea; que não se deve confundi-la nem com o magnetismo humano, nem com a faculdade que têm certos médiuns de receber dos Espíritos a indicação de remédios. Estes últimos são apenas médiuns receitistas, como outros são médiuns poetas ou desenhistas
Certa vez fomos surpreendidos por um colega que nos abordou para
questionar o seguinte: “Pessoalmente,
apesar de adotar uma religião, que é a religião da minha família e que respeito,
tenho minhas dúvidas se existe vida depois da morte, mas gostaria de saber como
os espíritas têm tanta certeza que, depois da morte, ainda voltarão a encarnar
neste mundo”.
Allan Kardec, o codificador da doutrina, tece
vários comentários sobre este tema: a arte de adquirir convicção. Entendemos
por convicção (também podemos chamar de fé inabalável) o sentimento que nos
assegura de forma inequívoca que determinada coisa é assim e não pode ser de
outra forma. Sobre isso Kardec, como outros pensadores que o antecederam, já
dizia que a fé verdadeira (também chamada de convicção) é aquela que é capaz de
encarar a razão, face ou face, ou seja: é aquela que segue o caminho do
raciocínio lógico, pois não se curva diante da razão.
No tempo de Allan Kardec, mais de um século e
meio atrás, ocorreram inúmeros fenômenos espíritas por todo mundo. Muita gente,
que não acreditava nos Espíritos, acabou acreditando ao presenciar tais
fenômenos. Outros, não; mesmo diante do fenômeno, que parecia autêntico e
inequívoco, ainda encontravam argumentos para dizer que não podiam acreditar
numa coisa impossível. Foi por isso que Allan Kardec escreveu um livrinho,
intitulado O QUE É O ESPIRITISMO, onde encontramos três diálogos entre ele e
opositores da doutrina que toca diretamente neste assunto.
Será que devemos acreditar em tudo? Ou será
que não devemos acreditar em nada? Conta o evangelho que Tomé, um dos
discípulos de Jesus, não acreditou quando os companheiros lhe disseram que o
mestre, na ocasião já morto, havia se manifestado para eles com o corpo que
tinha quando vivo. Tomé não só não acreditou, como pediu provas. Foi preciso
que Jesus se materializasse novamente na casa de Pedro e deixasse que Tomé o
tocasse para sentir de perto que se tratava de um corpo real. Só assim ele se
convenceu.
Então Jesus disse: “Bem aventurados aqueles
que não viram e creram”. É claro que Jesus estava se referindo à maturidade
espiritual das pessoas que já não precisam ver para crer, porque eles já sabem.
No entanto, nem todos sabem; com certeza, uma boa parte da humanidade ainda não
sabe, ainda não tem a convicção, ainda não vivenciou situações que tivessem
tocado mais profundamente sua alma.
Allan Kardec defende a tese de que a razão,
quando aliada a um sentimento aberto à verdade, um sentimento de humildade
autêntica, tem muito mais probabilidade de adquirir convicção sobre a vida
espiritual, do que aqueles que simplesmente dizem acreditar. Embora a certeza esteja mais próxima da
verdade, ela não é a verdade. A convicção, no entanto, se obtém com o caminhar
da própria vida, com a maturidade que o Espírito vai adquirindo por suas
próprias experiências, dando-lhe a sensação de maior ou menor segurança ante os
argumentos da razão, a fim de que não sejamos enganados pela fé.
Para tanto, se a incerteza o perturba ( e isso
já pode ser um sinal de maturidade espiritual ) e se você está de fato aberto à
verdade, sem alimentar tolos preconceitos, é preciso buscá-la sem medo de se
decepcionar – como diz Allan Kardec, lendo os prós e os contras – a fim de balancear
as posições opostas e caminhar na direção da verdade com mais segurança e com
mais confiança em alcançar o que efetivamente procura.
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